31 de dezembro de 2009

Em tempo de crise é que engordam os porcos

porco O ano que passou (enfim, toda a década que passou) foi mau para a democracia e para a saúde. Os moralistas apregoam que não podia (não deveria) ter sido assim, que, em tempo de crise, não se pode roubar o pobre, não se deve olhar os umbigos, não se pode amarrar o burro na seara alheia, não se deve usar de intrujice, de sacanice, de sandice, de patifaria, de canalhice, de infâmia, de pulhice, enfim, da mais hedionda falta de vergonha do acto político de que os mais fantasistas poderiam alguma vez ter suspeitado. Tudo isso se passou em Portugal, na década de zero e, sobretudo, na sua segunda metade.

Mas os moralistas estão enganados. É em épocas de crise que mais se acicata a ignomínia, que mais prolifera a vileza, que mais se ceva a baixeza dos homens…

(Pronto, já fui moralista quanto baste. Agora vou ver se sobrou alguma coisa do jantar dos ricos…)

(Imagem daqui)

30 de dezembro de 2009

Fenprof dá vitória póstuma a Maria de Lurdes

isabel-alcada Maria de Lurdes Rodrigues assiste feliz ao desvanecimento do breve estado de graça da sua sucessora Isabel Alçada. Espreita, de soslaio, como quem diz nem querer ver, e colhe a sua primeira vitória póstuma, servida ainda quente pelas organizações sindicais dos professores. A Fenprof, com o seu ultimato de 20 pontos (cuja rejeição inviabilizará, à partida, qualquer acordo futuro), e a FNE, rejeitando liminarmente a proposta ministerial para a avaliação docente, vêm evidenciar, segundo a ex-ministra, a incorrigível arrogância dos sindicatos e a incapacidade de qualquer educacional ministro/a para lidar com tais energúmenos…

O ego da ex-ministra insufla de vingança: “Eu não fui capaz e a Isabel, tão boazinha, sê-lo-á ainda menos”.

(Imagem daqui)

20 de dezembro de 2009

Speaking day

discurso Era o dia das apresentações orais.

Se há, na disciplina de Inglês, um instrumento de avaliação para o qual os nossos alunos ainda se preparam um pouco é este – o teste de exposição oral.

O tema era o tema da moda – o ambiente. Anos e anos a martelar neste assunto, já ninguém consegue ouvir mais uma palavra sobre ele. Era assim que eu me sentia, à medida que os alunos, um após outro, debitavam os seus três minutos de glória trabalhosamente empinada em casa.

E chegou a vez do Arede. Este, como de costume, nada preparou. Confiou nos seus talentos linguísticos e foi para o estrado. As palavras iam-lhe saindo, poucas e destoadas, muito mais pausa que som, muito mais erro que acerto. Arrastou-se penosamente durante dois minutos… “environmentalism… greenhouse effect… we must save the planet… because the planet is really good … we need it… without this planet we woudn’t live… if you surf the universe you… won’t find another like this… so cool… so blue… so polluted… we have to stop dumping garbage into the water… because if we do, the water gets garbaged… professor, acho que vou ficar por aqui… não me ocorre mais nada de momento…”. “Bem, ainda tens um minuto. Faz um esforço para cumprir os três minutos de teste”. “Tudo bem. E agora, vamos então fazer um minuto de silêncio pela Terra.”

(Imagem daqui)

18 de dezembro de 2009

lowest profile

pobre_animado Meu bisavô era maneta, minha avó era zarolha. Meu pai era moleiro e eu sou, evidentemente, estúpido. Quase todos os meus amigos têm fidalgos na família, benza-os Deus. Eu só tenho singularidades, semi-humanos, semideuses, enfim. Ah, mas o meu avô paterno era narigudo e cantador. Um poeta, um poeta repentista, cantador ao desafio nas manhãs de domingo, na tasca do Cosme, em frente da capela.

Era o ano de 36, Março frio, aguacento, desconfortável. Depois da missa, as mulheres, xailes pretos, tiritantes, pendulares, apressavam-se para casa. Os homens embicavam para a tasca e era preciso que as velhas, num linguajar de escândalo, os viessem buscar para jantar, já pra lá de afogueados do cantaréu e do maduro.

Mas o Sancho, fraco cantador, de rima pobre ou ausente, e ainda assim candidato ao lugar de invejável cantador que o meu nariguento avô ostentava por direito e mérito, forjado em tantas porfias, atirou-lhe assim: “Oh João da Milheiroa / não sei que sorte macaca / Ires casar a Portomar / Ca zarolha do maneta”. Olha no que te meteste!. O meu avô, olhando-o de alto a baixo: ”Se a minha mulher é feia / A tua também o é / E a tua vendeu a crica / Por ‘ma xícara de café”. Silêncio de morte. Mãos às navalhas. Curiosidade geral. Morbidíssima. E o meu avô continuou, calmo: “Foi na feira da Piedade / Meu amigo Zé Maria / Mas se isto fosse verdade / Olha que eu não to dizia.” Abraços calorosos de novo, marcação da próxima cantoria e o caldo de couves quente para repor a flora das barrigas…

(Sabem por que vos contei isto? Porque o meu bisavô era mesmo maneta, minha avó zarolha, meu avô impagável cantador, meu pai moleiro e eu, é claro, sou estúpido…)

Bom Natal.

(Imagem daqui)

7 de dezembro de 2009

carta meio-aberta ao professor meio-fechado

papelada Para me entender a mim próprio, para que tu me possas entender, para saberes o que sempre tentei dizer-te sobre educação neste blogue (sem nunca o ter conseguido), terei que me socorrer disto aqui.

Isto aqui não é nada demais, nada que te interesse sobremaneira. É apenas um programa integral de educação. Coisa sem importância nenhuma, hoje em dia. Lê isto (se as grelhas de avaliação te permitirem um minuto de reflexão) e talvez um dia consigas aceitar que o que se diz aqui nos faz falta porque já não há, porque foi substituído por papelada amorfa e disforme, por uma imprecisa frustração feita de uma provincianíssima vassalagem às novas tecnologias, por uma vivência de mofo e infâmia, entre normativos e minutas, grelhas, relatórios, truncaturas, infopontos e grelhas outra vez.

isto, assim de passagem, porque o que lá se diz não serve os actuais propósitos do ensino, dos ensinantes, dos aprendentes, das escolas, dos ministérios, dos pais, dos filhos, de nenhuma espécie da biodiversidade faunística que ora se move pelo país de A a Z. Lê isto, com um olho na probidade do texto e outro na ligeireza do burrifanço, porque nada do que se diz lá te despertará, tal o estado de dormência em que ressonas. Mas lê.

E depois esquece e tenta mas é tratar da vidinha, espreitando o cada vez mais estreito furo da subida de escalão, nem que para isso tenhas que passar algumas horas a desenvolver as tuas já brilhantes competências de notoriedade e show-off.

Não me leves a mal ter-te mostrado coisa tão enfadonhamente imprópria.

Bom Natal.

6 de dezembro de 2009

Christmas carols…

christmas Natal de novo. Prendas.

Há que fazer uma lista de presentes para dar aos nossos chefes, aos nossos superiores hierárquicos, aos nossos avaliadores. Como a crise está brava e o dinheiro não serve todos os nossos propósitos, há que ser muito selectivo. Nada de dar prendas àqueles que não podem nunca fazer-nos nenhum mal…

Os amigos, os perenes amigos, os que realmente gostam de nós ficam sem prendas este Natal. Neles nada de perverso contra nós se pode engendrar. É esta a razão por que não gastaremos um cêntimo com eles desta vez…

Há, no entanto, um conjunto de pessoas de quem dependemos para continuar a respirar ou comer o nosso bacalhau com batatas na paz de Deus. Esses merecem, é claro, a nossa integral devoção.

(Se eu vou dar prendas ao meu melhor amigo? Claro que não. Desse nada de mau posso esperar… )

(Imagem daqui)