27 de junho de 2011

400 funcionários da UE despedidos liminarmente…

ueReforma aos 50 anos, depois de 15 anos e meio de trabalho – 9.000 euros mensais. Parece que é isso o que os funcionários de UE irão receber agora, na sua pensão de velhice, aos 50 anos. É muito? Claro que não. Eu é que estou ganhando pouco.

Se quisermos ver a situação por outro prisma, diremos que é exactamente o que ganham os reformados portugueses da classe operária, só que estes é por ano… No fim de contas, é como se os funcionários da UE almoçassem 14 vezes por dia enquanto um  reformado português apenas almoçasse uma. Ora bem, eu não vejo nenhuma necessidade de se almoçar catorze vezes por dia, embora reconheça que não é nenhum exagero, visto que ainda subsistiriam 10 horas sem comer, partindo do são principio que um almoço decente demora uma hora. (Pelo menos o meu sempre demorou mais um menos isso)...

Ora, para um operário fabril, um almoço por dia chega e sobra, até por uma questão de saúde, já que os operários costumam ter uma saúde um pouco debilitada por causa da poluição e do suor. Se o operário aderir ao ramadão, não lhe custará muito. E mesmo na tradição judaico-cristã, jejuar faz imenso bem à saúde.

Quer isto dizer que está tudo bem, e até acredito que esses funcionários da UE possam vir a convidar alguns famintos portugueses para a sua mesa, no dia de Camões ou pelo Sao João…

Vocês têm é vontade de criticar e nunca estão bem, isso é que é  verdade…

   Post 758                (Imagem daqui)

24 de junho de 2011

Minudências minhas

VELHINHAA avó

Minha avó era uma católica fervorosa. Mas não havia nela nada de exegeta, de modo que nunca a perturbou o facto de nada entender da missa, de deus e da história sagrada.

Aliás, a missa, toda em latim, estava lá onde devia estar, no alto (sursum corda), junto às divindades, de quem provavelmente provinha.

Os humanos, de rojo pelo lagedo, permaneciam onde sempre estiveram, muito aquém do entendimento, a anos-luz de qualquer percepção fenomenológica, nenhum deles elevando a caixa da inteligência a mais de metro e meio do solo onde plantava as couves.

E a minha avó rezava os orações (oração era palavra masculina na minha terra) sem ligar muito ao que o padre dizia. Na sua íntima confabulação com o todo-poderoso, entendia a seu bel-prazer o discurso divino que, como já se sabe, era coisa de deuses e, por conseguinte, impossível de decifrar.

Agnus dei, qui tollis pecata mundi … E a minha avó, por entre a ladainha a nossa senhora, aprendida na costura por volta dos seus dezassete anos, “miséria noves”.

A minha avó rezava “bendito é o fruto do vosso ventre, oh Jesus”. O facto de ter sido Jesus a produzir um fruto no seu próprio ventre nunca a atormentou. E por que carga de água deveria? Não poderia Jesus criar peras e maçãs na própria barriga, ou mesmo melancias e abóboras? A deus nada é impossível.

E a minha avó, a quem nunca ensinaram referentes gramaticais, que nunca vislumbrou a diferença entre um vocativo e um aposto ou continuado, viveu todos os seus dias sem entender que tipo de relação deus tinha ou pretendia ter com o mundo cá em baixo. Contudo, parecia-lhe sempre que ele tinha para com os mortais o mesmo tipo de bazófia que o Chico da barbearia tinha para com a garotada que ostentava tímidos bigodes ainda ilegíveis…

Deus, o padre, a nossa senhora, o barbeiro Chico, Jesus, o Latim, fruta que nasce no duodeno. Tudo maravilhosamente obscuro, convenientemente nebuloso. Como a própria vida.

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23 de junho de 2011

repescando tralices

barbudoClaudino Mendes   (17 de Julho de 2010)

Claudino Mendes, antigo combatente da primeira guerra, vivia, nos alvores dos anos sessenta, num pardieiro em ruínas que fora em tempos cortelha de galinhas, nos limites da povoação chamada do Cabeço. Conheci-o. Tanto quanto mo permite agora a memória das coisas que se guardam na infância, assemelhava-se a um daqueles profetas do Antigo Testamento que povoavam a minha Bíblia das Escolas – longas barbelas hirsutas, gabão de surrubeco corroído, olhava-nos garboso do alto dos seus quase dois metros e dos pergaminhos ilustres do posto de cabo de infantaria que honrou na Flandres. Claudino Mendes era o tolinho do Cabeço. Intrigados com tal personagem, costumávamos espiá-lo dentro do seu galinheiro, aconchegado no gabão, pés de fora do cancelo aproveitando os ténues raios de sol das tardes de inverno.

Maria das Dores surgiu, afogueada, do quintal vizinho, transportando na mão um grande saco de abrunhos amarelos.

- Oh Ti Claudino, arranje-me aí um pratinho que eu deixo-lhe uns poucos destes abrunhos.

Claudino Mendes olhou para dentro do barraco e chamou:

- Copeiro, traz uma salva da cristaleira para guardar os abrunhos da Senhora Maria das Dores!…

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22 de junho de 2011

Aprender pelo exemplo…

alunoUma das teorias mais erradas sobre a educação dos nossos alunos é a que nos assegura que as crianças aprendem pelo bom exemplo. Ora bem, aprendem pelo bom exemplo de quem? Eu vos asseguro que não é pelo exemplo impecável dos professores. Seguirão certamente, e sem o mínimo desvio, o exemplo dos craques de futebol ou dos roqueiros mais da berra, mas nunca o exemplo dos professores.

Os professores são pobres, honestos, dinâmicos e… estafados. Os seus alunos esforçam-se, portanto, por serem ricos, pilantras, madraços e folgados. E sê-lo-ão com prazer, desde que isso signifique contrariar os seus pobres mestres.

Na verdade, se queremos construir uma juventude trabalhadora, activa, responsável e disciplinada temos que lhes passar a imagem de que somos exactamente o contrário, adoptando posturas claras de mandrião, de insubordinado, de inconsciente e de madraço. Assim, devemos esquecer-nos sistematicamente de dar testes ou, no caso de darmos algum, devemos esquecer-nos de o corrigir ou entregar; devemos desistir definitivamente de preparar aulas ou de produzir materiais didácticos; devemos passar ostensivamente a ressonar nas aulas e a arrastar os fundilhos pelos pestilentos corredores (beijos, abraços e amassos incluídos); devemos negar hoje o que afirmámos ontem e desatar a morder canelas de directores e encarregados de educação, e de tudo o que mexe, e sujar as paredes e pontapear as mesas e distribuir murros e cabeçadas por tudo o que cruzar o nosso caminho. Se conseguirmos operar em nós esta desejada transformação sociopedagógica, produziremos finalmente os cidadãos honestos, educados e respeitáveis que sempre quisemos ter e nunca tivemos, simplesmente porque, inocentes, acreditámos no poder do bom exemplo.

Maior estultícia ainda do que essa é acreditar que os nossos alunos ainda nutrem por nós alguma réstia de admiração e respeito. É estado de imbecilidade severa, exigindo internamento.

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19 de junho de 2011

a palavra dos outros

louçaVia Francisco Louçã e Facebook, chegou-me agora mesmo uma Carta de Saramago à sua Avó. Diante de tanta beleza, não podia deixar de replicá-la aqui.

"Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Saramago_JoseEstou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!”.
É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua".

Imagens daqui  e daqui    Post 754 

18 de junho de 2011

Numa palavra: vamos aos conteúdos.

“Os programas actuais são elementos doutrinários sobre os modos de ensinar. É inculcada a ideia de que o desinteresse dos alunos é culpa dos professores. Como se chega lá? Os alunos têm que saber um determinado número de conteúdos. Os professores terão que dar esses conteúdos, os alunos terão que se esforçar para os aprender e os professores decidirão sobre o modo como ensinar. A avaliação dos professores recairá essencialemte sobre os resultados. Porém, estes serão obtidos a partir de exames nacionais, absolutamente credíveis. Ah, é preciso saber quando se escreve há (com h) e à (sem h)”   Nuno Crato

Nuno Crato está aí. Vamos ao trabalho. Sobretudo, vamos acabar definitivamante com o primado das pedagogices da educação. E que toda a canalha imprestável que domina o sistema seja definitivamente afastada. E que os professores que idiotamente embarcaram nas pedagocices se redimam rapidamente, esqueçam os seus penachos e sejam de novo o que deixaram de ser: ensinantes.

  Post 753   

A Primavera despede-se…

arvore em flor

… mas está aí um Verão novinho em folha… Sorriso

17 de junho de 2011

Crato na Educação

crato

Esse trabalho, desenvolvido numa comunidade escolar embrutecida, burocratizada, grosseira, medíocre e abusivamente lerda, arrisca-se a produzir mais um problema, em vez de criar as tão desejadas soluções.

Defendi aqui sempre as posições de Nuno Crato no que se refere às questões da Educação. Ele e Santana Castilho tomaram posições de relevo contra o bando dos psicólogos da educação, principais responsáveis pela estupidificação dos processos de aprendizagem e o descalabro de todo o sistema educativo. Ambos aqui desancaram nos modelos “socialistas” da avaliação docente, propondo modelos mais sérios e eficazes com vista às aprendizagens. Ambos defenderam um processo de ensino mais voltado para a aquisição de saberes científicos e competências técnicas do que para as componentes psicossociológicas. Dir-se-ia que se reinventaria o discurso do ensino/aprendizagem, preferencialmente centrado nos saberes científicos e relativizando a omnipotente e ubíqua componente psico-pedagógica.

Nesta conjuntura, não posso deixar de saudar a escolha de Nuno Crato para presidir aos destinos da Educação em Portugal.

Porém, também aqui defendi muitas vezes, e com igual veemência, que o projecto Crato para a educação não seria destituído de dores relativamente desconfortáveis. Asseverei muitas vezes que o seu desígnio não seria pêra doce e que o que ele pediria aos professores teria forçosamente de ser coisa séria. Ele certamente depuraria o sistema de todas as frivolidades e maneirismos que o empecilham e o remeteria à sua essencialidade. Mas também afirmei sempre que o grau de exigência que ele imporia aos professores, sobretudo na componente científica e na qualidade do desenvolvimento curricular, seria

extraordinariamente maior. Também disse que, com qualquer um deles, Castilho ou Crato, tudo se focalizaria em absoluto na competência didáctica e no esforço a desenvolver na construção de uma relação pedagógica correcta, disciplinada, substantiva e eficaz.

Eis agora o Crato na pasta da Educação. Acredito que o que vem por aí seja muito bom, mas também será muito pesado. E sei que não faltará contestação se a filosofia que ele sempre apregoou for, de facto, implementada amanhã. Um trabalho de rigor e qualidade levado a efeito por professores que tenham compreendido as verdadeiras opções e fins últimos da educação não será pêra doce e não deixará incólume nenhum dos actores no terreno lodoso em que operam. Esse trabalho, desenvolvido numa comunidade escolar embrutecida, burocratizada, grosseira, medíocre e abusivamente lerda, arrisca-se a produzir mais um problema, em vez de criar as tão desejadas soluções.

Resta mais uma hipótese, que resulta do estado de calamidade económica em que temos que nos mover: correr tudo a cortes de toda a ordem, dispensar grande parte dos professores, aumentar desmesuradamente a carga horária dos docentes que restarem, sobrecarregando-os com mais e mais medidas de acompanhamento a alunos que não desejam ser acompanhados, baixar os salários até ao nível do irracional, introduzir cláusulas de rescisão com base em originalidades criativas e avaliar os professores por meio de duas ou três aulas assistidas. Esta hipótese poderá muito bem ser a que nos espera a todos.

E, se assim for, não nos servirá de nada ter Nuno Crato na Educação.

   Post 751     (Imagem daqui)

15 de junho de 2011

Minudências minhas

medoO medo

Fiz o 25 de Abril, tenho 60 anos, duas ou três doenças graves, três casamentos, dois divórcios, uma bala enfiada na coxa e um emprego de 1300 euros. Teoricamente, já não deveria ter medo de nada…

E, de facto, só tenho medo de duas coisas nesta vida: da morte, pelo facto de não a conhecer e do 7ºB, pelo facto de o conhecer tão bem. A morte assusta-me pela sua inevitabilidade. O 7º B assusta-me pela sua irredutibilidade. Nada pára a morte e muito menos coisas conseguem parar o 7ºB: nem o Director, nem a expulsão, nem notas vergonhosas, nem violência, nem jeitinho, nem amor, nem raiva. O 7ºB não pára nunca, não se cala jamais, nunca abandona a sua férrea indisciplina, a sua permanente insolência,  a sua sistemática e constante desordem física e mental. O 7ºB, amigos, espreita a cada esquina. Matricula-se ano após ano, quer tu queiras ou não, e esse facto traz sonâmbulo de pânico o Director de Turma. O 7ºB esmurra joelhos, cotovelos, armários e narizes. Esmurra indelevelmente a auto-estima dos professores.

Por vezes pergunto-me se não haveria outro lugar onde o 7ºB pudesse ser encafuado, de modo a não causar tanto dano, de modo a não provocar tanto desastre num só dia…

Dizem-me logo que não! Que turma de miúdos destes só pode mesmo é “estar” na escola. Aspei “estar” porque jamais essa turma foi capaz de “estar” em algum lado. Aquela turma nunca “está”. Move-se furiosamente para a esquerda e para a direita, para diante e para trás, sem nunca aquietar onde seria suposto fazê-lo: com os fundilhos pousados sobre uma cadeira. (Não, cola está fora de hipótese, dizem-me agora).

Obviamente, vou jogar todo o meu poder de sedução (que espero ainda me acuda) para que Deus, um bafejo de sorte ou o Director afastem de mim esse cálice. Para sempre, se possível.

Se “para sempre” não for possível, que a turma venha ter comigo de novo no dia em que o meu outro terror (tenho dois, lembram-se?) resolva rasteirar-me um dia desses... Tenho certeza de que o 7ºB me prestará, então, um enorme serviço, atenuando o medo que sentirei nesse momento.

(Talvez então esse meu outro íntimo terror nem me pareça tão pavoroso…)

 Post 750     (Imagem daqui)

11 de junho de 2011

Atropelos

atropeloTodos sabemos que se aproximam lutas, urros, uivos, arruaças e revoltas, manifestações e greves. Sabemos que haverá contestação nas ruas, quer isso resolva os nossos problemas, quer acrescente problemas novos aos que já temos. E uma das mais importantes guerrilhas que se desenham no horizonte curto é a que oporá a troika à já semi-espoliada Constituição de 1976.

A perspectiva do atropelo já voa por aí de boca a orelha. É já palavra corrente que muitas das directivas referidas no documento da troika atropelam, com o seu revanchismo atrevido, a Constituição da Republica.

Por outro lado, não faltará quem sustente que a Constituição, no seu resguardadíssimo articulado, atropela as directivas referidas no documento da troika.

O atropelo será, portanto, mútuo, como mútuas serão as diatribes produzidas. Ou, se preferirem, a irresponsabilidade de uns atropela a tirania dos outros.

(E vice-versa, pois claro.)

   (Imagem daqui)       Post  749  

10 de junho de 2011

Empecilhos

dicionarioTropecei num ponto de interrogação mal arrumado e deixei cair o dicionário. Detesto coisas em gancho, como pontos de interrogação, anzóis, embustes e outras esparrelas onde facilmente se tropece. Detesto a minha desengonçada aselhice para evitar o que me enrola, enrolando-se nas patas…

As palavras espalharam-se pelo chão, arfantes, boquiabertas, atónitas. Algumas estavam a recuperar do abuso a que foram sujeitas ultimamente. Dormiam no fundo das páginas o sono reparador que vem depois da canseira. Outras, mais evasivas, esgueiraram-se escada abaixo e saíram rastejando por debaixo da porta. As mais voláteis e etéreas apanharam boleia num sopro que uma janela aberta debitou na sala.

Perdi-as quase todas. Só recuperei as mais trôpegas, as que os políticos não quiseram, as que os poetas desprezaram, as que ninguém solicita ou admira. Com elas fiz isto que os meus pacientes leitores acabaram de ler…

   Post  748      (Imagem daqui)

5 de junho de 2011

1. Para lá da noite eleitoral (1)

derrotaSócrates acabou de fazer agora mesmo o melhor discurso da sua vida política. O discurso dos derrotados é sempre mais grandioso que o dos vencedores. Existe neles a patine do tempo que se esvai e que nos mostra, a posteriori, aquilo que nem sempre conseguimos entender, aquilo que nem sempre nos pareceu ter sido bom… E certamente não foi.

Também eu sinto algum alívio nesta ruptura. No entanto, não vislumbro dias mais felizes que os que vivi até agora. Um discurso demagógico? Pode ser. Mas também pode ser que venhamos a ter saudades deste que foi o melhor discurso, ainda que demagógico,  de um certo e provisório abandono, por uma porta modesta, mas suficiente em absoluto…

                                                                                Post 747    (Imagem daqui)

3 de junho de 2011

afonia e optimismo

afoniaSeja quem for que nos venha a governar, estará rouco. Nosso próximo primeiro-ministro será sem dúvida um indivíduo afónico e, simultaneamente, (o que talvez seja pior) impotente. Nosso futuro primeiro ficou rouco por berrar alarvidades e impotente por as sufocar. Jamais se vira enrouquecer tanto por tão exígua qualidade discursiva, tonitruante potência pulmonar na razão directa da vulgaridade das ideias.

Não nos iludamos. No momento em que decidimos partir para estas eleições, momento esse que coincidiu com um pedido de empréstimo ao banco maior, já sabíamos que só havia dois caminhos no horizonte: optar por saldar a dívida e continuarmos de cabeça medianamente erguida; ferrar o calote e hipotecar o país com ministros e monumentos e campos de golfe e fábricas e misérias e a História e os Lusíadas e hotéis e spás e três dinastias de reis e outras tantas de burrice crónica e de chicoespertismo primário. Obviamente, havia uma outra hipótese: não pedir o empréstimo e pagar os salários com tomates, abóboras e pepinos (antes da sua desvalorização pela escherichia coli).

Mas é na decisão pelo comportamento digno e honesto, isto é, o pagamento do que devemos, que reside o mais radical impasse, o mais intransponível obstáculo à salvação deste improvável país. Optar por cumprir os nossos deveres (armados em país de boas contas que aceita orgulhosamente encostar a barriga ao balcão depois da rodada geral) arrasta consigo o seu contrário, ou seja, a impossibilidade técnica de os cumprir algum dia. Não passa de tomar os desejos por realidade. Mesmo nos nossos sonhos mais aventureiros, não ousaríamos acreditar que seremos capazes de pagar 78 mil milhões, a juros de 5 por cento, em menos de dois ou três séculos, isto se estivermos a ser imprudentemente optimistas.

Mas os nossos candidatos acreditaram nisso e enrouqueceram por isso. Não valeu a pena terem maltratado tanto as suas desgastadas cordas vocais. Tanto mais que precisarão delas para mandar calar os alaridos da populaça…

   Post 745 (Imagem daqui)