30 de dezembro de 2010

Nada de novo…

ricos pobresEm 2011, os directores, coordenadores de serviços e chefes de sector da Segurança Social serão promovidos e verão os auferimentos das suas despesas de representação aumentadas em 30 por cento, tudo rigorosamente legal, como sempre. Saiu hoje mesmo, no Diário da República. Boa e santa medida! Que, no meio da penúria geral, haja alguém, isto é, uma pobre  classe dirigente, que passe a ganhar mais. Eis, pois, uma medida tão propícia quanto o momento em que se publica, com o povo já embotado de bêbado, sem perceber nada do que se passa, sem conseguir já focar a letra miúda do Diário, entretido que está a festejar 2011, o ano da sua ruína completa. A medida governamental que ora vê a luz do dia, se aplicada num momento de sobriedade nacional, com o povo atento e lúcido, seria, no mínimo, desaconselhável. Porém, em plena passagem de ano, já no meio dos vapores da alegria lorpa, das passas rançosas, da tosca bovinidade e do espumoso gaseificado, tudo passa na santa secretude da minúscula letrinha dos despachos da lusa governança…

(Imagem daqui)

A seguir: “José Duarte - uma singelíssima homenagem” em obsessões…

29 de dezembro de 2010

repescando tralices

FotoSketcher - relogio 2A 18 de Dezembro de 2007 (um pouco antes da primeira fase do descalabro educacional, provocado por Maria de Lurdes Rodrigues, que acabou por destruir a escola pública a ponto de esta nunca mais se levantar), escrevia-se aqui o gafanhoto, uma primeira abordagem à questão educativa, que transcrevo a seguir, para vos evitar o trabalho de ir lá ver.

O Gafanhoto

Há um enorme gafanhoto âmbar empoleirado num dos armários da SP. Mesmo por cima dos livros de ponto. Entra gente e sai gente mas ninguém parece vê-lo. Enorme e translúcido, paira embaraçado entre o medonho e o ridículo. Remete-me, facilmente, para Abraão ou Noé, ou outro qualquer bíblico patriarcudo, comendo gafanhotos meia dose, assim a cru, nos tórridos desertos do Velho Testamento. Esta á a pose grotesca do gafanhoto da SP, alcandorado no topo do armário, equilíbrio instável, ameaçando estatelar-se. Mas quando o observo com o meu olho mais negro, vejo-o mostrengo, ferino e horrendo, despedindo lasers de âmbar e brandindo gigantescas pinças e armaduras bucais extensíveis, numa febre milenar feita de vingança e ódio.

E eu, sem despregar nenhum olho da besta ambarina, fico a delinear duas opções nesta encruzilhada: 1. Sou um professorzinho insignificante e acabrunhado e deixo que o gafanhoto me engula; 2. Sou um profeta alucinado, vagueando sequioso no deserto, e papo, de uma assentada, o gafanhoto tamanho família, para evitar baixar-me tantas vezes…
Claro que foi uma visão.
(Mas este gafanhoto sanguinolento chega em Janeiro. Asseguraram-mo hoje.)

(Imagem daqui)

27 de dezembro de 2010

minudências minhas

  A colher antiga cozinha  imagem Subjects RetroA colher velha

Encontrei ontem uma colher de sopa. No fundo de uma gaveta inexpugnável, de alquebrado armário no sótão soturno do esquecimento. Foco, João, foco. É um sótão mesmo, real, soalho rangente, clarabóia, telhas. Mas soturno, sim, convenhamos, e esquecido, time-capsule de um tempo que passou. Uma colher de sopa, de alumínio, ou de prata, ou de estanho. Qualquer coisa menos aço inox. Escurecida e perdida em pensamentos, lágrimas de saudade pendiam-lhe do cabo… Foco, João, foco. Uma colher velha, sem valor. Assim é que é. Uma mão de mulher, mão de trabalho, mão de jeira, mão de carinho, pegava nela nos dias de domingo. Depois da missa. Mexia o oloroso café de uma cafeteira mítica que procurei depois como um louco, mas não encontrei. “Está feito, para a mesa!”. “Vamos ,João?” “Vamo pai, vamo depersa”. Foco, João, foco. O cheiro do café e da segurança, do calor, do aconchego, do tudo que era então. A colher de alumínio, de prata, estanho, a mão de minha mãe, os meus 5 anos, a voz cava e meiga do meu pai, a esperança, o sonho, o futuro. Foco, João, foco.

(A colher velha – time-capsule da alma)

(Imagem daqui)

26 de dezembro de 2010

A blogosfera, outra vez

blogosferaA blogosfera adora os comentários. Acredito que ela surgiu para provocar. Ela nasceu simultaneamente cordata e impulsiva, jovial e telúrica, pacata e inquieta. E a sua ambição mais consuetudinária terá sido sempre suscitar desassossegos, risos, afeições, desconfortos, fúrias. O blogger aprecia que o invectivem, o critiquem, o aplaudam, o censurem, o odeiem, o venerem, mas detesta que o ignorem. Ele é um tímido que quer conquistar o mundo, um ousado que morre de medo, um racional que demanda corações. Arrogante na autoavaliação, desmorona na dúvida, submerge na incerteza. Sabe-se bom, e útil, e enorme. Desconfia-se medíocre. Receia-se inútil. E precisa que o comentem, mal ou bem, mas fundo, fundo.

(Imagem daqui)

Próximo post: A colher velha na rubrica Minudências minhas

O Tralapraki fez capicua hoje: 666 posts nos seus quatro anos de vida

25 de dezembro de 2010

My very particular Standard and Poor’s

standard and 2Mandei-os vir. Os do FMI. Ontem. Para resolverem o meu problema de cash-flow. Quer dizer, de pelintrice. O seguro do bolinhas vence agora em Dezembro e reclama o pagamento da anuidade. Na verdade, tudo reclama dinheiro em Dezembro, e também nos restantes meses, todos os anos, várias vezes ao dia. Dantes tinha a certeza de que, se não saísse de casa, ninguém me extorquiria um centavo. Agora vêm a casa. Instalam-se. Levam-me tudo. Depenam-me. Espreitei para o número de três algarismos da factura do seguro. Fora de cogitação. Em Janeiro vendo o bolinhas, se alguém existir ainda com um trocado para mo comprar. E talvez aproveite para vender o T1, que nunca me serviu de nada, pois nem uma única garota consegui lá levar. E agora, nesta idade, o que para lá levo são colites espásticas e a minha mais recente companheira, a artrite reumatóide. Só consigo capital a juros de 100 por cento. De modo que a minha very peculiar Standard and Poor’s aconselhou-me a demitir (ou será só exonerar) o meu estômago das suas funções. “Ah, porque esse bicho é um sorvedouro de orçamentos, e mais isto e mais aquilo, que come como frieira atrevida, que bebe mais que o Madail e o Alberto João juntos”. Pensarei nisso depois do Natal. Para já, resolvi fazer com ele assédio moral: arranjei-lhe uma desmotivante gastrite. À noite já não come nem bebe, nem sequer deseja isto nem aquilo. Só arde. E refluxa. Mas é um corte importante do lado da despesa que pode aquietar os mercados financeiros e restituir-me o bife grelhado semanal. Sem constrangimentos nem mostarda.

(Imagem daqui - A Tragédia Grega. A nossa não é sem braços. Temo-los, de facto, mas estão de tal modo agrilhoados que é como se os não tivéssemos. Do mesmo modo, nunca pegaremos a providencial escada que eventualmente nos lancem)

Amanhã: “A Blogosfera outra vez”

24 de dezembro de 2010

minudências minhas

desistirO autocarro

Afinal há uma carreira docente. Vi uma série de professores apanharem o autocarro dessa carreira, ontem mesmo, antes que fechasse o sinal, o curro, o ano civil. Guedelhas ao vento, pensamentos frívolos, um olho no burro e outro no cigano, como se só houvesse uma vida e essa fosse uma carteira depauperada, venceram lestos os degraus do novíssimo escalão.  Eu é que, embevecido com James Joyce, o decorador de interiores (eu próprio irresoluto e confinado no âmago introspectivo dos meus fossos, silente no desalentado ultraje de quem chega ao fim), não o ouvi chegar…

(Imagem daqui)

Amanhã: “My very particular Standard and Poor’s”

23 de dezembro de 2010

obsessões do meu ipod (24)

George_Gershwin_1937

Billie Holiday, Dinah Washington, Ella Fitzgerald, Caetano Veloso, Kate Bush, Peggy Lee e, agora, Diana Krall, todos interpretaram “The Man I Love”, uma pimbalhada da pior espécie escrita por George Gershwin (1898/1937) que é,apenas, o melhor compositor americano do século XX. De facto, da clássica ao jazz, passando pelo music-hall e pela música popular americana, todos os géneros o talento de Gershwin visitou com inelutável mestria. E, no entanto, The Man I Love podia ter sido composta pelo mais encaracolado dos pimbalheiros portugueses e, evidentemente, seria uma chachada medonha. Mas em americano resulta obra-prima, sem ironia e sem favor.  Apenas sabor e deleite…


(Imagem daqui)

Someday he'll come along, The man I love
And he'll be big and strong, The man I love
And when he comes my way
I'll do my best to make him stay

He'll look at me and smile, I'll understand
Then in a little while, He'll take my hand
And though it seems absurd
I know we both won't say a word

Maybe I shall meet him Sunday,
Maybe Monday, maybe not
Still I'm sure to meet him one day
Maybe Tuesday will be my good news day

He'll build a little home, That's meant for two
From which I'll never roam, Who would, would you
And so all else above
I'm dreaming of the man I love

George Gershwin (Talvez Ira gershwin)

Algum dia ele virá  O homem que eu amo  E ele será grande e forte O homem que eu amo  E quando chegar  Eu farei de tudo para ele ficar aqui

Ele vai me olhar e sorrir Eu vou entender tudo E um tempinho depois... Ele vai pegar a minha mão E mesmo que isso pareça um absurdo  Nós não vamos dizer nenhuma palavra

Talvez eu o encontre no domingo Talvez na segunda-feira, Talvez não Mesmo assim Eu tenhoc erteza que vou encontrá-lo um dia Talvez na terça-feira Isso vai ser a minha boa notícia do dia

Ele construirá uma casinha bem pequena só para nós dois Eu nunca vou sair dali Quem sairia, você sairia? O futuro a Deus pertence Eu estou esperando pelo homem que eu amo

Caetano Veloso

19 de dezembro de 2010

Não se sabe bem que coisa poderá aquela ser…


atenas

Hoje não me apetece fazer a revolução. Estou reaça, pronto. É certo que na Grécia há um foco de revolta, uma hipótese de proletarização, ou será só um miasma infecto sem proveniência conhecida, uma lumparia assanhada que não tem ideia do que faz, nem do que lhe está a acontecer...

Se eu estivesse no início da década de 70, com 20 anitos incompletos, estaria a pedir à célula de Coimbra do meu socialístico e esquerdoso partideco de então que me pagasse uma passagem no Sud Express até à capital das luzes e depois pelo Expresso do Oriente até Atenas, só para ir ver aquilo de perto. Mas agora não. Agora fico aqui, quieto e calado, desejando ou temendo (muito mais este gerúndio que aquele, 

meu Deus, como estou reaça… e velho) que algo aconteça, ou mesmo que não aconteça nada porque no news, good news, e depois de mim virá quem de mim bom fará e quem vier atrás que apague as luzes, ou feche a porta, ou ambas as coisas.

 

Sabe-se porque começa uma revolução, sabe-se que a situação na Grécia é uma semente proletária. Mas não se sabe como e quando uma revolução termina, nem que semente é essa que se deita à terra, nem que árvore ou escalracho brotaria dela… Sabíamo-lo todos antes. Agora não.

(Imagem daqui)

11 de dezembro de 2010

É só uma linda fotografia…

escola de todos Os professores trabalham, de facto, mais. Em contrapartida, passaram a ganhar menos, estagiando perpetuamente no mesmo escalão, devido à crise e ao azar de terem nascido aqui. Até nisto a educação melhorou, ao se obterem melhores resultados com menos esforço orçamental.

(Imagem daqui)

Não, não há facilitismo. O que há é uma simples mudança de paradigmas. Dantes também havia alunos que se entretinham a odiar os professores ou a troçar deles, a arreliar os mais velhos com as suas arrogantes mesuras e a sua já deficiente educação cívica e valorativa. Já desde Horácio que os há, e os houve no salazarismo, e nos anos 80 e 90. Desde sempre houve estudantes que detestaram a escola, o estudo, o trabalho, a ordem, a disciplina, o saber. Desde sempre houve estudantes que faltavam às aulas para se drogarem, que estragaram o material escolar por mero prazer, que atentaram contra a pequena propriedade privada dos pobres professores, roubando-lhes as ameixas, quebrando-lhes as janelas, açulando-lhes os cães, espavorindo-lhes o cavalo ou riscando-lhes o automóvel. Desde sempre. Mas nesses escandalosos tempos também havia chumbos, os vergonhosos chumbos que tanto comprometem os governantes de um país e tanto perturbam a sua imagem no exterior.

Mas, segundo a OCDE (que coisa será isto?), melhorou-se muito! A educação finalmente arrancou e Portugal, tal como fez com o deficit externo, está no bom caminho também em matéria de educação. Os nossos alunos recrudesceram na selvajaria, mas as notas subiram substancialmente. Os professores passaram a trabalhar mais, desperdiçando grande parte do seu tempo em substituições inconcebíveis, apoios a alunos que só aparecem nas vésperas dos testes e num horário acrescido de aulas suplementares (não remuneradas, é claro, para não

destoar) destinadas a alunos com muitas dificuldades porque, em vez de estarem atentos, estiveram a arreliar o professor nas aulas curriculares. Os professores trabalham, de facto, mais. Em contrapartida, passaram a ganhar menos, estagiando perpetuamente no mesmo escalão, devido à crise e ao azar de terem nascido aqui. Até nisto a educação melhorou, ao se obterem melhores resultados com menos esforço orçamental. Os professores estão, de facto, a trabalhar mais, mas a ensinar menos, porém o suficiente para fazer a OCDE (mas que porra será isto?) abrir a boca de espanto, os olhos de respeito e os cordões à bolsa de júbilo, tal como o papá descola um ipod novo quando vê um bom.

Os professores continuam a apanhar dos alunos, a serem gozados por eles, a rebaixarem-se timidamente perante pais cada vez mais agrestes, a verem os seus carros maltratados, só que a mudança de paradigma de que falei antes dita-nos agora que a culpa de tudo é exclusivamente dos professores (mesmo a culpa do artificiosamente colorido retrato publicitário para Europeu ver).

Só não sei o que se dirá quando se descobrir que os cabos-rasos dos professores também sabem iludir (-se), aceitando ficar na linda fotografia do sucesso educativo…

Um a um, vão-se aproximando do fotógrafo borboleta, tomando lugar nas bordas da foto, de onde facilmente poderão ser um dia recortados…

9 de dezembro de 2010

mais uma incursão pela (ir)realidade da escola pública

esquizofrenia É certo que a escola não inventou a esquizofrenia em que se move, visto que a escola não tem capacidade para inventar nada. Ela deixa-se simplesmente penetrar por ela (a esquizofrenia), com a promessa de se sentir depois mais feliz e realizada.


(Imagem daqui)

A escola pública está esquizofrénica. O que se passa dentro dela, e a montante e a jusante dela, é uma complexa teia de irracionalidades, todas convergentes numa mesma disfunção social, como se ela contaminasse mesmo os clientes que ainda não a frequentam. Evidentemente, a jusante, isto é, os que de lá saíram, esses estão sem remédio, metidos na camisa-de-forças que é a incompetência situacional. Ao saírem da escola secundária (e porque não da superior?), as gentes que nela sofreram durante 17 mais ou menos risonhos anos adquirem um estado de demência sem retorno, que os levará até o limiar do seu nível de incompetência que, no dizer de Peter, é um plano social e profissional indisponível para promoção.

Já ouço os meus leitores perguntar a razão porque estou a dizer isto. Essa é uma questão a que não posso responder. O objectivo de eu falar disto é tão obscuro como a intenção da própria escola pública. Não posso, pois, responder com clareza, a menos que se satisfaçam com a resposta

esquizofrénica de que estou a falar disto simplesmente porque sei que é assim. Reconheço que, para uma pessoa normal, o facto de se saber uma coisa não é razão para se falar dela. Mas não para um esquizofrénico. Já viram? Eu sou professor e garanto que aquele meu colega que toma bicas de empreitada está com problemas em entender o que eu digo, não porque eu sou esquizofrénico e ele não, mas antes porque ambos o somos, porém de maneiras esquizofrenicamente diversas.

É certo que a escola não inventou a esquizofrenia em que se move, visto que a escola não tem capacidade para inventar nada. Ela deixa-se simplesmente penetrar por ela (a esquizofrenia), com a promessa de se sentir depois mais feliz e realizada. Qualquer namorado faz o mesmo. E ela, claro, colabora. Qualquer rapariga apaixonada faz o mesmo, desde que não doa.

É isso, amigos. A escola só parece desejar que nada doa. E os partos, depois, serão também com epidural. É a felicidade indolor para todos, a esquizofrenia universal da suprema e resplandecente bem-aventurança…

(Ah, tem outros ainda piores que eu, sabiam?)

PS: Corrijam-me lá isto, vá lá. É Natal…

8 de dezembro de 2010

Festas Felizes

Baixa - Lisboa

O Tralapraki deseja a todos os seus leitores um Natal feliz e um Ano Novo próspero. Não, não estou a ser irónico. É exactamente isso que lhes desejo. O facto de não acreditar muito nisso é assunto de outro departamento…

(Imagem daqui)

obsessões do meu ipod (23)

tony benett

Tony Benett (1926) e Stella by Starlight (1946 – o poema, escrito sobre música de filme)

The song a robin sings,
Through years of endless springs,
The murmur of a brook at evening tides.
That ripples through a nook where two lovers hide.


That great symphonic theme,
That's Stella by starlight,
And not a dream,
My heart and I agree,
She's everything on this earth to me.
That great symphonic theme,
That's Stella by starlight,
And not a dream,
My heart and i agree,
She's everything on this earth to me.

(Imagem daqui)

5 de dezembro de 2010

Papa Bento e o Complexo do Alemão

complexo alemao

Também temos cá cancros como as favelas do Rio. Mas mandamos para lá a GNR, com um Jipe, carpélio e autocolantes, com cachorro na chapeleira acenando a cabeça ameaçadora, anda lá anda!

 

(Imagem daqui)

Do Brasil vem, mais uma vez, uma lição de como se resolvem os problemas. É caso para chamar a atenção da Desintelligentzia portuguesa e dizer-lhes: Viram? É assim! Os estados marginais dentro de estados visíveis combatem-se assim: pela ostentação da força. E que ninguém tenha ilusões de construir a paz com santidades, direitinhos humaninhos, democracitezinhas e rodos de compreensão. O papa ficou muito consternado com a violência e pediu não sei a quem para que acabe a violência no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro. Ora, seu Bento Pio Não Sei das Quantas, tenha maneiras, homem! Vá, reze, que rezar é o que melhor sabe fazer. Alguém que saiba Latim explique a esse Santo que esta violência é o começo de uma vida nova para milhares de pessoas, uma vida digna, liberta e próspera. Reze, homem, para que não caiam inocentes, que os há certamente no meio disso tudo. Mas não se oponha a esta violência, que por vezes só ela pode gerar a paz e a concórdia no futuro. No Brasil sabem disso, à custa de simplesmente não serem burros

para sempre. No Brasil estão apostados em fazer bem o que tem de ser feito.

(A comparação com Portugal é inapelável. Juro que preferia ficar por aqui, mas não posso. O exército português, se continuar como era quando eu lá estive faz 37 anos, prefere esperar para ver, olhar para as possíveis invasões territoriais, responder aos apelos da Nato e tomar o seu whisky ao fim das tardes calmas recostado nos estrelados sofás da messe de oficiais. Também temos cá cancros como as favelas do Rio. Mas mandamos para lá a GNR, com um Jipe, carpélio e autocolantes, com cachorro na chapeleira acenando a cabeça ameaçadora, anda lá anda! E é por isso que este pobre país continua a ser pasto tenro para toda a casta de parasitas, de gatunos, de mafiosos, de corruptos e de celerados.)

Reze, Bento Qualquer Coisa, reze. Mas olhe, é fundamental mudar radicalmente muita coisa, leia-se, quase tudo.

Será que só rezar adianta, homem de Deus?                                 

28 de novembro de 2010

obsessões do meu ipod (22)

 

4 tissimo guitar quartetA obsessão pelas guitarras

Eis uma outra maneira de tocar “Tico-tico no Fubá”. Estas guitarras são exactamente iguais à minha, no entanto, não sei porquê, a minha não consegue tocar assim… É a festa das cordas, da alegria contagiante que parece descontracção. Mas não é, acreditem. É o “4-tíssimo Guitar Quartet”.

(Desligue o radio do blog)

(Imagem daqui

 

27 de novembro de 2010

Cidinha

Cidinha Campos
O PDT integra a Internacional Socialista, tal como o nosso PS de Soares e de… Sócrates. Cidinha Campos é militante do PDT praticamente desde a sua fundação no final da década se 70, na sequência da abertura da Ditadura Militar no Brasil. Cidinha, ex-jornalista e apresentadora de TV, fez-se eleger deputada federal em 1990 e deputada estadual em 1999. Uma mulher corajosa ou uma visionária pregando no deserto?. Secundada por risos e aquiescências, mesmo por parte dos que ela irrevogavelmente fulmina, prossegue a sua pouco eficaz cruzada contra os corruptos e os vendilhões. Um dia vencerá. Espero.

Por que intrigante razão não há Cidinhas Campos cá no burgo? Medo? Deficit democrático? Razoabilidade decadente? Hiperaceitação? Dormência?

Inconceivable Teachers

indisciplinaEntrou na aula o Director/Ministro/Presidente/Convidado Especial da Formação Interina e Intelectualidade Aguda e calou-se tudo. E o DirectorMinistroPresidenteConvidado tirou a fotografia de uma turma disciplinadíssima. E guardou-a na memória fácil para triunfalmente a expor em posteriores abordagens. “Nenhum professor se pode queixar de leccionar alunos indisciplinados e arrogantes. Não os vi em nenhum dos meus raids pela escola pública. Já eles, os professores, ostentam sempre emproadas e deselegantes feições quando os confronto. Facilmente se deduz, por conseguinte,  que os culpados são sempre os professores e não os anjinhos-pilinha das nossas inocentes e dóceis criaturinhas.”

Não há, portanto, indisciplina escolar em Portugal.

Não sei comentar assuntos destes, nem que ideia perpassa para as colectividades interna e externa, mas garanto que todas as pilinhas-anjo se aquietaram quando o Director/Ministro/Presidente/ Convidado Especial da Formação Interina e Intelectualidade Aguda entrou na sala de aula daquele professor inconcebível…

(Imagem daqui)

26 de novembro de 2010

coisas giras por email

“Camões, grande Camões, quão semelhante…”    (Bocage e eu)

camoes           As sarnas de barões todos inchados
           Eleitos pela plebe lusitana
           Que agora se encontram instalados
           Fazendo aquilo que lhes dá na gana
           Nos seus poleiros bem engalanados,
           Mais do que permite a decência humana,
           Olvidam-se de quanto proclamaram
           Em campanhas com que nos enganaram!
          
           E também as jogadas habilidosas
           Daqueles tais que foram dilatando
           Contas bancárias ignominiosas,
           Do Minho ao Algarve tudo devastando,
           Guardam para si as coisas valiosas…
           Desprezam quem de fome vai chorando!
           Gritando levarei, se tiver arte,
           Esta falta de vergonha a toda a parte!
          
           Falem da crise grega todo o ano!
           E das aflições que à Europa deram;
           Calem-se aqueles que por engano…
           Votaram no refugo que elegeram!
           Que a mim mete-me nojo o peito ufano
           De crápulas que só enriqueceram
           Com a prática de trafulhice tanta
           Que andarem à solta só me espanta.
          
           E vós, ninfas do Coura onde eu nado
           Por quem sempre senti carinho ardente
           Não me deixeis agora abandonado
           E concedei engenho à minha mente,
           De modo a que possa, convosco ao lado,
           Desmascarar de forma eloquente
           Aqueles que já têm no seu gene
           A besta horrível do poder perene!

Enviado por Rogério Cunha 

Autor não identificado      

(Imagem daqui)

19 de novembro de 2010

Embarco ou não?

rumosEstou farto de ouvir dizer que Portugal devia ter um rumo. Ora, eu acho que o melhor para Portugal não é ter um rumo, mas vários, para o caso de alguns falharem. Cavaco Silva (o que quer menos palavras) tem um rumo; Manuel Alegre (o que até preposições sabe usar, imaginem) diz ter um rumo. O outro candidato, de cujo nome não me lembro (mas isso não admira nada, porque na verdade ninguém se lembra), também propõe um rumo, apesar de ter a palavra fanhosa e usar óculos. Há ainda um outro candidato que nunca vi mas desconfio que existe e que também tem um rumo para Portugal.

Ora, partindo do são princípio de que cada um deles terá o seu rumo próprio e que não se enfiam todos no mesmo, temos quatro rumos, quatro palavrosos/lacónicos rumos para Portugal.

Proponho que sejam eleitos os quatro candidatos e que governem o país ao mesmo tempo, munidos de rumos naturalmente divergentes. Assim, os portugueses poderiam, depois de espreitar os quatro destinos, tentar perceber qual deles é o de férias. E embarcar nesse.

(Imagem daqui)

13 de novembro de 2010

casuística educacional

arrogantePara que os Alunos possam crescer, precisam de respeitar e admirar os Professores. Mas para serem admirados e respeitados, os Professores não têm margem para nenhum erro. E, no entanto, erramos mais vezes do que acertamos. E um dos mais graves erros que os professores cometem de modo recorrente e corporativo, é amuar e remoer perante críticas insultuosas, esquecendo, por vezes, que o oponente insultuoso já perdeu a razão e o debate, ainda que a possua em demasia. 

No caso concreto reagimos muito bem, mas seria espectável que tivéssemos reagido ainda melhor, aniquilando o inimigo com branda energia, inteligente postura e irónica subtileza. Estes ingredientes, claro,  não se compram em acções de formação, mas seriam armas implacavelmente eficazes se as possuíssemos. (É urgente que as possuamos...)

O ascendente académico de que a Senhora EE se reveste frente aos professores da turma é que a induziu ao descalabro incontinente de que foi acometida. Que péssimo serviço prestou ela à instituição académica onde serve, à dignidade da investigação que conduz, ao grau de Doutor que ostenta e, em última análise, a si própria. É como se os míticos e superlativos sabetudos da nossa praça rolassem lá das alturas e se estatelassem no chão, diante da mais humilde das criaturas. "Quantos vão a Coimbra, se burros vão, burros vêm", diz-se por estes lados. Dignidade não vem de Bolonha, no pacote expresso.

(Imagem daqui)

12 de novembro de 2010

gabinete do aluno (2)


disciplina

Caros estudantes do…

Embora continue intimamente convencido de que os comportamentos manifestados por dois alunos na última aula são passíveis de incorrer em procedimento disciplinar, sinto obrigação de, antes de toda e qualquer demarche naquele sentido, vos comunicar a minha decisão quanto ao tratamento da situação em análise.

São três as ordens de razões que me ditaram a decisão que ora vos comunico:

1. Uma razão de natureza pedagógica.  Os castigos, ainda que intencionalmente pedagógicos, têm baixo efeito na construção do carácter dos aprendentes. Não raro desaguam até em efeitos perversos, produzindo reacções e atitudes opostas às pretendidas.

2. Uma razão social. O professor está, obviamente, velho e, portanto, perdendo aceleradamente o resto de paciência que a vida lhe reservou para compreender e  aceitar as naturais cretinices em que a juventude é tão orgulhosamente pródiga.           

3. Uma razão pragmática, administrativa e metodológica.

Depois de abandonarem a sala, os alunos em causa não se dirigiram ao  gabinete que os deveria ter acolhido, provavelmente porque seria demasiado tarde para ainda encontrarem aberto o referido depósito. Nestas circunstâncias não foi possível acolher os estudantes que, certamente traumatizados por o encontrarem  fechado, terão optado por abandonar recinto e propósito, não deixando assim um rasto sequer da situação criada. Como reunião sem acta ou desafio sem árbitro, perdeu-se para sempre a oportunidade de evidenciarmos as nossas (minhas e vossas) mútuas recriminações, falácias e aselhices. 

Por tudo isto, declaro esquecido o incidente, na esperança de que situações tão inopinadamente tolas não voltem a atravessar as vidas dos que na presente imbecilidade se envolveram.

(Imagem daqui)

7 de novembro de 2010

o sapato

Sapato 2Era um sapato classe média. Média alta, por causa do salto alto. Era um sapato que saltava alto, sonhava alto, falava baixo. Sonhava afagar o pé de princesa, de milionária, de economista loira, de artista de cabaré, de puta. De Cinderela. Conheceu o pai, um operário que o aconchegou contra o peito (para lhe dar graxa e pôr as solas). Conheceu o patrão que o chutou e lhe roubou a mais-valia. Conheceu Sócrates, o filósofo, que tentou calçá-lo sem sucesso. (Sócrates tinha um pé tão descomunal como a cabeça). Conheceu Sócrates, o governante, que lhe encurtou o cadarço e lhe aumentou o iva. Conheceu a princesa que não suspeitou da sua existência. Conheceu a milionária que o rejeitou por falta de griffe. Conheceu a economista loira que o contou várias vezes e disse que eram vários. Conheceu a artista que lhe prometeu vida de luzes, mas caiu no palco e nunca mais usou sapatos. Conheceu a puta que o comprou por trinta noites. Conheceu a Cinderela-povo que o desejou ardentemente, mas que continuou descalça, nunca ninguém me explicou porquê…

(Imagem daqui)

3 de novembro de 2010

Dossier de evidências

cantoras Vem aí o Natal, uma das épocas mais propícias à exteriorização da alegria e de outros comportamentos idiotas. As cantoras do grupo disciplinar prepararam uma linda festa para as crianças (por enquanto felizes, por ainda não pertencerem a escola nenhuma). Mas o grupo disciplinar, além das referidas cantoras, inclui também um professor desajustado, absolutamente irrelevante, de voz indizível e presença surreal, incapaz de subir a um palco ou mesmo de ficar muito próximo dele.

Linda a festa. Aplausos dos comensais, de orelha tão romba quanto afiado o apetite. Fotografias-atestado para o registo de evidências da área de empenhamento pessoal da avaliação docente. E o prof não-cantor, sentado à mesa, esperando já ansioso o bacalhau, acabrunhado, low profile, sofrido, sumido, reza baixinho para que tudo acabe logo. E os convivas que o ladeiam a mostrar interesse em saber por que razão ele não está no palco e de que modo, afinal, colaborou ele no evento. E o nosso prof restante, o não-cantor, a responder que suara a camisola da escola muito mais que muitos outros. E os outros a reclamar uma explicação melhor. E o prof restante a explicar que tentara, cem vezes e sem sucesso, convencer as colegas a ficarem caladas na ceia de Natal…

(Imagem daqui)

1 de novembro de 2010

grades

Era escurão. Não me pareceu tipicamente afro, mas era escurão. Pequenas várias cicatrizes percorriam-lhe testa e faces. Blusão sujo, cabelo rapado, beiçola superior proeminente. 16 anos. Entrou, olhar distante, no Gabinete do Aluno, espécie de prisão para os facínoras, instaurada pelas novas escolas, a fim de combater a indisciplina generalizada que as transformou em atafulhados manicómios, onde não se sabe quem leva a palma em matéria de sandice e desvario, se os alunos, se os professores, se os outros…

Entrou assim, de esguelha, pisando ovos, com seus ténis descomunais. Veio enviado por um professor que não o consentiu na aula.

Vinha revoltado pela injustiça de que tinha sido vítima (outros alunos também mascavam pastilhas e, contudo, ficaram na aula), mas com palavras sussurrantes, melífluas, que mais pareciam de afecto. (A revolta assim expressa costuma ser mais preocupante do que quando existe natural e espontânea 

grades
correlação entre ela e as palavras usadas para a exprimir). Vinha por ter cometido o crime de mascar chicletes na aula. Regulamento Interno, artigo 116, parágrafo único, é o que é.

E era escurão, embora não me parecesse tipicamente afro. Não sabia o nome do professor mas era Matemática a aula. A falta do nome do professor contrariou a responsável pelo gabinete, já ia ficar um campo por preencher. (E dá trabalho ter que bisbilhotar depois quem foi o professor, normalmente dá para perder o intervalo, quiçá o apetite…)                   

(Imagem daqui)

30 de outubro de 2010

a cadeira do poder


cadeirão
Li no amirgã mais um sarcástico texto que nos recorda a semelhança que Eça via entre os políticos e as fraldas. Eça achava, de facto, que os políticos são como as fraldas, que devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.

Discordo em absoluto. Cheiram, claro, (e quase tanto e tão depressa como as ditas) mas isso acontece exactamente porque os eleitos do povo sabem que serão mudados num abrir e fechar de olhos, desalojados das

suas fofas cadeiras em menos de um fósforo (embora quase nunca a tempo de evitar a contaminação do ar, como de facto acontece com as fraldas).

No primeiro dia em que um político senta na cadeira do poder, digamos assim pela tardinha do primeiro dia, por vezes ainda antes das telenovelas que tão artisticamente produzem e encenam, já ele começa a imaginar onde vai buscar o graveto para estimular as suas contas bancárias (as legítimas e as outras, pois claro) antes que o povo se arrependa de o ter escolhido. E corrompe-se e cheira rápido como elas, as fraldas…

A verdade é que deveríamos dar aos políticos lugares robustamente perenes, ou, pelo menos, dar-lhes a ilusão de que o eram, embora não o sendo, obviamente.  Isso levá-los-ia a adiar os primeiros golpes, visto que, descansadamente, pensariam que não haveria urgência tão urgente em afundar o país, tarefa que poderia esperar até o dia seguinte, mês seguinte, ou mesmo ano seguinte, sempre depois das divertidas telenovelas da sua predilecção. É isto, prontos.

(Imagem daqui)

29 de outubro de 2010

a palavra dos outros

abelhas
 

(Imagem do blogue)
Finandos

“Não sei a que causa, comemoração, valor, instituição, idade, parentesco, festividade, ementa, santo, continente, oceano, espécie em extinção, perigo, buzinão, anúncio de candidatura, inauguração, implosão, explosão, doença da fome, doença da fartura, se dedica o dia de hoje. (…)”

In Amirgã 27/10/2010

Para ler integralmente aqui.

24 de outubro de 2010

a primeira negativa a espanhol


 espanhola


(Imagem daqui)

O Pedro Serra, 15 anos e três repetições na sua já arrastadamente longa vida académica, tirou ontem a primeira negativa a Espanhol de que há memória na escola. Foi um alvoroço. É quase como se alguém tivesse tirado uma negativa a Educação Física ou a Moral. Olharam-se mutuamente os professores das outras disciplinas, depois olharam incrédulos para o professor de Espanhol e finalmente mostraram desejo de conhecer o Pedro. O Pedro, esse, olhado com espantada admiração na escola toda (até mesmo pelo Senhor Director), afirmou, com um leve toque de orgulho, que, embora o facto não esteja, na realidade, ao alcance de qualquer um, para ele foi como limpar o cu a meninos…                                

22 de outubro de 2010

homem feio e pobre pode ter razão?

- Um tipo feio e pobre pode ter razão no que diz?

- Se tudo estiver no seu lugar, se tudo for normal e consuetudinário, se as idiossincrasias estiverem todas pacificadas e não houver revoluções, nem motins, nem cataclismos, nem escuridões imprevistas, nem inopinados gelos tropicais, nem reviravoltas repentinas, não.

E não adianta esconder-se, falar só na rádio ou escrever nos jornais por detrás de uma foto falsamente sedutora. A consideração que se possa ter por alguém vem infalivelmente acompanhada da beleza física, seja lá o que ela possa ser e por que campos ela se espraie. Um tipo feio e pobre não tem direito à opinião, a uma hipótese 

medo

de liderança ou a qualquer fatia de sucesso na sua malbaratada vida. As crianças fogem dele, as mulheres evitam-no discretamente e os homens usam-no como moço de recados, escravo contemporâneo ou bala de canhão. Ser feio e pobre em simultâneo é a treva!

                                        (imagem daqui)

17 de outubro de 2010

obsessões do meu ipod (21)

juan manuel serrat Juan Manuel Serrat

Pueblo Blanco – no álbum Mediterráneo, de 1994 -

Si yo pudiera unirme
A un vuelo de palomas,
Y atravesando lomas
Dejar mi pueblo atrás,
Juro por lo que fui
Que me iría de aquí,
Pero los muertos están en cautiverio
Y no nos dejan salir del cementerio.



(Imagem daqui)

15 de outubro de 2010

What happened to my Cauny?

cauny

Não conheço nenhum rapazola da minha idade que não tenha ganhado um Cauny Prima quando fez o exame da quarta. (Tive até a impressão durante muito tempo de que todos os Caunys se destinavam a prendas para a canalha que fazia a quarta classe com distinção, já que nunca via esses relógios no pulso dos adultos).  Eu, claro, também tive um. Corria o Natal de 1960 quando o desembrulhei tremente (eu e não o relógio) de dentro de uma caixa absolutamente mítica. Lembro-me que o passeei pelo café do Senhor Henrique, arregaçando a manga do casaquito de malha Sydney (também prenda de Natal), na esperança de que alguma grande paixão, que por ali jogasse à calha, se deslumbrasse com a cintilação do meu novo e fascinante pulso. Não aconteceu! Mas consolei-me com o sensato pensamento de que um relógio serve tão somente para mostrar as horas e não para as tornar voluptuosas e aprazíveis. (Pensei exactamente isto, embora as palavras só me viessem muito mais tarde…)

(Imagem daqui)

14 de outubro de 2010

Coisa sem


delicadeza (Imagem daqui)

Sei muito bem, José, sei muito bem que não concordas comigo. E sei também que achas que o que penso o penso devagar, superficial, epidérmico, que me falta ver mais fundo, ver mais além, ver mais claro. E que sou um pouco formalista, construído, engravatado, linear, lavadinho, fraco. Que te dá uma hipótese de náusea o barroquismo do que escrevo, a proliferação do óbvio, o intocado respeito pelas minhas sobrevalorizadas vírgulas. Mas eu sou assim, nunca saio de casa sem dois banhos, um de água e outro de meticulosa delicadeza…

10 de outubro de 2010

dois pensamentos dois

professor Proponho, assim, uma atitude minimamente dignificante que, em casos de crise aguda como a que os professores estão a viver, deveria ser tomada de imediato, sem qualquer delonga ou embaraço: libertar os professores dos resíduos de avaliação que ainda permanecem no fundo do copo.



(Imagem daqui)

Se vivêssemos num país normal, com governos normais e linhas de pensamento normais (dotadas de sistemas lógicos escorreitos), a crise e o descalabro económico deveriam conduzir todos os culpados do imbróglio financeiro a uma postura de manifesta e total humildade. Pelo menos. E que essa humildade, saindo deles, contaminasse os que estão logo abaixo, e destes alastrasse para os restantes, sem esquecer alguns professores que, emprenhados das suas funções dirigentes, tanto precisam dela…

Não me parece, no entanto, que esteja a ser esse o caso.

Porém, do que quero falar é da realidade pura e dura: tiraram-nos cento e muitos euros por mês e nem por um momento pensaram em nos dispensar da imposição de assistir a estúpidas acções de formação, levadas a efeito por tipos (na maioria dos casos) detestáveis e

incompetentes que pretendem, na  requentada requintada qualidade de formadores, repor a guita que lhes foi espoliada na sequência da crise fabricada pelos comedores mundiais. Proponho, assim, uma atitude minimamente dignificante que, em casos de crise aguda como a que os professores estão a viver, deveria ser tomada de imediato, sem qualquer delonga ou embaraço: libertar os professores dos resíduos de avaliação que ainda permanecem no fundo do copo, depois de anos de amarga libação. É isso mesmo. Roubem lá os duzentos paus aos professores, mas deixem-nos em paz. Será que ainda há quem ache que, depois de todas as velhacarias que lhes foram feitas, ainda resta moral e sonsice para prosseguir com as abusivas e aviltantes intromissões na sala de aula e a burrocrática acumulação das evidências?

Tenham maneiras, vá lá, em nome de um resto de seriedade que ainda se esconda por aí…

9 de outubro de 2010

obsessões do meu ipod (20)

gal costa

“Aquele Frevo”, Gal Costa, 1998. O frevo é um ritmo brasileiro, originário de Pernambuco e típico do seu carnaval, que apresenta vestígios de marcha e de maxixe, muito popular em todo o Brasil no início do século passado.  Com o tempo, o frevo foi-se ligando à capoeira, de onde resultou a sua dança característica.

(Imagem daqui)

8 de outubro de 2010

Tirar partido didáctico do Farmville


White-grapes
(Imagem daqui)
A verdade é que, desde que surgiu o Farmville, os meus alunos de Inglês dominam melhor todo o vocabulário relacionado com a área temática “Agricultura e Natureza”: grey horses, wine, white grape and blueberry bushels, cows, pigs, plows and bitches são algumas das palavras que eles mostraram conhecer e que aprenderam sem qualquer esforço. É óbvio que nem sempre sabem exactamente o que significam, ou a que situação preferivelmente se aplicam, confundindo arados com almofadas e colocando sempre as palavras wine and bitches juntas nas mesmíssimas situações…

5 de outubro de 2010

um blogger bipolar?

bicicleta
(Imagem daqui)

Apresento-vos o filho do trala, o ligeiríssimo, que já tem dois anos, mas que ninguém conhece. Quando me sentir normal, isto é, moderadamente estúpido, escreverei aqui no trala. Se, por outro lado, me sentir anormalmente estúpido, escreverei no ligeiríssimo. Poderá, no entanto, ser a imbecilidade de tal modo avantajada que alimente a ambos. Neste caso, multiplicarei as camelices (como os profetas multiplicam pães e litradas de vinho) graciosamente pelos dois espaços.

4 de outubro de 2010

Irreverente chatice…

Há momentos em que amuo!

Um dos grandes constrangimentos a que uma leitura (mais ou menos atenta) da blogosfera por norma nos conduz é o que se prende com a avaliação do que se lê. Se há textos que não passam de pura palermice, a qual é observável, sem lupa, logo na primeira linha, outros há que nos suscitam dúvidas que os situam algures numa escala arbitrária entre o génio e a estultícia. Muitos textos têm que ser remetidos para uma avaliação posterior, sendo, na maior parte dos casos, necessário recorrer ao histórico dos blogues para podermos aquilatar da presença ou não daquilo a que vulgarmente se chama  qualidade na mão e na cabeça de quem escreve. Não há na blogosfera uma grelha para avaliação da competência de escrita, nem um critério de autoridade que sirva de referência nesta matéria. Do lado da mediocridade, dá pena assistir à proliferação do inqualificável, 
blogosfera
do desprezível, do grosseiro, do inepto, sem que ninguém possa fechar a torneira dos disparates. Do lado da qualidade, dá dó apercebermo-nos de que tantos blogers inteligentes e cultos, de escrita fluente e bela, se quedam num desconsolado anonimato, exalando o perfume dos seus textos na solidão do despovoamento…

(A democraticidade da escrita na blogosfera é uma irreverente chatice…)

(Imagem daqui)

2 de outubro de 2010

Qual ameaça, Ana?

socrates 
PedroPassosCoelho

(Agora mesmo, na Sic Notícias)

Ana Drago disse que o Primeiro-ministro “ameaçou demitir-se se não houvesse condições para fazer aprovar o orçamento”. Ana Drago enganou-se no verbo. É óbvio que não se tratou de uma ameaça, mas de uma risonha e reconfortante promessa que hoje mesmo soubemos que ficaria também incumprida.

Nenhum líder do centrão jamais ameaça demitir-se, Ana. O que eles fazem quando anunciam ao povo que se demitirão não é uma ameaça. É apenas mais uma tentativa de lhes restituir um esperançoso regresso da felicidade perdida, promessa que logo se esvai mal dormem uma noite sobre ela. Alegria do povo dura um soninho de ministro… Nada mau! Já durou muito menos…

(Imagens daqui e daqui)

O elevador

O Dr. Salgado não sabia ao certo se o descadeiramento do seu esqueleto configurava ou não a tal emergência absoluta, mas, na dúvida, premiu disfarçadamente o botão de chamada e esgueirou-se para dentro da cabina de riquíssimo alumínio, tão logo a porta amavelmente se lhe abriu.


Às seis da tarde de um dia de Setembro ainda quente e arrastado, o Dr. Salgado verificou que não conseguia cumprir a cem por cento a meta a que se propusera desde o primeiro dia de aulas: levar a primeira semana a bom termo, sem desancar ninguém na sequência de alguma repentina e desusada perda de lucidez, sem se queixar de nada, ainda que isso configurasse um projecto demasiado ambicioso, sem ficar afónico ao fim de duas ou três aulas e sem se descadeirar todo, de tanto subir e descer umas escadas demasiado íngremes, feitas por um jovem arquitecto, destinadas a outros jovens, que nada neste mundo parece já feito para os velhos, na medida em que essa opção consubstanciaria um imenso erro financeiro, uma aposta em cavalo que perde, um investimento falido.

Ora, seis lances de escada ainda representam um bom esforço orçamental para o governo e outro tanto de cruzes e de fémures para o Dr Salgado. Teve que se encostar logo ali, no primeiro vão, estendendo os olhos piscos para o alto, a medir o quanto ainda faltava para a sala onde trinta matulões o esperavam para tirar

ELEVADORum sarro com a sua careca luzidia, a sua postura disforme, a sua lentíssima e trôpega locomoção.

E, espreitando na esquina, ao longo do interminável corredor, Salgado arrastou-se até o elevador novo, instalado por um jovem mecanotécnico e destinado nunca o Salgado soube a quem, visto que lhe fora dito tão somente que o aparelho se destinava a ser usado apenas em situação de emergência absoluta. Não sabia ao certo se o descadeiramento do seu esqueleto configurava ou não a tal emergência absoluta, mas, na dúvida, premiu disfarçadamente o botão de chamada e esgueirou-se para dentro da cabina de riquíssimo alumínio, tão logo a porta amavelmente se lhe abriu. Mas entrou quase aterrorizado, por estar a usar sem autorização superior, um luxuosíssimo meio de subir três andares que, sabia-o agora de fonte segura, não lhe estava de facto  destinado.

(Imagem daqui)

25 de setembro de 2010

50 anos antes da República…

alvorada 1848

João Maria Nogueira escrevia assim no primeiro jornal republicano de que há memória, A Alvorada, publicado clandestinamente em Lisboa, em 1848. Acrescento eu que, então como agora, o povo só ouve e segue com respeito e consideração os grandes, os que têm nome, os afortunados dos astros, os poderosos, ainda que seja para fazer a sua

própria revolução. Povinho besta este que sempre desejou um líder que o guie oprimindo-o, por ser mais do que ele, em vez de desejar um que com ele siga, por ser tanto como ele!

Fonte: Biblioteca Nacional Digital                                (Imagem daqui)

24 de setembro de 2010

obsessões do meu ipod (19)

Um hilariante talento. No momento deste espectáculo, o violinista tem três anos de idade, possui uma inusitada ligação directa entre o ouvido e a boca e deixa escorregar o violino sem uma perturbação. Chama-se Akim Camara e é filho de pai africano e mãe germânica. Esta fusão sanguínea produziu o imperscrutável talento que hoje vos apresento.

(Imagem daqui)

akim camara 

18 de setembro de 2010

Virgílio Castelo e eu

 

Um rapaz da minha criação, de barbas brancas e algum discernimento, estava a falar das coisas que a vida lhe ensinou. Creio ser mais ou menos universal a tendência de ficarmos comparando vidas, projectos, perspectivas, ideologias, vivências…

(Imagem daqui)

virgilio-castelo
Enquanto me delicio a corrigir testes diagnósticos, espreito a SIC e ouço Virgílio Castelo que concede uma entrevista a Daniel Oliveira (o miúdo). Virgílio Castelo disse várias coisas suas que, inevitavelmente, tive que comparar com as minhas. O actor, de 57 anos, disse que mal viveu e já é quase sexagenário. Eu não vivi e já sou sexagenário. Disse ainda que os seus pais lhe compravam sapatos a prestações. Sorte dele. Eu tinha 13 anos quando tive direito às minhas primeiras chancas, compradas também a prestações, é claro. (Lembro-me de como me senti, de repente, mais alto e mais imponente). Disse ele também que a família é uma coisa que se constrói

até à morte. Mas não falou da competência que é necessário possuir para a construir. Eu não fui capaz. Disse ainda que está a atravessar um período áureo da sua vida porque, aos 57 anos, tem saúde. Eu perdi-a e estou com dificuldade em a reencontrar. O meu período áureo estaria ferrugento, se o ouro enferrujasse. Ele acrescentou que quem tem saúde não precisa de se reformar. Eu não podia estar mais de acordo e, por isso mesmo, corri ao blogue para aqui registar a agradável impressão que um simples actor me deixou hoje…

(Não é necessário ler os grandes filósofos para me explicar a vida…)

15 de setembro de 2010

Ao futuro!

planos-para-o-futuro-01 Hoje foi o dia de ouvir quem tem futuro pela frente – os jovens. Falaram-me com a veemência do que queriam ser um dia (a ter que se ser um dia alguma coisa), mas sem nunca hipotecar aos seus risonhos futuros os seus presentes soberbos, os seus inesgotáveis tesões de viver.

 

Todos evidenciaram os seus presentes sem mácula de tristeza e todos fizeram brilhar os seus olhos vivos perante a perspectiva dos futuros que me descreveram. Serão médicos, advogados, informáticos, juízes, cantores, engenheiros, turistas, preguiçosos, ricos. E os seus futuros estão vincada e indelevelmente traçados por eles. Se alguma coisa não der certo, nunca será culpa sua, tão crédulos e confiantes o desenharam hoje.

 

E eu, cujos sonhos são tão módicos, cujos dias tão contados, fui momentaneamente contaminado, de uma contaminação boa e sadia que me fez outro. Grato aos estouvados lenitivos desta formosa juventude! Não me absolveram os futuros juízes, mas mostraram-me que ainda pode haver perdão; não me curaram os futuros médicos, mas deram-me a beber um paliativo doce; não me embalaram os futuros cantores, mas mostraram-me uma linha viva da imortal partitura… (Etc… podem completar vocês o texto agora…)

(Imagem daqui)

13 de setembro de 2010

uma vida sem chumbos… (2)

Gregório_de_Matos

Gregório de Matos, poeta barroco e satírico português, no Brasil colonial (1636-1695), escreveu um pequeno poema sobre a impossibilidade de se viver sem se ser reprovado por alguém.

 

 

(Imagem daqui)

Algumas pessoas que leram o post anterior sobre uma escola sem chumbos, aproximaram-se com aquele sorriso mordaz que costumamos colocar quando a situação nos parece de tal modo estranha que nem merece reflexão, por mais volátil que seja. Houve os que desde o início remeteram o texto para a ironia e isso resolveu de vez todos os pruridos. “Aquele parvalhão senhor está a tentar ser irónico. O lorpa homem não pode defender uma escola sem chumbos, isso é absolutamente impensável”.

Tudo bem! Também não sei se consigo falar do assunto sem me sentir um pouco idiota. Afinal de contas, mesmo que isso possa ser uma solução assaz pertinente, aplaudível e lucrativa, como diabo se processaria, no terreno, tal desiderato?

Bem, isso não sei! Mas a escola pública está cheia de indivíduos obcecados por métodos, estratégias e operacionalizações. Alguma saída eles encontrariam para concretizar aquela aspiração, por enquanto só minha e dos alunos (suponho), embora (tepidamente) acarinhada pela tutela.

10 de setembro de 2010

uma vida sem chumbos…

chumbo

A Ministra da Educação propõe uma vida académica sem chumbos. Faz basear a sua proposta em dois pilares fundamentais: 1- o chumbo não traz qualquer benefício ao aluno (e eu acrescento: nem sequer tem grande piada); 2- os chumbos custam ao país 600 milhões de euros por ano. Segundo um artigo da Vida Económica, que chegou à blogosfera via “A Educação do Meu Umbigo”, cinco ditos especialistas são confrontados com aquela proposta da Ministra. Rotundamente disseram NÃO, e outro tanto sugere Paulo Guinote, o autor daquele blogue. Todos referem que, num mundo em que se diviniza tão solenemente a avaliação dos professores (e, enfim,

de outros agentes profissionais) não faz sentido acabar com ela em relação aos alunos.

Todos estariam, obviamente, à espera que eu viesse corroborar a opinião dos especialistas entrevistados pela VE. Lamento muito, mas não corroboro. Pelo contrário, subscrevo em absoluto a proposta de Isabel Alçada e sustento que aqueles que não querem ver instituída a transição automática de ano não passam de um friso de indivíduos arrogantes e controladores que estão no mundo apenas para lhe trazer aquela infelicidade de que eles próprios sempre sofreram. Quanto a mim, a escola deve, de facto, alijar essa tremenda responsabilidade que é reter alunos. À escola compete ensinar com eficácia e distinguir os alunos entre si, obviamente, numa escala bem longa (como, por exemplo, de 1 a 100 ou 200) mas nunca ditar uma reprovação, a menos que o aluno ou o seu encarregado de educação a determinem. Obviamente, alguém pode vir a chumbar alunos no futuro, mas que isso seja feito a jusante da escola e nunca sob a sua vigência.

(Imagem daqui)