25 de setembro de 2010

50 anos antes da República…

alvorada 1848

João Maria Nogueira escrevia assim no primeiro jornal republicano de que há memória, A Alvorada, publicado clandestinamente em Lisboa, em 1848. Acrescento eu que, então como agora, o povo só ouve e segue com respeito e consideração os grandes, os que têm nome, os afortunados dos astros, os poderosos, ainda que seja para fazer a sua

própria revolução. Povinho besta este que sempre desejou um líder que o guie oprimindo-o, por ser mais do que ele, em vez de desejar um que com ele siga, por ser tanto como ele!

Fonte: Biblioteca Nacional Digital                                (Imagem daqui)

24 de setembro de 2010

obsessões do meu ipod (19)

Um hilariante talento. No momento deste espectáculo, o violinista tem três anos de idade, possui uma inusitada ligação directa entre o ouvido e a boca e deixa escorregar o violino sem uma perturbação. Chama-se Akim Camara e é filho de pai africano e mãe germânica. Esta fusão sanguínea produziu o imperscrutável talento que hoje vos apresento.

(Imagem daqui)

akim camara 

18 de setembro de 2010

Virgílio Castelo e eu

 

Um rapaz da minha criação, de barbas brancas e algum discernimento, estava a falar das coisas que a vida lhe ensinou. Creio ser mais ou menos universal a tendência de ficarmos comparando vidas, projectos, perspectivas, ideologias, vivências…

(Imagem daqui)

virgilio-castelo
Enquanto me delicio a corrigir testes diagnósticos, espreito a SIC e ouço Virgílio Castelo que concede uma entrevista a Daniel Oliveira (o miúdo). Virgílio Castelo disse várias coisas suas que, inevitavelmente, tive que comparar com as minhas. O actor, de 57 anos, disse que mal viveu e já é quase sexagenário. Eu não vivi e já sou sexagenário. Disse ainda que os seus pais lhe compravam sapatos a prestações. Sorte dele. Eu tinha 13 anos quando tive direito às minhas primeiras chancas, compradas também a prestações, é claro. (Lembro-me de como me senti, de repente, mais alto e mais imponente). Disse ele também que a família é uma coisa que se constrói

até à morte. Mas não falou da competência que é necessário possuir para a construir. Eu não fui capaz. Disse ainda que está a atravessar um período áureo da sua vida porque, aos 57 anos, tem saúde. Eu perdi-a e estou com dificuldade em a reencontrar. O meu período áureo estaria ferrugento, se o ouro enferrujasse. Ele acrescentou que quem tem saúde não precisa de se reformar. Eu não podia estar mais de acordo e, por isso mesmo, corri ao blogue para aqui registar a agradável impressão que um simples actor me deixou hoje…

(Não é necessário ler os grandes filósofos para me explicar a vida…)

15 de setembro de 2010

Ao futuro!

planos-para-o-futuro-01 Hoje foi o dia de ouvir quem tem futuro pela frente – os jovens. Falaram-me com a veemência do que queriam ser um dia (a ter que se ser um dia alguma coisa), mas sem nunca hipotecar aos seus risonhos futuros os seus presentes soberbos, os seus inesgotáveis tesões de viver.

 

Todos evidenciaram os seus presentes sem mácula de tristeza e todos fizeram brilhar os seus olhos vivos perante a perspectiva dos futuros que me descreveram. Serão médicos, advogados, informáticos, juízes, cantores, engenheiros, turistas, preguiçosos, ricos. E os seus futuros estão vincada e indelevelmente traçados por eles. Se alguma coisa não der certo, nunca será culpa sua, tão crédulos e confiantes o desenharam hoje.

 

E eu, cujos sonhos são tão módicos, cujos dias tão contados, fui momentaneamente contaminado, de uma contaminação boa e sadia que me fez outro. Grato aos estouvados lenitivos desta formosa juventude! Não me absolveram os futuros juízes, mas mostraram-me que ainda pode haver perdão; não me curaram os futuros médicos, mas deram-me a beber um paliativo doce; não me embalaram os futuros cantores, mas mostraram-me uma linha viva da imortal partitura… (Etc… podem completar vocês o texto agora…)

(Imagem daqui)

13 de setembro de 2010

uma vida sem chumbos… (2)

Gregório_de_Matos

Gregório de Matos, poeta barroco e satírico português, no Brasil colonial (1636-1695), escreveu um pequeno poema sobre a impossibilidade de se viver sem se ser reprovado por alguém.

 

 

(Imagem daqui)

Algumas pessoas que leram o post anterior sobre uma escola sem chumbos, aproximaram-se com aquele sorriso mordaz que costumamos colocar quando a situação nos parece de tal modo estranha que nem merece reflexão, por mais volátil que seja. Houve os que desde o início remeteram o texto para a ironia e isso resolveu de vez todos os pruridos. “Aquele parvalhão senhor está a tentar ser irónico. O lorpa homem não pode defender uma escola sem chumbos, isso é absolutamente impensável”.

Tudo bem! Também não sei se consigo falar do assunto sem me sentir um pouco idiota. Afinal de contas, mesmo que isso possa ser uma solução assaz pertinente, aplaudível e lucrativa, como diabo se processaria, no terreno, tal desiderato?

Bem, isso não sei! Mas a escola pública está cheia de indivíduos obcecados por métodos, estratégias e operacionalizações. Alguma saída eles encontrariam para concretizar aquela aspiração, por enquanto só minha e dos alunos (suponho), embora (tepidamente) acarinhada pela tutela.

10 de setembro de 2010

uma vida sem chumbos…

chumbo

A Ministra da Educação propõe uma vida académica sem chumbos. Faz basear a sua proposta em dois pilares fundamentais: 1- o chumbo não traz qualquer benefício ao aluno (e eu acrescento: nem sequer tem grande piada); 2- os chumbos custam ao país 600 milhões de euros por ano. Segundo um artigo da Vida Económica, que chegou à blogosfera via “A Educação do Meu Umbigo”, cinco ditos especialistas são confrontados com aquela proposta da Ministra. Rotundamente disseram NÃO, e outro tanto sugere Paulo Guinote, o autor daquele blogue. Todos referem que, num mundo em que se diviniza tão solenemente a avaliação dos professores (e, enfim,

de outros agentes profissionais) não faz sentido acabar com ela em relação aos alunos.

Todos estariam, obviamente, à espera que eu viesse corroborar a opinião dos especialistas entrevistados pela VE. Lamento muito, mas não corroboro. Pelo contrário, subscrevo em absoluto a proposta de Isabel Alçada e sustento que aqueles que não querem ver instituída a transição automática de ano não passam de um friso de indivíduos arrogantes e controladores que estão no mundo apenas para lhe trazer aquela infelicidade de que eles próprios sempre sofreram. Quanto a mim, a escola deve, de facto, alijar essa tremenda responsabilidade que é reter alunos. À escola compete ensinar com eficácia e distinguir os alunos entre si, obviamente, numa escala bem longa (como, por exemplo, de 1 a 100 ou 200) mas nunca ditar uma reprovação, a menos que o aluno ou o seu encarregado de educação a determinem. Obviamente, alguém pode vir a chumbar alunos no futuro, mas que isso seja feito a jusante da escola e nunca sob a sua vigência.

(Imagem daqui)

9 de setembro de 2010

O Burro de Orwell

burro de orwell 

Deus me livre de estar agora aqui a denegrir a auto-avaliação das escolas, dos professores, dos alunos, dos encarregados de educação, dos funcionários, dos ministros e de toda a fauna nuclear e adjacente à escola pública. Nem por sombras! Tenho a auto-avaliação em elevada estima, e com toda a consideração subscrevo tal método de avaliação, até mesmo porque é o único que se coloca sempre do lado do avaliado. Em verdade vos digo que, por mim, toda a avaliação poderia perfeitamente reduzir-se a este item, com notórias vantagens para todos os intervenientes na vida escolar.

(Imagem daqui)

Já o disse aqui e, embora os tempos estejam de feição a que um cristão tenda a mudar de ideias a cada quinze dias, na presente questão declaro manter-me perenemente conforme. Do que não estava à espera é que os iluminados que defendem e proclamam este método avaliativo venham a lume declarar a sua suspeição, e mesmo absoluta rejeição, do método de avaliação dita externa que outros tantos, igualmente iluminados, seguem tão crédula e fanaticamente empenhados como os primeiros. Mostrou-se-me absolutamente óbvio que, quando duas facções se digladiam assim, só pode estar em causa uma questão de sobrevivência. Por mim (e apesar de me tender o coração para o primeiro método avaliativo) deixarei, plácido, que se derrubem mutuamente até que, por fim, ressurja do anonimato o burro de Orwell, zurrando fleumaticamente que “foi um tempo mau que já passou”… É que, de facto, muito melhor que ter-nos Deus dado um rabo para afugentar as moscas será não precisarmos de rabo por não haver moscas.

5 de setembro de 2010

os professores moribundos

Professor_Raimundo

Lentamente, muito lentamente, mas de modo  consistente, os velhos professores abandonam o ensino. Não o abandonam por terem atingido o limite de idade legal  (que esse está por vezes ainda muito longe), mas simplesmente porque estão e se sentem velhos.







(Imagem daqui – Chico Anysio, o professor Raimundo)

Pessimistas e derrotistas, não representam, há muito, o tipo de gente em quem o sistema possa confiar. As duas principais razões por que os velhos professores não são liminarmente despedidos por causa atendível são: em primeiro lugar, porque a palavra liminarmente não é politicamente correcta; a segunda razão é que um liminarmente desses iria engrossar a taxa de desemprego, situação que deverá ser liminarmente evitada, em nome do politicamente correcto.  Há, no entanto,  no ar que se respira, uma espécie de conspiração tácita contra esses velhos do Restelo, os negativistas do ensino oficial, que só vêem defeitos no sistema e não conseguem já opor nenhuma resistência ao seu descalabro. “Você sabe fazer melhor? Tem uma solução mais adequada e certeira? Então fique quieto”. E ele, claro, fica. Não entende por que, em 35 anos de serviço, não conseguiu um pecúlio que lhe permitisse agora mandar foder tudo e dizer, orgulhosamente, aos que mandam no ensino que metam no cu a esmola que ainda lhe estendem. Porém, além de velho, incompreendido, insatisfeito, marginalizado, esquecido, imprestável, o professor em fim de carreira é inapelavelmente pobre. Faz das tripas coração (vísceras que nele já se confundem liminarmente) e colabora. E agradece muito. E fica enegrecido, calado, ingloriamente morto. Politicamente correcto, enfim!

2 de setembro de 2010

regresso às aulas

regresso aulas
Não sei se hei-de confiar muito na tranquilidade que a tutela está a permitir que se viva no Ensino, neste regresso às actividades lectivas. Pode estar na forja uma nova avalanche de medidas que venham agitar negativamente a vida escolar.


Net, TV, Rádio. Hoje, curiosamente, deu-se a conjugação impressionante de todos os horrores nas fontes de notícias: os jornais online trazem os conflitos em Moçambique, a TV está a falar de tragédias mais comezinhas, mais familiares, enfim, crimes passionais, violências domésticas, suicídios e homicídios mais ou menos aparatosos; a rádio

(Imagem daqui)

fala das imbecilidades do clima (calores sufocantes e, de repente, gelos inesperadamente destrutivos) e dos incêndios que nascem como tortulhos por toda a parte. Poucas vezes me foi dado verificar uma tal conjugação de calamidades num único momento mediatológico.

E, no entanto, no âmbito da educação, tudo parece pacificado. Nenhuma medida da tutela para imbecilizar mais o ensino, nenhuma acção destinada a acabar de vez com a carreira docente, nenhuma proposta demagógica, nenhuma mistificação bacoca. E está assim há dias. Parece que nem houve rentrée.

Apenas as coisas do costume (a corrida das famílias aos manuais e às mochilas novas, a corrida dos profes aos departamentos e secretariados de exame) estão a preencher o momento do regresso à escola. Algo me diz, no entanto, que, tão logo os responsáveis acordem de vez da letargia estival, algumas medidas mais ou menos gravosas para a educação em Portugal hão-de ver a luz do dia. Vejam como a tutela anterior deixou a gente mais britânica que nunca: no news, good news. (If any, it will be necessarily bad.)