29 de setembro de 2012

povo que enches as ruas…

Manifestantes cercam congresso pela terceira vez esta semanaEstive a ver as manifestações pela televisão. Não vou entrar no politicamente correcto e dizer que são legítimas e que podem até ajudar o governo a resolver alguns problemas e mais isto e mais aquilo. Não. Não gostei nada. Era um bando estranho de uma espécie rara de alienados que só existe em Portugal, porque falam uma estranha espécie de português. Fiquei a pensar que os nossos governantes fazem figuras menos tristes do que estas que o nosso povo faz quando se junta aos molhos pelas ruas abaixo. Mas este facto não configura certamente nenhum mérito especial do governo, dado que os nossos governantes são em muito menor número. Para que um governo tão exíguo e condensado como este conseguisse ser tão ridículo como os magotes do estranho povo, cujas debilidades mentais acabei de ver e ouvir na TV, teria que possuir, pelo menos, três ou quatro primeiros-ministros como este, mais uma caterva de políticos avulso que por aí governam as suas carteiras e mais todos aqueles que, tendo-as já governadas, concluíram piamente que tinham estado a governar o tal povinho, sem possuirem as credenciais exigidas para o efeito (algum saber, alguma competência, alguma maturidade, algum sentido de justiça e alguma honestidade de princípios) e resolveram ir então estudar um pouco para se prepararem melhor para uma das próximas rondas eleitorais, quando a cadeira do poder voltar a ficar ao alcance das suas nádegas, na roda da sempre previsível alternância “democrática”, como foi o caso de Sócrates e é agora o caso de Seara, por exemplo, e muitos outros que se seguirão.

Não comungo da optimista e elegante reflexão de alguns, segundo a qual estas manifestações podem provocar rupturas governamentais ou inflexões nos processos da governação ou conter as medidas desastrosas que se vêm multiplicando como alcarnache. O que vi na TV (a menos que esta me tenha escondido as partes boas) foi um folclore triste de gente que, à custa de tanto sacrifício e de tanta fome, perdeu a dignidade, a força e a inteligência e escancara pelas ruas a sua decadência e um grotesco desamparo que nem imagina de onde lhe vem…

Mas não sou contra estas manifestações. Muito pelo contrário. Um povo precisa de saber o que realmente é e isso só se evidencia deste modo. O direito à amostragem é inalienável. Sem isso, eu não teria chegado a esta triste conclusão: talvez não seja necessário reivindicar um governo mais competente. Enganar este povo néscio é tarefa totalmente ao alcance do governo que temos...

     Post 855        (Imagem daqui)

21 de setembro de 2012

O elevador (2)

clip_image001No estabelecimento de ensino por onde há quarenta anos arrasto o resto da docentíssima carcaça que o tempo me outorgou, há um elevador surpreendente.

Na verdade, aquele ditoso cubículo de lata não é um elevador, encarregado da simples e prosaica tarefa de levar aos pisos de cima todos os trôpegos e cambaios que atravancam as salas e os corredores da educação em Portugal. Aquele admirável cubículo supera essa basilar função e guinda-se (embora de modo inconsciente, como suponho que se guindam todos os objectos materiais) à categoria de uma válvula despressurizadora de tensões acumuladas na indigestão das aulas, um gabinete de massagens à alma, uma caixa de música do romantismo tardio, uma healthy booth redentora da humanidade sofrida.

Deixei as escadas que o médico me prescreveu o ano passado, com o inocente intuito de subtrair alguns centímetros à minha barriga, e passei a utilizar o milagroso ascensor em todas as minhas deslocações verticais. Nem a barriga me é assim tão insustentável (raramente penetra no espaço de manobra destinado às barrigas dos outros), nem o exercício do degrau ma alisou de modo observável. Por isso, e desde que descobri as propriedades medicinais daquele miraculoso elevador, acalento deveras a hipótese de que o director me promova de professor a ascensorista.

Os meus estimados leitores, perspicazes, tanto quanto curiosos, estarão certamente a perguntar-se o que tem de tão especial um vulgaríssimo elevador de alumínio que passa a sua vida útil a subir e descer por um fosso escuro, preso a uma corda de aço. E eu lhes respondo, de modo mais sucinto que o tempo que o dito leva a ir de um piso ao seguinte: é o espelho. Sim, um encantatório espelho que nos devolve uma imagem lindíssima. Não sei como isso é feito, que truques vítreos, que técnicas ópticas foram experimentadas neste enorme espelho que transforma um abatido e desclassificado professor de sessenta anos num jovem de 50 anos ou menos, de boas cores, penteado frondoso, figura esbelta e um olhar de simpática e ternurenta afabilidade, apesar da vida decepcionantemente parva que fora deste elevador se semeia todos os dias… E, posta de lado a possibilidade real de este elevador estar impregnado de alguma substância psicotrópica que nos aliene, não restam dúvidas de que possui alguma fórmula mágica que nos robustece a alma e nos desanuvia as horas.

Miúdas de todas as idades debatem-se por um lugar no elevador, e não deve ser pelo despoetizado dever de ir parar ao andar de cima sem se cansarem. Enquanto o elevador as transporta, devolve-lhes imagens que as seduzem e as envolvem no deleite de sonhos lindos, de desejos realizáveis. Passam dedos longos por cabelos sobejos e piscam felizes os olhos ao espelho reparador.

E eu fico a pensar que quero mesmo ser ascensorista, ainda que para isso tenha que fazer um doutoramento qualquer que me permita passar o resto dos meus dias neste elevador-colírio, retemperador e salubre. É que a vida, ladeira acima, diante daquele jovial espelho, profusamente ilustrada de jovens narcísicas, tem decerto outra dimensão…

     Post 854         (Imagem daqui)

9 de setembro de 2012

Evangelho Segundo São Lucas

E eis que se sentou à sua frente um aluno que tinha os ouvidos tapados e a língua presa e já tinha reprovado duas vezes. E Jesus, condoendo-se do aluno, meteu-lhe os dedos nos ouvidos que logo se abriram para o mundo. E depois, tocando a sua língua com o indicador direito, perguntou-lhe: “Que fazias tu enquanto os outros estudavam as if-clauses e o reported speech?” E logo o aluno se pôs a falar fluentemente em Inglês correcto, até com um leve sotaque a Celine Dion, e conseguiu arrancar um dez. Palavras da Salvação.

     Post 853         (Imagem daqui)