30 de outubro de 2010

a cadeira do poder


cadeirão
Li no amirgã mais um sarcástico texto que nos recorda a semelhança que Eça via entre os políticos e as fraldas. Eça achava, de facto, que os políticos são como as fraldas, que devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.

Discordo em absoluto. Cheiram, claro, (e quase tanto e tão depressa como as ditas) mas isso acontece exactamente porque os eleitos do povo sabem que serão mudados num abrir e fechar de olhos, desalojados das

suas fofas cadeiras em menos de um fósforo (embora quase nunca a tempo de evitar a contaminação do ar, como de facto acontece com as fraldas).

No primeiro dia em que um político senta na cadeira do poder, digamos assim pela tardinha do primeiro dia, por vezes ainda antes das telenovelas que tão artisticamente produzem e encenam, já ele começa a imaginar onde vai buscar o graveto para estimular as suas contas bancárias (as legítimas e as outras, pois claro) antes que o povo se arrependa de o ter escolhido. E corrompe-se e cheira rápido como elas, as fraldas…

A verdade é que deveríamos dar aos políticos lugares robustamente perenes, ou, pelo menos, dar-lhes a ilusão de que o eram, embora não o sendo, obviamente.  Isso levá-los-ia a adiar os primeiros golpes, visto que, descansadamente, pensariam que não haveria urgência tão urgente em afundar o país, tarefa que poderia esperar até o dia seguinte, mês seguinte, ou mesmo ano seguinte, sempre depois das divertidas telenovelas da sua predilecção. É isto, prontos.

(Imagem daqui)

29 de outubro de 2010

a palavra dos outros

abelhas
 

(Imagem do blogue)
Finandos

“Não sei a que causa, comemoração, valor, instituição, idade, parentesco, festividade, ementa, santo, continente, oceano, espécie em extinção, perigo, buzinão, anúncio de candidatura, inauguração, implosão, explosão, doença da fome, doença da fartura, se dedica o dia de hoje. (…)”

In Amirgã 27/10/2010

Para ler integralmente aqui.

24 de outubro de 2010

a primeira negativa a espanhol


 espanhola


(Imagem daqui)

O Pedro Serra, 15 anos e três repetições na sua já arrastadamente longa vida académica, tirou ontem a primeira negativa a Espanhol de que há memória na escola. Foi um alvoroço. É quase como se alguém tivesse tirado uma negativa a Educação Física ou a Moral. Olharam-se mutuamente os professores das outras disciplinas, depois olharam incrédulos para o professor de Espanhol e finalmente mostraram desejo de conhecer o Pedro. O Pedro, esse, olhado com espantada admiração na escola toda (até mesmo pelo Senhor Director), afirmou, com um leve toque de orgulho, que, embora o facto não esteja, na realidade, ao alcance de qualquer um, para ele foi como limpar o cu a meninos…                                

22 de outubro de 2010

homem feio e pobre pode ter razão?

- Um tipo feio e pobre pode ter razão no que diz?

- Se tudo estiver no seu lugar, se tudo for normal e consuetudinário, se as idiossincrasias estiverem todas pacificadas e não houver revoluções, nem motins, nem cataclismos, nem escuridões imprevistas, nem inopinados gelos tropicais, nem reviravoltas repentinas, não.

E não adianta esconder-se, falar só na rádio ou escrever nos jornais por detrás de uma foto falsamente sedutora. A consideração que se possa ter por alguém vem infalivelmente acompanhada da beleza física, seja lá o que ela possa ser e por que campos ela se espraie. Um tipo feio e pobre não tem direito à opinião, a uma hipótese 

medo

de liderança ou a qualquer fatia de sucesso na sua malbaratada vida. As crianças fogem dele, as mulheres evitam-no discretamente e os homens usam-no como moço de recados, escravo contemporâneo ou bala de canhão. Ser feio e pobre em simultâneo é a treva!

                                        (imagem daqui)

17 de outubro de 2010

obsessões do meu ipod (21)

juan manuel serrat Juan Manuel Serrat

Pueblo Blanco – no álbum Mediterráneo, de 1994 -

Si yo pudiera unirme
A un vuelo de palomas,
Y atravesando lomas
Dejar mi pueblo atrás,
Juro por lo que fui
Que me iría de aquí,
Pero los muertos están en cautiverio
Y no nos dejan salir del cementerio.



(Imagem daqui)

15 de outubro de 2010

What happened to my Cauny?

cauny

Não conheço nenhum rapazola da minha idade que não tenha ganhado um Cauny Prima quando fez o exame da quarta. (Tive até a impressão durante muito tempo de que todos os Caunys se destinavam a prendas para a canalha que fazia a quarta classe com distinção, já que nunca via esses relógios no pulso dos adultos).  Eu, claro, também tive um. Corria o Natal de 1960 quando o desembrulhei tremente (eu e não o relógio) de dentro de uma caixa absolutamente mítica. Lembro-me que o passeei pelo café do Senhor Henrique, arregaçando a manga do casaquito de malha Sydney (também prenda de Natal), na esperança de que alguma grande paixão, que por ali jogasse à calha, se deslumbrasse com a cintilação do meu novo e fascinante pulso. Não aconteceu! Mas consolei-me com o sensato pensamento de que um relógio serve tão somente para mostrar as horas e não para as tornar voluptuosas e aprazíveis. (Pensei exactamente isto, embora as palavras só me viessem muito mais tarde…)

(Imagem daqui)

14 de outubro de 2010

Coisa sem


delicadeza (Imagem daqui)

Sei muito bem, José, sei muito bem que não concordas comigo. E sei também que achas que o que penso o penso devagar, superficial, epidérmico, que me falta ver mais fundo, ver mais além, ver mais claro. E que sou um pouco formalista, construído, engravatado, linear, lavadinho, fraco. Que te dá uma hipótese de náusea o barroquismo do que escrevo, a proliferação do óbvio, o intocado respeito pelas minhas sobrevalorizadas vírgulas. Mas eu sou assim, nunca saio de casa sem dois banhos, um de água e outro de meticulosa delicadeza…

10 de outubro de 2010

dois pensamentos dois

professor Proponho, assim, uma atitude minimamente dignificante que, em casos de crise aguda como a que os professores estão a viver, deveria ser tomada de imediato, sem qualquer delonga ou embaraço: libertar os professores dos resíduos de avaliação que ainda permanecem no fundo do copo.



(Imagem daqui)

Se vivêssemos num país normal, com governos normais e linhas de pensamento normais (dotadas de sistemas lógicos escorreitos), a crise e o descalabro económico deveriam conduzir todos os culpados do imbróglio financeiro a uma postura de manifesta e total humildade. Pelo menos. E que essa humildade, saindo deles, contaminasse os que estão logo abaixo, e destes alastrasse para os restantes, sem esquecer alguns professores que, emprenhados das suas funções dirigentes, tanto precisam dela…

Não me parece, no entanto, que esteja a ser esse o caso.

Porém, do que quero falar é da realidade pura e dura: tiraram-nos cento e muitos euros por mês e nem por um momento pensaram em nos dispensar da imposição de assistir a estúpidas acções de formação, levadas a efeito por tipos (na maioria dos casos) detestáveis e

incompetentes que pretendem, na  requentada requintada qualidade de formadores, repor a guita que lhes foi espoliada na sequência da crise fabricada pelos comedores mundiais. Proponho, assim, uma atitude minimamente dignificante que, em casos de crise aguda como a que os professores estão a viver, deveria ser tomada de imediato, sem qualquer delonga ou embaraço: libertar os professores dos resíduos de avaliação que ainda permanecem no fundo do copo, depois de anos de amarga libação. É isso mesmo. Roubem lá os duzentos paus aos professores, mas deixem-nos em paz. Será que ainda há quem ache que, depois de todas as velhacarias que lhes foram feitas, ainda resta moral e sonsice para prosseguir com as abusivas e aviltantes intromissões na sala de aula e a burrocrática acumulação das evidências?

Tenham maneiras, vá lá, em nome de um resto de seriedade que ainda se esconda por aí…

9 de outubro de 2010

obsessões do meu ipod (20)

gal costa

“Aquele Frevo”, Gal Costa, 1998. O frevo é um ritmo brasileiro, originário de Pernambuco e típico do seu carnaval, que apresenta vestígios de marcha e de maxixe, muito popular em todo o Brasil no início do século passado.  Com o tempo, o frevo foi-se ligando à capoeira, de onde resultou a sua dança característica.

(Imagem daqui)

8 de outubro de 2010

Tirar partido didáctico do Farmville


White-grapes
(Imagem daqui)
A verdade é que, desde que surgiu o Farmville, os meus alunos de Inglês dominam melhor todo o vocabulário relacionado com a área temática “Agricultura e Natureza”: grey horses, wine, white grape and blueberry bushels, cows, pigs, plows and bitches são algumas das palavras que eles mostraram conhecer e que aprenderam sem qualquer esforço. É óbvio que nem sempre sabem exactamente o que significam, ou a que situação preferivelmente se aplicam, confundindo arados com almofadas e colocando sempre as palavras wine and bitches juntas nas mesmíssimas situações…

5 de outubro de 2010

um blogger bipolar?

bicicleta
(Imagem daqui)

Apresento-vos o filho do trala, o ligeiríssimo, que já tem dois anos, mas que ninguém conhece. Quando me sentir normal, isto é, moderadamente estúpido, escreverei aqui no trala. Se, por outro lado, me sentir anormalmente estúpido, escreverei no ligeiríssimo. Poderá, no entanto, ser a imbecilidade de tal modo avantajada que alimente a ambos. Neste caso, multiplicarei as camelices (como os profetas multiplicam pães e litradas de vinho) graciosamente pelos dois espaços.

4 de outubro de 2010

Irreverente chatice…

Há momentos em que amuo!

Um dos grandes constrangimentos a que uma leitura (mais ou menos atenta) da blogosfera por norma nos conduz é o que se prende com a avaliação do que se lê. Se há textos que não passam de pura palermice, a qual é observável, sem lupa, logo na primeira linha, outros há que nos suscitam dúvidas que os situam algures numa escala arbitrária entre o génio e a estultícia. Muitos textos têm que ser remetidos para uma avaliação posterior, sendo, na maior parte dos casos, necessário recorrer ao histórico dos blogues para podermos aquilatar da presença ou não daquilo a que vulgarmente se chama  qualidade na mão e na cabeça de quem escreve. Não há na blogosfera uma grelha para avaliação da competência de escrita, nem um critério de autoridade que sirva de referência nesta matéria. Do lado da mediocridade, dá pena assistir à proliferação do inqualificável, 
blogosfera
do desprezível, do grosseiro, do inepto, sem que ninguém possa fechar a torneira dos disparates. Do lado da qualidade, dá dó apercebermo-nos de que tantos blogers inteligentes e cultos, de escrita fluente e bela, se quedam num desconsolado anonimato, exalando o perfume dos seus textos na solidão do despovoamento…

(A democraticidade da escrita na blogosfera é uma irreverente chatice…)

(Imagem daqui)

2 de outubro de 2010

Qual ameaça, Ana?

socrates 
PedroPassosCoelho

(Agora mesmo, na Sic Notícias)

Ana Drago disse que o Primeiro-ministro “ameaçou demitir-se se não houvesse condições para fazer aprovar o orçamento”. Ana Drago enganou-se no verbo. É óbvio que não se tratou de uma ameaça, mas de uma risonha e reconfortante promessa que hoje mesmo soubemos que ficaria também incumprida.

Nenhum líder do centrão jamais ameaça demitir-se, Ana. O que eles fazem quando anunciam ao povo que se demitirão não é uma ameaça. É apenas mais uma tentativa de lhes restituir um esperançoso regresso da felicidade perdida, promessa que logo se esvai mal dormem uma noite sobre ela. Alegria do povo dura um soninho de ministro… Nada mau! Já durou muito menos…

(Imagens daqui e daqui)

O elevador

O Dr. Salgado não sabia ao certo se o descadeiramento do seu esqueleto configurava ou não a tal emergência absoluta, mas, na dúvida, premiu disfarçadamente o botão de chamada e esgueirou-se para dentro da cabina de riquíssimo alumínio, tão logo a porta amavelmente se lhe abriu.


Às seis da tarde de um dia de Setembro ainda quente e arrastado, o Dr. Salgado verificou que não conseguia cumprir a cem por cento a meta a que se propusera desde o primeiro dia de aulas: levar a primeira semana a bom termo, sem desancar ninguém na sequência de alguma repentina e desusada perda de lucidez, sem se queixar de nada, ainda que isso configurasse um projecto demasiado ambicioso, sem ficar afónico ao fim de duas ou três aulas e sem se descadeirar todo, de tanto subir e descer umas escadas demasiado íngremes, feitas por um jovem arquitecto, destinadas a outros jovens, que nada neste mundo parece já feito para os velhos, na medida em que essa opção consubstanciaria um imenso erro financeiro, uma aposta em cavalo que perde, um investimento falido.

Ora, seis lances de escada ainda representam um bom esforço orçamental para o governo e outro tanto de cruzes e de fémures para o Dr Salgado. Teve que se encostar logo ali, no primeiro vão, estendendo os olhos piscos para o alto, a medir o quanto ainda faltava para a sala onde trinta matulões o esperavam para tirar

ELEVADORum sarro com a sua careca luzidia, a sua postura disforme, a sua lentíssima e trôpega locomoção.

E, espreitando na esquina, ao longo do interminável corredor, Salgado arrastou-se até o elevador novo, instalado por um jovem mecanotécnico e destinado nunca o Salgado soube a quem, visto que lhe fora dito tão somente que o aparelho se destinava a ser usado apenas em situação de emergência absoluta. Não sabia ao certo se o descadeiramento do seu esqueleto configurava ou não a tal emergência absoluta, mas, na dúvida, premiu disfarçadamente o botão de chamada e esgueirou-se para dentro da cabina de riquíssimo alumínio, tão logo a porta amavelmente se lhe abriu. Mas entrou quase aterrorizado, por estar a usar sem autorização superior, um luxuosíssimo meio de subir três andares que, sabia-o agora de fonte segura, não lhe estava de facto  destinado.

(Imagem daqui)