28 de outubro de 2012

Pobre também pode ter um luxozito ao domingo, caramba…

SONY DSCOs amigos perguntam sempre o que está dentro do copito que acompanha o café que costumo servir-lhes. Todos reconhecem o café que tomam cá em casa, é sempre o mesmo, chícara fervida, nespresso dulsão, pau de canela a servir de colher e chocolate preto em barra da nestlé. Um luxo. Ok, eu digo agora o que eles têm bebido no tal copito castanho, e que tanta curiosidade tem provocado. Está nesta outra fotografia aqui em baixo, é Porteira Velha, uma cachaça brasileira de se lhe tirar o chapéu. Et voilá.

Tive que dar a receita do café aos meus amigos, não porque tenha sido tão instado a fazê-lo (que, de facto, fui), mas porque nunca se sabe se não precisarei em breve que sejam eles, por sua vez, a preparar-me o café de que gosto. Isto da memória é coisa que não é de fiar num tipo de sessenta anos. Aí fica. Não esqueçam. É assim que eu quero. Só aos fins-de-semana, é claro. (Durante a semana é a bica água-choca, só para despertar e aguentar até às seis da tarde)...

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      Post 861       (Imagens minhas, outro luxo…)

20 de outubro de 2012

A democracia está de partida? Mas já? Podia beber mais um copo…

Algumas das muitas notícias tortuosas que nos chegam por vias alternativas falam, com insistência maior que a desejada, da iminente suspensão da democracia, esse luxo pequeno-burguês, pelo menos no que se refere a uma das suas linhas avançadas – a liberdade de expressão. No entanto, a liberdade de expressão há muito tempo que se encontra condicionada: há apenas  cinco ou seis opiniões à solta nas sociedades burguesas, todas elas perfeitamente absorvíveis, delas não resultando nenhum perigo sério para o status quo. Ainda assim, três ou quatro destas apresentam-se sempre como socialmente desaconselháveis, pelo que são desprezadas à partida, ficando sempre apenas duas opiniões socialmente elegíveis que, sob uma análise um pouco mais rigorosa, não passam de uma única (tal a semelhança entre as duas), que é sempre a mesma e que vigora desde 1143, refundida, reeditada, aumentada, corrigida, catequizada e promovida ao longo destes últimos oitocentos e sessenta e nove anos.

Quanto a mim, que vivi sem a democracia trinta anos e com ela (vá lá, sejamos complacentes) outros tantos, ainda não entendi muito bem para que me serviu, além de me ter sugerido uma ideia ficcional de que ela ajudaria a melhorar a minha vida real (que é uma carteira mais cheia, uma mesa mais farta e uma cama mais bem frequentada), ideia ficcional que não só não se concretizou, como acabou por prejudicar seriamente o meu crescimento intelectual e hominídico…

Está claro que esse luxo liberal, essa prenda republicana,  me permitiu mostrar quão estúpido eu podia ser por trás da inteligência que parecia ter. E quando a democracia atingiu o orgasmo (que, em minha opinião, ocorreu por volta de 1980, tendo sido, portanto, um orgasmo prematuro, se tivermos em consideração o ano do seu renascimento oficial, 1974) todos nós escancarámos ao mundo e aos quatro ventos a nossa riquíssima estupidez lusíada, em livrinhos malandros, em filmes patetas, em esborratadas telas e mais tarde em blogs mais ou menos imbecis.

Se, como acredito (estou cada vez mais crédulo, e nem sequer escolho criteriosamente o objecto da minha ditosa credulidade), nos for cortado o direito à palavrosa tontearia que nos caracteriza há quarenta anos, poderemos aproveitar o desagradável ensejo de um novo silêncio amordaçado para pensarmos calados. Este silêncio imposto terá que ser obrigatoriamente democrático e transversal, calando primeiro todos os políticos, dirigentes partidários, governantes, deputados, ricalhaços, directores, gestores, opinadores e assessores de tudo o que ainda mexe, e só depois a vox populi. Só depois, mas também, obviamente. A Bem da Nação. Cumpra-se.

PS: Se, depois disto, alguém nos devolver a democracia, tanto melhor. Mas, já agora, que traga salários melhores para todos e um toque de dignidade no papel de embrulho…

     Post 860       (Imagem daqui)

17 de outubro de 2012

Então era tudo a fingir?!

Um dia destes acordamos e está tudo a rir à gargalhada à nossa volta. A princípio pensaremos que é da nossa cara grotesca que se riem (o acto de acordar vem sempre revestido de grande eficácia humorística, pálpebra gorda, crina desgrenhada, olhar aparvalhado, tropeções), mas logo vemos que se riem uns dos outros e afinal não é no nosso quarto, mas na televisão que deixámos ligada a noite inteira. Ao fim de uns minutos descobrimos o Gaspar, o Paulo, o Aguiar Branco a Paula Teixeira, o Miguel dos Cursos, o Santos Pereira, o Macedo, etc, a dizer ao povo, entre ruidosas gargalhadas, que tudo aquilo era uma brincadeira para ver até onde aguentávamos sem nos desmancharmos, uma espécie de apanhados, uma encenação poderosa feita por uns amigalhaços entediados com urgente e pungente necessidade de se divertirem à custa da nossa cara ramelosa, do nosso ar aparvalhado e dos nossos urros contra o governo e a ditadura do capital financeiro.

Vamos depois lavar a cara, pentear a crina e escovar os neurónios, para ver se percebemos melhor. Então era tudo uma brincadeira? Aquilo do milhão de desempregados, dos cortes nos salários, da troika, da ditadura do Passos, da bancarrota, da dívida soberana, do mega-implosivo-orçamento, era tudo uma peça que os rapazes da governança nos pregavam a todos? Então quer dizer que vou voltar a ter o salário inteiro já a partir de logo à tarde, que na verdade nunca tive corte nenhum e que serei reembolsado do que me pareceram cortes, que terei de volta o meu 13º, 14º e talvez o 15º mês, e os feriados de outubro e de dezembro, e o irs reembolsado, e o iva a 6 e 21%, e a escola sem tramoias nem psicopedagogos, e o Crato, afinal, a mostrar que percebe de Educação e que jamais houve submarinos e que afinal o Clio é um óptimo carro para as deslocações na nacinha, e tudo isso agora que eu estava a começar a gostar deste espartanismo todo, que eu estava a entrar, todo contente, na brincadeira que eles inventaram? Ah, não! Quero de volta a austeridade, os cortes salariais, o aumento do irs e do iva, os aumentos da luz e da gasolina e as irresistivelmente cómicas patifarias dos nossos adoráveis governantes.

   Post 859       (Imagem daqui)

14 de outubro de 2012

Nada foi inventado ontem… (1)

coisoEm 1979, um bando de docentes meio esgrouviados (entre os quais se contava este vosso amigo) escrevinhava à mão (e fotocopiava depois uns 30 exemplares) um semanário ricamente ilustrado que continha as mais actuais e comprometedoras reflexões sobre o sistema educativa do tempo. Hoje, enquanto esvaziava gavetas do pó da história, caiu-me entre os dedos este exemplar que, à falta de inspiração e originalidade, me permitirá cumprir as próximas duas semanas de posts aqui no Tralapraki. Digitalizei a capa e passo a apresentar o conteúdo do artigo de abertura, uma profunda reflexão sobre a avaliação do Pedro (na altura, havia mais Pedros que gente, o equivalente actual dos Gérsons e das Samantas). Aí vai:

 

 

A História de João Ruboredo A. Rascaprof

O Dr. João Ruboredo A. Rasca está em profundo transe avaliativo. Há semanas que o perseguem duas (ou mais) opções contraditórias, uma delas fundada na perspectiva permissivista, massiva, construtivista, apaziguadora e a outra na perspectiva rigorosista, elitista, desafiadora, filtradora, seleccionista. E ambas se interpenetram no seu espírito com igual intensidade, de modo que João A. Rasca está mais à rasca que o seu próprio nome, tanto mais que, a cada hora, se juntam mais e mais complexos elementos à parafernália dos seus instrumentos de avaliação.

pedroJoão Ruboredo começou por rodear-se de um montão de grelhas de observação directa, seis resultados de testes sumativos, 28 resultados de fichas formativas, cadernetas de registos avulso, o programa em vigor da disciplina, uma fotocópia com reflexões sobre avaliação, a taxonomia de Bloom, as teorias e Maslow, de Frenet, de Piaget, de Maggi, de Knorr, etc, a Lei de Bases do Sistema Educativo, o Regulamento do Fundo Monetário Internacional, o Aprendiz de Pigmalião e uma fotocópia do Pedro, nº 3 da turma T, do 9º ano, garoto rebelde e inconformista, tanto quanto meigo e dócil, tão fera enjaulada como regato cristalino, cheio de vida, cheio de vícios, cheio de virtudes, cheio de genica, cheio de professores e cheio de sono.” (…)      (Continua)

     Post 858         (Imagens da edição original)

6 de outubro de 2012

manif

SONY DSC                       Ontem, cinco de Outubro, meus três cães fizeram uma manifestação. Passearam-se com cartazes que diziam coisas assim: “queremos de novo a nossa pedigree pal. Estamos fartos de rações baratas”; “leite ao pequeno almoço, ossos às quartas-feiras”; “nada de demoras, frontline a tempo e horas“; “relvados cortados, passeios lavados”; “todas as árvores acessíveis às nossas mijas” (algumas árvores mais jovens foram protegidas com redes dos ataques urinários).

Recebi um mandatário para negociações: o sheik (na foto). Tentei, obviamente, trazê-lo para o meu lado, aludindo à crise e à necessidade absoluta de cortar nas despesas. Fez que não entendeu. Estes meus cães, embora sejam os melhores cães do mundo, são ignorantes e piegas…

     Post 857          (Imagem minha)

1 de outubro de 2012

Mas ela move-se…

O mundo gira, o país mergulha em contradições erráticas e mais de quarenta conjurados mexem-se desconfortáveis nas cadeiras. Afirmam que não sabem qual será o seu papel como patriotas, vendo o país perder a sua independência. Em 1640, irromperam por um salão real adentro e atiraram pela janela abaixo o português vendido Miguel António Borges de Vasconcelos. O mundo gira e os conjurados de hoje mexem desconfortavelmente as bundas nas suas cadeiras de espaldar, obrigados a acalentar a ideia de uma insurreição militar contra este estado de coisas que ninguém ainda soube definir. E de facto, até mesmo um general de cinco estrelas se sente ameaçado pela situação de protectorado em que o país hoje se ajoelha, e também porque o ordenado ou a reformazita ao fim do mês estão a diminuir a olhos vistos e ninguém tem a certeza se eles se manterão amanhã…

Estou em crer que o primeiro sítio onde a tropa se vai apresentar, armada até aos dentes de categórica e convincente dissuasão, não é no quarto da Duquesa de Mântua nem no Rádio Clube Português. Desta vez, a tropa irá para o Continente ou o Pingo Doce tentar evitar o saque dos esfomeados, proteger a propriedade privada e abotoar-se com uma ou outra picanha que por lá esteja à mão de surripiar. (Uma boa picanha, acompanhada de bom vinho tinto maduro é um excelente afrodisíaco para garantir o romantismo da iminente sequela da revolução dos cravos).

Só que, afirmam as más-línguas, o que saiu da Revolução de 1640 não foi, de facto, nada de especial para o povo. Os labregos continuaram labregos e a maioria deles nem notou a diferença entre o Filipe de Espanha e o João de Portugal, ambos quartos. Afirmam as más-línguas que, em 1974, os labregos continuaram labregos, tendo achado ao princípio que já não o eram, mas adquirindo depressa a consciência de que nunca tinham deixado de o ser.

Na medida em que ambas as restaurações (1640 e 1974) tiveram produtos relativamente débeis, é provável que, desta vez, os conjurados de 2012 pretendam ficar com o poder um pouco mais tempo, enfim, para garantir que não cai nas ruas e que não se esfarela todo nas mãos de jovens irresponsáveis da geração iphone. E também porque o poder é como o dinheiro e a alegria – nunca é demais. É bem possível que alguém siga a receita de Manuela Ferreira Leita, essa nobre esquerdista, de deixar o regime democrático em banho-maria por um bom tempo…

A terra move-se. Quanto a este governo, pode não haver alternativa. Mas há tourada pela certa…

       Post 856         (Imagem daqui)