29 de julho de 2011

Avaliação sim, mas sem luxos, por favor!

jantar confratAfinal, quem me vai avaliar é o meu colega da escola ao lado. Só pode ser da escola ao lado, porque não há dinheiro para subsídios de transporte. E sabem quem avalia esse meu colega da escola do lado? É o meu colega da outra escola que, por sua vez, será avaliado por mim.

Este sistema, que aqui simplifiquei generosamente, pode, no entanto, complexar-se um pouco, introduzindo mais elementos de permeio, tais que A avalia B que avalia C que avalia D que avalia E que avalia A.

Quanto mais elementos entrarem neste círculo, maior terá que ser a mesa e mais caro ficará o jantar de confraternização, facto que sugere um despesismo supérfluo que, em tempo de crise, apenas beneficiará o dono do restaurante.

Muito mais em conta ficaria a avaliação se tudo se resumisse, como inteligentemente proponho, a dois elementos que se avaliassem mutuamente, cumprindo a fórmula A avalia B que avalia A. Às tantas até se conseguia fazer um belíssimo trabalho sem sequer ter que ir ao restaurante. Uma bica em copo de plástico, tirada na máquina da escola, depois da aula assistida, serviria perfeitamente. É que a vida não está para luxos. Nem a vida, nem a avaliação docente, caramba…

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Férias - primeiro dia

verao2Na verdade, quando se tem que entregar um relatório com data marcada, nem sequer se pode considerar que se está de férias. Hoje é o meu primeiro dia de “férias” mas também é a minha sétima tentativa de escrever o relatório de auto-avaliação. Sempre que me sento ao computador, a fim de preencher aqueles espaços, senta-se comigo também a alergia que desenvolvi ao referido relatório e só me dá para espirrar, tomar café, fazer downloads, subir às árvores, dar volta à chave e sair por aí…

É o que pretendo fazer agora (dar volta à chave e sair por aí), visto que, ao abrir o documento pela sétima vez (número cabalístico), me deu um formigueiro no cu que não me permite ficar aqui sentado. E, portanto, segue-se que estou de saída.

Quem sabe um dia destes sou acometido de uma tresloucada inspiração com carácter de urgência e elabore, em duas penadas, o melhor relatório de autoavaliação da temporada. Assim espero. Por agora, há que sair, também com carácter de urgência.

(Só vim aqui dizer-vos isto, na esperança de que alguém, igualmente alérgico, me receite o antídoto que lhe tenha devolvido a tranquilidade… )

Boas férias.

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20 de julho de 2011

Les uns et les autres

velho profEste ano lectivo que passou, talvez por não ter grande coisa que fazer (a matéria relativa à avaliação de professores deixou de me afectar e o trabalho lectivo não foi desesperante) entretive-me a descobrir quem seriam os professores mais populares lá da escola. Nos corredores, fui observando quem era mais cumprimentado pelos alunos e quem menos caso fazia desses cumprimentos. Analisei depois, atentamente, quem era convidado para os festins, para as patuscadas e pândegas. Bisbilhotei o facebook e tomei notas sobre as imagens de popularidade e/ou de competência que se me foram insinuando nos mais diversos areópagos escolares, académicos e autárquicos do burgo onde me enterrei vai para 30 anos.

Encontrei professores que gozavam, em certos momentos, de uma popularidade quase infinita, mas que derrapavam em outros, voltando a guindar-se mais tarde aos píncaros da reputação, para voltarem depois a cair, com algum fragor, num novo esquecimento. Eram os inconsistentes, os que velejavam ao sabor das contingências do êxito e do fracasso, sofrendo intimamente com esta perturbante flutuação.

Encontrei também um pequeno grupo de professores permanentemente em alta. Adorados pelos alunos, eram, por uma espécie de osmose, venerados pelas comissões de pais e, por conseguinte, respeitados por directores agradecidos. Estavam, obviamente, no grupo das pessoas que figadalmente abomino e nunca vislumbrei neles um rasgo de competência, sabedoria ou grandeza.

Os restantes eram gente desinteressante e amorfa. Trabalhavam para os alunos manhã, tarde e noite dentro, anónimos e obscuros, numa espécie de escravatura inalienável. Nunca faltaram a uma aula ou a um apoio, e só quando a doença lhes bateu à porta é que foram, de chapéu na mão, esmolar um atestado médico. E mal lhes arrancaram parte de uma víscera insana, voltaram à escola, amarelos da quimio, a prosseguir a sua cisma de ensinar, superando-se sempre, escondendo a dor na Literatura, na Física, no Teorema de Pitágoras. Ninguém os conhece. Os alunos não os prezam, o ministro não os distingue, o director não os louva. Dir-se-ia que só eu os vejo. (Mas não falo a ninguém da sua existência…)

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19 de julho de 2011

repescando tralices

02-relogio25 de Março de 2008. Vasco Pulido Valente acabava então de publicar no Público uma interessante contribuição para a questão da avaliação docente que, ao tempo, mobilizava quase toda a blogosfera, mesmo a que se fazia do lado de fora do sistema educativo. O Tralapraki escrevia então assim:

______________________________________25 de Março de 2008_______

Vasco Pulido Valente vai fundo na questão

No meu limitado entender, foi Vasco Pulido Valente quem mais longe, isto é, mais fundo foi (ou mergulhou) na crítica à pseudo-reforma do sistema educativo e à introdução da tenebrosa avaliação dos professores. É, de facto, por aqui que se deve ir, pela abordagem macro, pois nenhum professor pode ser avaliado sem que esteja absolutamente claro aquilo que se pretende dele, ao nível dos fins últimos do sistema. 

Nunca é demais espalhar os bons textos de pessoas inteligentes. Já que dificilmente se lê algo mais lúcido do que isto, tomo a liberdade de ser mais um a divulgá-lo na íntegra. (Os negritos são meus).

VPV«Como se pode avaliar professores, quando o Estado sistematicamente os "deseducou" durante 30 anos? Como se pode avaliar professores, quando o ethos do "sistema de ensino" foi durante 30 anos conservar e fazer progredir na escola qualquer aluno que lá entrasse? Como se pode avaliar professores, se a ortodoxia pedagógica durante 30 anos lhes tirou pouco a pouco a mais leve sombra de autoridade e prestígio? Como se pode avaliar professores, se a disciplina e a hierarquia se dissolveram? Como se pode avaliar professores, se ninguém se entende sobre o que devem ser os curricula e os programas? Como se pode avaliar professores se a própria sociedade não tem um modelo do "homem" ou da "mulher" que se deve "formar" ou "instruir"?

Sobretudo, como se pode avaliar professores, se o "bom professor" muda necessariamente em cada época e cada cultura? O ensino de Eton ou de Harrow (grego, latim, desporto e obediência) chegou para fundar o Império Britânico e para governar a Inglaterra e o mundo. Em França, o ensino público, universal e obrigatório (grego, latim e o culto patriótico da língua, da literatura e da história) chegou para unificar, republicanizar e secularizar o país.Mas quem é, ao certo, essa criatura democrática, "aberta", tolerante, saudável, "qualificada", competitiva e sexualmente livre que se pretende (ou não se pretende?) agora produzir? E precisamente de que maneira se consegue produzir esse monstro? Por que método? Com que meios? Para que fins? A isso o Estado não responde.

O exercício que em Portugal por estúpida ironia se chama "reformas do ensino" leva sempre ao mesmo resultado: à progressão geométrica da perplexidade e da ignorância. E não custa compreender porquê. Desde os primeiros dias do regime (de facto, desde o "marcelismo") que o Estado proclamou e garantiu uma patente falsidade: que a "educação" era a base e o motor do desenvolvimento e da igualdade (ou, se quiserem, da promoção social). Não é. Como se provou pelo interminável desastre que veio a seguir. Mas nem essa melancólica realidade demoveu cada novo governo de mexer e remexer no "sistema", sem uma ideia clara ou um propósito fixo, imitando isto ou imitando aquilo, como se "aperfeiçoar" a mentira a tornasse verdade. Basta olhar para o "esquema" da avaliação de professores para perceber em que extremos de arbítrio, de injustiça e de intriga irá inevitavelmente acabar, se por pura loucura o aprovarem. Mas loucura não falta. »

Público, 02.03.2008, Vasco Pulido Valente

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Este blog…

tralaprakiTodos nós, os que alimentamos quotidianamente o manancial de opiniões da blogosfera, sofremos ou, talvez melhor, imbuímo-nos voluntariamente de duas graves responsabilidades ético-sociais: a primeira decorre do perigo sempre presente de que alguém descubra, ao longo de vários anos de publicações, as nossas eventuais debilidades e contradições políticas, as nossas inconsequências programáticas, as nossas posições mais ridículas ou mais escabrosas; a segunda decorre do facto incontestável de que o bom que produzimos será liminarmente esquecido, enquanto o mau perdurará para sempre, nas mais patentes e notórias pastas dos servidores de todo o mundo, manchando todos os dias a nossa reputação de pessoas razoáveis, se é que algum dia, em algum momento, o fomos.

Há na blogosfera uma tendência para preservar o medíocre e o desprezível, ao lado de outra tendência para varrer o que nela se produziu de sublime, de elevado, de íntegro. É como se os pesquisadores de serviço fossem dotados de uma velhaca vontade de evidenciar a toda a gente o desprestígio, a incompetência e a podridão de todos os que diariamente inundam de texto impróprio e imprestável a querida blogosfera, agora transformada num charco de crocodilos desdentados.

Por mim, mais ou menos consciente dos perigos que me espreitam, aceito resignado que me sacrifiquem à pérfida leviandade dos tempos que correm e que celebrem em mim apenas aquilo em que aqui chafurdei no medíocre ou no desprezível.

Este blog perfará, cumulativamente, 1000 artigos e cinco anos de serviço. Isso acontecerá muito brevemente. Depois, reformar-se-á alquebrado, soturno e acabrunhado, compreendendo finalmente que não cumpriu nada daquilo a que arrogantemente se propôs. (Como a vida inteira do seu autor…)

(Imagem do blog)   Post 765  

14 de julho de 2011

Minudências minhas

vinho_tacaA culinária

Hoje apresento-vos uma refeição que se prepara só com vinho. Exacto, uma refeição completa, rápida e saborosa, feita com um belo copo de bom vinho tinto.

Vá até uma boa garrafeira, ou mesmo um supermercado, e adquira uma garrafa de um bom vinho tinto. A marca não importa, conquanto seja um vinho de qualidade superior. Chegue a casa e, delicadamente, pegue num saca-rolhas e extraia a rolha devagar, tentando impedir que algum pequeno fragmento de rolha caia dentro do néctar. Muna-se de um copo grande, balonado, de pé alto, e despeje dentro dele uma boa porção de vinho tinto, mas sem encher, para poder agitar o copo e libertar melhor o aroma desse indizível líquido. Coloque o copo à sua frente. É tudo. A sua refeição está pronta. Bom apetite.

PS. Pode acompanhar com um cabrito assado no forno, arroz, batata assada, uma boa salada mista, melão, queijo, doce, café e bagaço.

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12 de julho de 2011

Um “slow” na esquina

dogEra um velho cartoon de 71, salvo erro: Um baile canino. Uma menina de laçarote e olhos pestanudos sentava-se, calma e descontraída, um pouco irreverente na sua pose de canina provocação, rodeada de uma excelentíssima matilha, tudo gente de pedigree nobre, olhando-se, medindo-se, a ver qual deles tiraria a pequena para dançar. Não falavam, simplesmente se avaliavam mutuamente, em termos de armamento disponível, para o caso de tal assédio poder descambar em rosnado ou duelo, mordidas ou barraco naquele baile de rua. Ela, como já foi dito, entre atrevida e intimamente lisonjeada, apreciava, com um sorriso percepível nos beiços (tanto quanto um sorriso pode ser percepível num focinho de cão), aquela manifestação do mais contido cavalheirismo canino.

É então que, de repente, surge na esquina um vira-lata assumido. Vira-lata, sem dúvida, mas bastante sexy na sua pelagem recém-lavada e escovada, de um brilhante negro-prateado. Aproximou-se do grupo de cavalheiros e dirigiu-se-lhes assim, à queima-roupa: “Algum dos senhores é pai, mãe, irmão, tio, marido, namorado ou primo desta menina?” Enquanto se refaziam da inusitada intervenção do rafeiro, deram por si respondendo em uníssono: “Não!”

“Então, com licença!” – responde o vira-lata, tirando a garota para dançar um romântico slow. (É óbvio que, entre os caninos, aquilo a que chamo “dançar um romântico slow” é, de facto, um acto um pouco mais pragmático e explícito…)

Só não fui mais claro e objectivo, para não chocar o grupo de cavalherios pedigreeados que se entreolhavam aturdidos com os factos descritos…

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10 de julho de 2011

chafurdando por aí…

soberbaEis alguns comentários facebookistas a propósito da notícia sobre o pedido de licença sem vencimento avançado por Sócrates, com o intuito de prosseguir estudos:

UMA:   A ver se aprende alguma coisa! Acho digno sim senhor.

OUTRA 1:  Para quê VENCIMENTO? Tem muito por onde se governar, pela certa!!! Os portugueses já pagaram tudo!!!!!!!!

OUTRA 2:  Com aquilo que roubou aos portugueses, pode-se dar ao luxo de pedir licença sem vencimento.

OUTRA 3:  Será desta que o gajo vai tirar uma licenciatura? Eu não acredito...

1 pessoa gosta disto

UMA: É verdade... Ele está cheio de dinheiro e não precisa de trabalhar, enquanto que muitos, por causa dele, estão a passar fome...

Nada tenho a favor de Sócrates. É até provável que tenha, em algum momento do seu mandato, exultado com a possibilidade de o ver pelas costas. Poderia até ter sido uma alegria esfuziante vê-lo cair, se não tivesse visto logo outro levantar-se. De facto, Sócrates pouco nos ensinou, pelo que não é de estranhar que as pessoas acima tenham feito tanto jus à ignorância, à soberba, à arrogância, ao provincianismo e à canalhice. Se não, vejamos:

UMA- Certamente Sócrates não sabe quase nada, pelo menos quando comparado com esta comentadora, que até sabe usar de ironia de primeira instância (acho digno sim senhor). (Arrogante ignorância)

OUTRA 1 e OUTRA 2- Quem prescinde do seu vencimento só pode ser alguém que roubou o erário público e construiu uma fortuna obscena. (Indicativo de pensamento primário e de provincianismo lorpa, apesar de o facto poder até ser insofismável.)

OUTRA 3- Esta, obviamente, tem uma

licenciatura. Normalmente, estas pessoas têm uma licenciatura refulgente que, quase sempre, deu trabalho e exigiu muito mais sacrifício que qualquer outra das redondezas. Não raro têm licenciaturas a sério, por contraste com todas as outras que foram compradas ou conseguidas à custa de desonestidades diversas e sempre mais ou menos inconfessáveis. (Provincianismo e soberba qb)

1 pessoa gosta disto: (Há sempre mais um cretino que adora este tipo de canalhice).

UMA: Esta garante que Sócrates está cheio de dinheiro. Sabe-o sem margem para dúvidas, visto que ele prescindiu do seu ordenado.

Resumindo: Sócrates é um ignorante que, depois de tirar o pão a muitos portugueses, resolve finalmente ir para a escola a ver se aprende alguma coisa. Obviamente, continuará sem se bacharelar. Pelo menos, nunca se bacharelará tanto e tão bem quanto as mais refinadas bacharelistas da nossa provincianíssima praça, do nosso tão sui-generis facebook nacional.

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8 de julho de 2011

amigos e bicos de mangueira…

amigosJá aqui demonstrei por diversas vezes que os amigos não servem para nada. Gostaria que não pressupusessem de imediato que me sinto desiludido ou decepcionado com as suas supostamente perversas atitudes para comigo. Nada disso. Se pensasse assim, cairia pela base esta minha teoria, uma vez que, nessas circunstâncias, nunca poderia afirmar que eles não servem para nada. Ao invés, teria que concluir que eles servem, pelo menos, para nos aporrinhar a vida. Mas não. Os amigos não servem mesmo para nada. Simplesmente isso. Sem conotações nem antífrases.

Alguns de nós coleccionamos amigos como quem colecciona caixas de fósforos ou cromos de caderneta. Fazemo-lo porque achamos conveniente fazê-lo, já que criamos sobre eles expectativas improváveis que têm a ver com a sua possível utilidade em situações futuras. Lamentável equívoco.

A minha casa está cheia de quinquilharias imprestáveis, do pavimento ao tecto, esparramando-se abusivas por todas as gavetas, armários, prateleiras e baús, usurpando o meu próprio espaço, impedindo-me de caminhar, de respirar, de mudar de vida, de me reconfigurar. Adquiri essas quinquilharias (ou simplesmente as recolhi, condoído), na esperança de que elas um dia me pudessem preencher algum tipo de tédio, de vazio, me restituíssem alguma felicidade perdida, me poupassem algum dinheiro.

Sei, no entanto, que tenho algures, por certo em alguma prateleira inusitada,OLYMPUS DIGITAL CAMERA         exactamente aquele terminal de mangueira que tive que comprar hoje para regar o jardim. Assim como sei que, há quarenta e cinco anos, fiz um amigo rico que me poderia ser útil hoje, subtraindo-me a este meu desconfortável aperto financeiro.

Mas onde diabo está esse amigo? Onde diabo está o terminal da mangueira?

   Post 761    (Imagens daqui e daqui)

2 de julho de 2011

a palavra dos outros

Odete Ferreira   “Auto da Desorientação”  (Primeira Parte)

Gil vicenteEstávamos no ano 2000 e Odete Ferreira produzia toda a obra dramática (e artística em geral) para as Escolíadas do tempo. Obviamente, a sua intervenção saldava-se sempre por vitórias esmagadoras da escola onde leccionava. Espero que a autora me perdoe plantar flor tão nobre em tão modesto canteiro.
Além disso, vou ser um pouco perverso para com os meus leitores e publicar o auto em folhetins, obrigando-os a voltar cá mais vezes. (Não imaginam como caiu a popularidade do Tralapraki, desde a eleição da maioria reaccionária)

Eva:

Chamar-vos aqui eu quero,

Ó sábias almas errantes,

P’ra que digais quanto antes,

Só a verdade, assim espero.

Aqui haveis de contar,

Com vossa arte tamanha,

Se voltamos para o mar

Ou se emigramos pra Espanha

Que Portugal, vinde ver,

Já não tem de que viver.

Ana Lúcia:

(Ouvem-se pancadas na mesa)

Ou lá!

Pedro:

Ah, má hora este é!

Quem é?

Gil Vicente:

Homem de pé!

Gil Vicente, servidor de Portugal

E teatreiro real.

Pedro:

Agora, aramá!

Porque viestes vós cá?

Gil Vicente:

Asinha cheguei aqui,

A este país sem jeito,

Que já não estuda direito

As farsas que eu escrevi.

Ora já não há respeito,

Neste país de farsantes

De ricos e pobretões

De gente que anda a penantes

E de grandes glutões.

Pedro:

Vejo que estais informado!

Que vedes telejornais

E que ledes os jornais.

Eu cá não gosto de ler!

Não estejais arrenegado

Com maus tratos que vos deram

Injustiças sempre houveram!

Eu sou um pobre estudante

Não sou ministro de estado

Não sou jota ou assessor.

Mas olhai que queria ser!

Mas prontos, não sou letrado

Mas não sou ignorante

E hei-de ser um doutor,

Isto sim é coisa séria,

Um doutor lá das finanças

Para gerir as poupanças

Que faça engenharias

Falcatruas, porcarias

Neste país de miséria.

Gil Vicente:

Tu, um dia, seres doutor?

Mas que patranha maior!

Só se fores da mula ruça

No dia que a vaca tussa!

Tu não sabes português

Quanto mais economês!

Ouve bem agora aqui!

Política, é que é pra ti

Não precisas de estudar!

Tu assinas o cartão

Aprendes a bajular

E a dar opinião

Mesmo sendo inconsciente

Dás palpites no jornal

E vais ver que de repente

Ficas intelectual

E quem sabe, Presidente!

Maura:

Eu estou quase a flipar!

Não sou afim de estudar.

Gosto bué de novelas

E da escola das estrelas

Estudar é uma chatice

O que eu queria era ser misse

Quem vence é quem tem espertice

Quem nos outros se marimba

E quem for estrela pimba.

Quem fizer televisão

Pode ser ignorante

Mal falante, parolão

Mas tem o mundo na mão

Eu quero ser desta gente

Ajudai-me, Gil Vicente

Gil Vicente:

Televisão? Dizes tu?

T’ arrenego, belzebu!

Mas...

Se tu queres fazer novelas

E outras coisas que tais

Ó rica, tu diz balelas

“Que giro!” e outras mais

Mete-te no social

Manda foto pró jornal

Vai às festas a Cascais!

Bruno:

E eu, mestre Gil Vicente?

Sou como vós um actor!

Não me quereis fazer um jeito?

Dai-me fama e bom proveito!

Isto não está pr’a culturas

Ser artista é o caraças

O teatro está às escuras

Só o futebol tem massas!

Há-de um actor ter futuro

Ou comer sempre pão duro?

Gil Vicente:

Pede esmola, ora essa!

Sempre disse o presidente

Que um artista não é gente

Se não tem fundos, que peça!

Pra viver também pedi

Um subsídio real

Pisei palcos, escrevi

Porque a arte em Portugal

É tolice que acontece

Se queres na vida cantar

Tens de andar sempre a esmolar

Malhas que o Império tece!

Bruno:

O vosso conselho é duro

Já nem vós nos fazeis rir

O que nos traz o futuro?

Para onde havemos de ir?

Gil Vicente:

Aí não podeis folgar

Muito menos teatrar!

O melhor é emigrar!

Ide pra terras de leste

Para o sul ou pro Evereste

Ou retornai-vos ao mar!

Eu vou-me já pôr a andar

Que este país está de tanga

E vai p’rá guerra fandanga.

(Marcha militar) (continua)

Post 760     (Imagem daqui)

1 de julho de 2011

Passos Coelho a caminho da revolução socialista

PedroPassosCoelhoNo que respeita a ordenados, o recente corte no subsídio de Natal veio, ao contrário do que os sindicalistas quiseram fazer crer, contribuir para uma brutal “socialização” do sistema capitalista. De facto, estes cortes trazem uma redução drástica do fosso entre os ordenados mais altos e os mais baixos. Provavelmente, os sindicatos gostariam de uma maior aproximação entre uns e outros, quem sabe mesmo uma conveniente igualização. Porém, a diferença que separará o melhor do pior natal será, em Dezembro, muito menor do que aquela que os separaria, no caso de não haver cortes. É um passo de gigante a caminho do socialismo e da justiça social, entendendo-se esta como a tendência para o igualitarismo socializante. Este governo é declaradamente socialista! E ponto final.

               

Ordenado

 

Inci-

Corte

Subsídio 

Total

 

Sem cortes,

líquido

 

dência

 

a receber:

a receber

 

receberíamos:

 

 

 

 

 

no Natal:

 

 

               
1000   500 250 750 1750   2000
               
1500   1000 500 1000 2500   3000
               
2000   1500 750 1250 3250   4000
               
2500   2000 1000 1500 4000   5000
               
3000   2500 1250 1750 4750   6000
               
3500   3000 1500 2000 5500   7000
               
4000   3500 1750 2250 6250   8000
               
4500   4000 2000 2500 7000   9000
               
5000   4500 2250 2750 7750   10000
         

DIFERENÇA

DIFERENÇA

6000 EUROS

8000 EUROS

               

  Post 759       (Imagem daqui)