31 de dezembro de 2009

Em tempo de crise é que engordam os porcos

porco O ano que passou (enfim, toda a década que passou) foi mau para a democracia e para a saúde. Os moralistas apregoam que não podia (não deveria) ter sido assim, que, em tempo de crise, não se pode roubar o pobre, não se deve olhar os umbigos, não se pode amarrar o burro na seara alheia, não se deve usar de intrujice, de sacanice, de sandice, de patifaria, de canalhice, de infâmia, de pulhice, enfim, da mais hedionda falta de vergonha do acto político de que os mais fantasistas poderiam alguma vez ter suspeitado. Tudo isso se passou em Portugal, na década de zero e, sobretudo, na sua segunda metade.

Mas os moralistas estão enganados. É em épocas de crise que mais se acicata a ignomínia, que mais prolifera a vileza, que mais se ceva a baixeza dos homens…

(Pronto, já fui moralista quanto baste. Agora vou ver se sobrou alguma coisa do jantar dos ricos…)

(Imagem daqui)

30 de dezembro de 2009

Fenprof dá vitória póstuma a Maria de Lurdes

isabel-alcada Maria de Lurdes Rodrigues assiste feliz ao desvanecimento do breve estado de graça da sua sucessora Isabel Alçada. Espreita, de soslaio, como quem diz nem querer ver, e colhe a sua primeira vitória póstuma, servida ainda quente pelas organizações sindicais dos professores. A Fenprof, com o seu ultimato de 20 pontos (cuja rejeição inviabilizará, à partida, qualquer acordo futuro), e a FNE, rejeitando liminarmente a proposta ministerial para a avaliação docente, vêm evidenciar, segundo a ex-ministra, a incorrigível arrogância dos sindicatos e a incapacidade de qualquer educacional ministro/a para lidar com tais energúmenos…

O ego da ex-ministra insufla de vingança: “Eu não fui capaz e a Isabel, tão boazinha, sê-lo-á ainda menos”.

(Imagem daqui)

20 de dezembro de 2009

Speaking day

discurso Era o dia das apresentações orais.

Se há, na disciplina de Inglês, um instrumento de avaliação para o qual os nossos alunos ainda se preparam um pouco é este – o teste de exposição oral.

O tema era o tema da moda – o ambiente. Anos e anos a martelar neste assunto, já ninguém consegue ouvir mais uma palavra sobre ele. Era assim que eu me sentia, à medida que os alunos, um após outro, debitavam os seus três minutos de glória trabalhosamente empinada em casa.

E chegou a vez do Arede. Este, como de costume, nada preparou. Confiou nos seus talentos linguísticos e foi para o estrado. As palavras iam-lhe saindo, poucas e destoadas, muito mais pausa que som, muito mais erro que acerto. Arrastou-se penosamente durante dois minutos… “environmentalism… greenhouse effect… we must save the planet… because the planet is really good … we need it… without this planet we woudn’t live… if you surf the universe you… won’t find another like this… so cool… so blue… so polluted… we have to stop dumping garbage into the water… because if we do, the water gets garbaged… professor, acho que vou ficar por aqui… não me ocorre mais nada de momento…”. “Bem, ainda tens um minuto. Faz um esforço para cumprir os três minutos de teste”. “Tudo bem. E agora, vamos então fazer um minuto de silêncio pela Terra.”

(Imagem daqui)

18 de dezembro de 2009

lowest profile

pobre_animado Meu bisavô era maneta, minha avó era zarolha. Meu pai era moleiro e eu sou, evidentemente, estúpido. Quase todos os meus amigos têm fidalgos na família, benza-os Deus. Eu só tenho singularidades, semi-humanos, semideuses, enfim. Ah, mas o meu avô paterno era narigudo e cantador. Um poeta, um poeta repentista, cantador ao desafio nas manhãs de domingo, na tasca do Cosme, em frente da capela.

Era o ano de 36, Março frio, aguacento, desconfortável. Depois da missa, as mulheres, xailes pretos, tiritantes, pendulares, apressavam-se para casa. Os homens embicavam para a tasca e era preciso que as velhas, num linguajar de escândalo, os viessem buscar para jantar, já pra lá de afogueados do cantaréu e do maduro.

Mas o Sancho, fraco cantador, de rima pobre ou ausente, e ainda assim candidato ao lugar de invejável cantador que o meu nariguento avô ostentava por direito e mérito, forjado em tantas porfias, atirou-lhe assim: “Oh João da Milheiroa / não sei que sorte macaca / Ires casar a Portomar / Ca zarolha do maneta”. Olha no que te meteste!. O meu avô, olhando-o de alto a baixo: ”Se a minha mulher é feia / A tua também o é / E a tua vendeu a crica / Por ‘ma xícara de café”. Silêncio de morte. Mãos às navalhas. Curiosidade geral. Morbidíssima. E o meu avô continuou, calmo: “Foi na feira da Piedade / Meu amigo Zé Maria / Mas se isto fosse verdade / Olha que eu não to dizia.” Abraços calorosos de novo, marcação da próxima cantoria e o caldo de couves quente para repor a flora das barrigas…

(Sabem por que vos contei isto? Porque o meu bisavô era mesmo maneta, minha avó zarolha, meu avô impagável cantador, meu pai moleiro e eu, é claro, sou estúpido…)

Bom Natal.

(Imagem daqui)

7 de dezembro de 2009

carta meio-aberta ao professor meio-fechado

papelada Para me entender a mim próprio, para que tu me possas entender, para saberes o que sempre tentei dizer-te sobre educação neste blogue (sem nunca o ter conseguido), terei que me socorrer disto aqui.

Isto aqui não é nada demais, nada que te interesse sobremaneira. É apenas um programa integral de educação. Coisa sem importância nenhuma, hoje em dia. Lê isto (se as grelhas de avaliação te permitirem um minuto de reflexão) e talvez um dia consigas aceitar que o que se diz aqui nos faz falta porque já não há, porque foi substituído por papelada amorfa e disforme, por uma imprecisa frustração feita de uma provincianíssima vassalagem às novas tecnologias, por uma vivência de mofo e infâmia, entre normativos e minutas, grelhas, relatórios, truncaturas, infopontos e grelhas outra vez.

isto, assim de passagem, porque o que lá se diz não serve os actuais propósitos do ensino, dos ensinantes, dos aprendentes, das escolas, dos ministérios, dos pais, dos filhos, de nenhuma espécie da biodiversidade faunística que ora se move pelo país de A a Z. Lê isto, com um olho na probidade do texto e outro na ligeireza do burrifanço, porque nada do que se diz lá te despertará, tal o estado de dormência em que ressonas. Mas lê.

E depois esquece e tenta mas é tratar da vidinha, espreitando o cada vez mais estreito furo da subida de escalão, nem que para isso tenhas que passar algumas horas a desenvolver as tuas já brilhantes competências de notoriedade e show-off.

Não me leves a mal ter-te mostrado coisa tão enfadonhamente imprópria.

Bom Natal.

6 de dezembro de 2009

Christmas carols…

christmas Natal de novo. Prendas.

Há que fazer uma lista de presentes para dar aos nossos chefes, aos nossos superiores hierárquicos, aos nossos avaliadores. Como a crise está brava e o dinheiro não serve todos os nossos propósitos, há que ser muito selectivo. Nada de dar prendas àqueles que não podem nunca fazer-nos nenhum mal…

Os amigos, os perenes amigos, os que realmente gostam de nós ficam sem prendas este Natal. Neles nada de perverso contra nós se pode engendrar. É esta a razão por que não gastaremos um cêntimo com eles desta vez…

Há, no entanto, um conjunto de pessoas de quem dependemos para continuar a respirar ou comer o nosso bacalhau com batatas na paz de Deus. Esses merecem, é claro, a nossa integral devoção.

(Se eu vou dar prendas ao meu melhor amigo? Claro que não. Desse nada de mau posso esperar… )

(Imagem daqui)

30 de novembro de 2009

Valerá a pena recomeçar?

vida Olá a todos.

Para ser sincero, manter um blog cada vez me parece mais escrever um livro, deixar no mundo um filho que nos perpetue, enfim, contribuir com um arrogante ainda estou aqui, arrogante e provincianíssimo, é claro. A doença e a morte não prestam para nada. O blog sim. Por isso, acho que posso e devo regressar a ele…

Também a vida me parece cada vez mais feita destas pequenas inconsequências. Ligeirezas de alma, limitações do espírito regressam a uma certa mediocridade falante. E arrogante de novo, na sua mundanidade tão querida…

Apetece-lhes regressar e ser de novo voz.

A doença não levará a melhor. Não pode. Não tem a minha autorização. Quero de novo viver, beber um copo debaixo da tília. Deus, como tudo está tão diferente! Mais belo, mais inteligível, mais simples. Como dizer olá, meu, hoje é hoje, e hoje é que é o dia mais belo das nossas vidas. Amanhã não existe em nenhuma cabeça moderadamente módica…

Um abraço a todos.

(Imagem daqui)

10 de setembro de 2009

tristeza Sabendo que tenho alguns leitores amigos mais ou menos constantes, especialmente no Brasil, (constância e paciência essa que muito lhes agradeço e admiro), cumpre-me informar a todos quantos me têm visitado que o Tralapraki será descontinuado por algum tempo, por motivo de doença do autor. Desejo (oh, se desejo!) regressar em breve. Um grande abraço para todos.

(Imagem daqui)

2 de setembro de 2009

O Ex-primeiro-ministro retracta-se

socrates O Senhor Engenheiro José Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal, veio hoje, descaradamente, fazer-se aos votos dos 100 mil professores que entupiram as ruas e praças de Lisboa em Novembro do ano passado, na mais gigantesca manifestação de sempre. O ex-primeiro-ministro falou-lhes ao coração, assumindo que o seu governo andou mal na questão do estatuto e da avaliação docente e prometeu fazer tudo o que estiver ao seu alcance para contentar os professores na próxima encarnação, digo, na próxima legislatura.

Será que Sócrates acha que, com o voto daqueles 100 mil, poderia reunir uma nova maioria absoluta? A hipótese não parece despicienda. E, se, com aqueles cem mil, ele recuperar a maioria absoluta, ele tê-la-á de novo, certamente. É que, conhecendo eu os professores como me parece conhecer, e sabendo, portanto, que são desmemoriados, sabujos e acarneirados, bastará mais uns ademanes adocicados como o de ontem e eles olharão de soslaio para a direita e para a esquerda e concluirão que antes assim que pior…

(Imagem daqui)

1 de setembro de 2009

Eleições e andorinhas

eleiçoesChegaram as eleições. Que alegria!

A alegria da chegada das eleições só é comparável à da chegada das férias e das andorinhas. Adoro eleições. Na verdade, só votei uma vez, em 1975, acho eu, era então um jovem incendiado a escrever como ia ser a minha vida. E tinha sobre ela uma irresponsável e sublime expectativa.

Não me lembro que eleições foram essas, mas sei que foram as primeiras a que compareci. E também as únicas. Achei tudo muito divertido. Votei então num impensável partido de extrema-esquerda. Depois, a vida correu, correu, caiu e machucou-se. Nos joelhos e na esperança. Como qualquer criança. E todos os anos havia a chegada das andorinhas. E houve, depois, regularmente, eleições que eu seguia de longe, cada vez mais perplexo. Mas só as andorinhas melhoravam as nossas vidas…

(Ah! Sabem que mais? Nem as andorinhas…)

(Imagem daqui)

28 de agosto de 2009

três

tres dedos Quando entrar o mês de Setembro, o Tralapraki fará três anos de idade. Mais trinta e três posts e perfará os 500. Para uma produção individual não está mal. Quanto à qualidade, as opiniões dividem-se: eu acho-o formidável; todos os outros o acham abominável. Ficam aqui as três velas. Tímidas. Titubeantes. Tortuosas.

 

(Imagem daqui)

18 de agosto de 2009

Um caso quase verídico

Heaven Depois dos sessenta anos, o Sr. Ricardo Santiago, razoavelmente rico e sempiterno solteirão, começou a construir a ideia de que valeria mais investir no céu do que na terra, na alma do que no corpo. O corpo pendia-lhe para o sono e a terra estava ultimamente a presenteá-lo com mais desencantos e arrelias do que júbilos. Foi por isso que, no passado mês de Julho, resolveu deixar toda a sua fortuna a um desconhecido que lhe entrou pela casa dentro e lhe prometeu um lugar cativo no Paraíso, para toda a eternidade. Fez-se a prova do pleno uso das suas faculdades mentais e a escritura de doação, baseada no facto de não haver herdeiros directos e de que o desconhecido lhe salvara a vida. Foi esse profundo sentimento de gratidão que permitira a transferência para a conta do desconhecido de mais de duzentos e cinquenta mil euros.

Por alguma razão, porém, a Polícia veio a saber deste acto cartorial e, desconfiada, investigou e acabou por trancafiar a alma caridosa do burlão (a alma e o corpo ainda jovem) atrás das grades, devolvendo, na íntegra, a fortuna do Sr. Ricardo ao seu legítimo proprietário e aconselhando este a fazer, de preferência, uma transferência para o Estado, facto que certamente lhe daria sentido à vida e lhe devolveria a felicidade perdida, ainda cá neste mundo.

Seja porque não sabia quem era esse tal Estado, seja porque, sabendo-o, este beneficiário não lhe granjeou confiança, o Sr. Ricardo Santiago nada mais fez quanto à sua fortuna, continuando, assim, condenado à riqueza terrena e sem esperança numa cadeira ao lado de São Pedro…

(Imagem daqui)

10 de agosto de 2009

Intimista

Onde estava eu enquanto estes dois emanavam torrentes de sensibilidade, inteligência e talento? Que vida imprestável estaria eu vivendo? Quereria ficar colado a esses dois aí, feito tatuagem. Enfim, eles estão aí, vivos, e eu também. Por isso, não trocaria o meu tempo por nenhum outro…

5 de agosto de 2009

Mais silly season

No Verão, na televisão, aparecem muitas pessoas que dizem “derivado a”. A silly season é a estação dos “derivado a”.

… a morte e a morte… (2)

morrer Morrer não é passar-se (para os crentes), finar-se (para os cépticos), mudar de endereço (para os utópicos). Também não é estar morto. Morrer é ter consciência da morte e vivê-la, pleno dessa consciência.

Para se ser eterno, é preciso ser louco e perder a consciência de si e dos seus bens, alguns minutos antes que a carapaça resolva deixar de viver.

Todos os homens tentam, ao longo da vida, aprender a morrer. Dir-se-ia que a vida inteira é devotada a essa aprendizagem. Mas isso é treta, meus amigos. Tudo o que os homens devem saber sobre a morte é que é uma espécie de nascimento ao contrário. Todos já passámos por essa prova ultimate – o nascimento, essa coisa absurdamente radical. E sofremos por isso? Sentimos isso? Preocupámo-nos com isso? Claro que não. Para todos nós, o acto radical de nascer foi fácil e inconsequente. Porquê? Por que não nos custou nada o acto violento de nascer? Simplesmente porque foi um acto inconsciente.

A Morte, para ser porreiraça como foi o Nascimento, só pode ocorrer num momento de alienação total. Para que não doa, não se sinta, não exista…

Que a minha seja assim…

(Imagem daqui)

1 de agosto de 2009

Olá, Ti’ Asdrúbal…

velho Se está farto da música do Trala, desligue o rádio, ora, mas, por favor, volte e continue a ler o Trala. O rádio está na barra lateral, logo a seguir ao arquivo do site. Se preferir outra música, escolha um dos outros dois rádios que apresento lá ao fundo da barra lateral. É só clicar em ver rádios. Um deles tem uma selecção de música portuguesa, especialmente dedicada ao senhor. Chama-se Lusa Light. É só clicar, et voilà. Ah, parece que agora tem que instalar não sei o quê. Mas lá diz o que é. É só clicar e instala tudo a que o senhor tem direito.

(Se abandonar o meu blogue, nunca mais abro o seu, palavra de blogger!…  :)  )

(Imagem daqui)

29 de julho de 2009

balanço

balanco Os melhores (os menos maus) do mês:

No meu tempo; Aurea mediocritas; Em nenhum lado vi cerejas

28 de julho de 2009

“…um doente sozinho, de máscara, ia tossindo e criando deserto à suavolta…”                                                    

                                                     Amirgã, 23 de Julho

doente

No meu tempo

No meu tempo não havia hospitais. Nem doenças. Só gripes e sarampos. Nunca se ia ao médico. Era o médico que vinha a nós. Encostava ao nosso peito o estetoscópio gelado e fazia-nos abrir a boca e dizer há. Depois escrevinhava com uma caneta de tinta permanente uma rabiscada mítica e entregava às nossas mães. No meu tempo havia mães, as nossas indecifráveis mães. Ansiosas solicitavam do médico a melhor maneira de nos tirar da cama. No meu tempo as gripes eram todas B ou C ou D e o sarampo era uma estratégia divina para fugir à escola. As doenças que matam só foram inventadas muito mais tarde. E se alguma existia não tinha hipótese connosco…

(Imagem daqui)

27 de julho de 2009

Pontos nos ii

avaliacao2 A avaliação dos Professores não pode basear-se, em definitivo, nos resultados escolares dos alunos. Este ponto parece ser pacífico, já que a própria CONFAP o reconheceu. Ela sabe que alunos estudiosos e empenhados fazem toda a diferença. Ela sabe também que não há estratégia que resulte contra o não quero e o não me apetece.

Se excluirmos um conjunto de tretas imprestáveis de natureza burocrática (como evidências da elaboração de instrumentos de ensino e de avaliação, ou outras da participação na vida escolar, ou do comprimento dos PAAE, por exemplos), ficamos apenas com as aulas assistidas. Pois é. As aulas assistidas para todos estão a bater à nossa porta. Nos próximos anos lectivos, todos os professores encetarão um segundo estágio pedagógico.

Muito bem. Vamos a isso. Quero todas as minhas aulas assistidas e não apenas uma ou duas por trimestre. Quero um formador exterior à escola, competente, da minha área científica, que acompanhe o meu trabalho cinco dias por semana, que trabalhe comigo na escolha de textos e de materiais, na invenção de estratégias contra a indisciplina e a negligência, na elaboração de instrumentos de avaliação, na correcção de testes e fichas, na reflexão e análise casuística.

Ecce avaliação docente. Não admito ser avaliado em duas ou três aulas por um burro maior que eu. O meu avaliador deverá ser menos burro do que eu e rejeitar toda a espécie de albarda.

(Imagem daqui)

26 de julho de 2009

Aurea mediocritas

A criançada, em número de seis exemplares (alguns deles sendo claramente seus), encharcava-se na água alambre da swimming-pool de plástico de três metros. A sogra acabava de aurea medchegar dentro daquele seu inolvidável vestido às ramagens, apregoador de tantas primaveras passadas, e trazia um bolo de noz. A mulher soprava umas brasas para assar uns nacos de carne de promoção. Ele, sentado na cadeira de plástico branco, folheava a Dica da Semana e sorria sereno de alguma novidade política, inconfidência de estrela pop ou baixa de preços, sentindo no ar o cheiro certificado da família e das febras. Uma única preocupação enrugava, de quando em vez, as testas do casal: que algum dos respectivos amantes telefonasse agora, a estragar as alegrias da consoladora e reconfortante tarte de noz familiar…

(Imagem daqui)

25 de julho de 2009

Minudências minhas

poder O poder

Nunca o tive em minhas mãos, nem mesmo para saber de que cor ele é. Mas ouço falar dele desde, pelo menos, 1974. E, aparentemente, raras vezes estacionou ele nas mãos certas, ou, pelo menos, nas mãos menos erradas. O poder deve ser como o dinheiro (que também nunca tive): quem o tem quase nunca o merece, quem nunca o teve nem sequer sabe se é mau viver sem ele, nem se é bom viver com ele…

Nem pensem em um dia me dar poder, ainda que seja um poderzinho limitado, assim do tipo mandar numa ilhota como a do Alberto João. Pensam que eu me ficava por umas alarvidades contra a república, o estado, o governo, o ministério? Nada disso. Eu afundava mesmo. Destituía dos seus lugares todos os políticos, administradores, chefes, directores, capatazes, para colocar lá os meus amigos e as suas esposas (pelo menos as menos feias e as que cozinham bem e que alguma vez me tivessem convidado para almoçar, jantar ou outra).

Isso não seria um governo decente? Claro que não seria, seria apenas mais um governo para cumprir a tradição.

(Isto é mesmo a silly season)

(Imagem daqui)

17 de julho de 2009

Dicas para reconstruir a avaliação de desempenho

avaliacao De acordo com o pretendido, o ministério (o velho ou o novo) terá de seguir uma (ou várias) destas hipóteses: Para uma avaliação generosa, amigos verdadeiros.  Para uma avaliação facilitada, colegas baldas.  Para uma avaliação a nosso desejo, autoavaliação.  Para uma avaliação desastrosa e suicida, colegas inimigos.  Para uma avaliação rigorosa, juízes de fora.  Para uma avaliação verdadeiramente formativa… … esquece.

 

 

(Imagem daqui)

15 de julho de 2009

Em nenhum lado vi cerejas…

tristeza Hoje encostei de novo na beira da estrada para de novo comprar cerejas. Que não, que já não tinha, que o tempo das cerejas acabou…

Devolvi-me à viatura, tão taciturno e triste como tarde de Outono.

É sempre assim: quando as cerejas acabam é como se, de repente, se apagassem os lumes do desejo. É o começo anunciado da subvida, levada a rojo, prostrada a quase morte. Não haver cerejas é como não haver o alento rubro das palavras.

Sem cerejas, como encadearemos as conversas?

(Imagem daqui)

10 de julho de 2009

O Ti’ Asdrúbal

blog O Ti’ Asdrúbal tem 85 anos. É um lenitivo para todos, porque nos empossa da esperança de que se pode chegar à sua idade com o seu vigor e a sua sanidade mental. A semana passada, ajudei-o a instalar o seu acer novinho de 400 euros. Liguei-o à rede global por meio de um serviço adsl que eu próprio decidi pagar-lhe. Melómano, ouve cotonetes clássicas. Devora toda a blogosfera nacional (até este blogue ele lê, imagine) e passa horas a analisar as notícias e os comentários dos jornais online. Hoje pediu-me que lhe ensinasse a criar um blogue. Diz que tem coisas para contar. Não perdi tempo. Cada minuto de demora é uma perda irreparável para o mundo…

(Imagem daqui)

Please, waiter…

waiter Please, waiter, traga-me outro ano lectivo, que este já está morno. Não sei que ano lectivo o senhor me serviu que já está para lá de morto. Olhe, ponha-lhe, por favor, um pouco mais de gás e sirva-mo em copo com asa, para eu saber como lhe pegar. E que tenha um cheiro de dinamismo e de contestação, caramba! Onde já se viu um ano lectivo arrefecer assim, amornar assim, aguar-se assim? …

Ah! O senhor está à espera de mudar de patrão? E o seu novo patrão vai decidir sobre a minha bebida?! Não seja tolo! Conheço muito bem esse seu presumível novo patrão e ele não me suscita mais confiança do que o antigo... Faça o que lhe digo: traga-me a bebida a meu gosto, quer mude de patrão, quer não. Right?

(Imagem daqui)

9 de julho de 2009

Estudos

estudo Um estudo é um conjunto de pesquisas cientificamente orientadas que produzem um determinado número de dados que são depois criteriosamente tratados (por isso se chama um estudo) de acordo com metodologias direccionadas para a obtenção de uma determinada verdade que toda a gente já sabia, muito antes de o estudo ser encetado. A grande vantagem de um estudo está, sobretudo, no facto de nos revelar, de um modo científico, exactamente aquilo que já todos sabíamos de um modo empírico, mas que já havíamos esquecido completamente, devido ao tempo que o estudo normalmente demora para concluir coisas. Daí resulta que um determinado facto é conhecido porque nós o vivenciámos. Seguidamente, esquecemos o facto porque tudo o que está sabido a gente esquece e pronto. Aí, alguém resolve fazer um estudo sobre esse facto, para que possamos concluir que já todos o conheciam abundantemente demais. (O estudo só tem serventia para relembrarmos o que já soubemos e decidíramos, por bem, esquecer.)

O exemplo mais sintomático desta imprestabilidade dos estudos é esse recentíssimo estudo (saiu hoje mesmo das cabeças pensadoras) dirigido por um qualquer especialista na área das ciências ocultas da educação (que Deus nos defenda das Ciências da Educação) segundo o qual se conclui, entre outras fulgurantes concludências, que a divisão dos professores em duas classes (a dos titulados e a dos destituídos) semeou a desordem e o caos no jardim do sistema educativo (poxa, isso é que é novidade!). Conclui também o estudo da eminência que esta divisão é artificial e que os titulados foram simplesmente recrutados ao acaso.

(Meu Deus! Porque é que eu não soube disso antes? O que a gente pode aprender graças aos estudos não está escrito em estudo nenhum…)

(Imagem daqui)

3 de julho de 2009

Afinal, Bernardino, em que ficamos?

bernardino Fazendo jus ao seu subtítulo, o Tralapraki parece ser o único medium que está contra a detonação de Manuel Pinho. Não faz nenhum sentido destituir um ministro pelo facto de ele ter chamado cornudo, ainda para mais em código, ao líder do grupo parlamentar do PC, Bernardino Soares. Toda a imprensa e toda a comandita oposicionista viram nisto um crime de lesa pátria ou de lesa magestade. Em vez de se ter escandalizado tanto, a Imprensa deveria, tão simplesmente, interrogar o ofendido, mais ou menos nestes termos: “Senhor Bernardino, o senhor é realmente cornudo, ou trata-se de mais uma mistificação do senhor Manuel?”  Esta simples Yes/No question aquietaria qualquer ânimo, qualquer que fosse a resposta: “Sim, sou, mas o ministro tem olhos de raia e não vê a mulher vai para três meses” ou “Não, não sou! E se ele quisesse realmente saber onde está a mulher, perguntava-me a mim”.

manuelpinho E é tudo. Encerrava-se aqui o incidente. O ministro ficaria mais uns tempos a fazer rir os portugueses (que é disso que eles precisam), os trabalhos parlamentares seguiriam o seu rumo sem belisco e as (des)honras de todos os parlamentaralhos sairiam intocadas.

Não deixa de ser, no entanto, um pouco ousada (embora, em meu entender, não tanto como outras já conhecidas) a atitude que Manuel Pinho protagonizou. Trata-se de uma “investida” (com toda a propriedade) no campo íntimo de um deputado da nação. Qualquer dia, qualquer membro de um qualquer governo se pode dar ao escândalo de sustentar publicamente que o deputado X usa cuecas de Lycra, o Y adormece agarradinho ao Teddy Bear e o Z ouve os ABBA no carro com os vidros abertos. Isto sim, seria a desmoralização total do parlamento e do país…

(Imagens daqui e daqui)

28 de junho de 2009

Balanço

autoaval Como é, senhores professores? Ainda contestam e estão só calados/cansados, ou já não contestam e estão domados/comprados/vencidos? Concluíram que têm que ser avaliados e que, portanto, antes assim que de outro modo mais sério?

Lembro-me que concluíram da incompetência dos avaliadores. Mudaram de ideias? Conseguiram acreditar nas virtualidades do sistema? Ou o facto de estarem tão calados revelou-se a melhor estratégia para esquecer tudo, e fazer de conta que nada aconteceu?

Ide lá em paz fazer a vossa auto-avaliação, integralmente copiada de um qualquer site ou blogue da Internet, e que o Senhor vos acompanhe. Ele é GRANDE!...

(Imagem daqui)

26 de junho de 2009

Negócios

Isolated red cherries A PT não comprou a Media Capital. Mas eu comprei cerejas.

O meu negócio fez-se sem mediação nem mediatismos, sem ASAE e sem IVA, sob guarda-sol colorido, na beira da estrada da Beira, onde outros negócios (tão ou mais libidinosos que o das cerejas) podem igualmente ser levados a efeito.  O homem que alegremente mas vendeu manteve a sua linha editorial. Tenho a certeza.

(Imagem daqui)

24 de junho de 2009

Resultados inesperados

apoios Uma escola do centro do país apresentou aos seus alunos, no início do ano lectivo, a seguinte proposta: os alunos deveriam frequentar, nas tardes de quarta-feira, um set de aulas de apoio às disciplinas nucleares. Em alternativa a esta proposta, os alunos poderiam optar por manter as tardes de quarta-feira livres.

Os resultados foram absolutamente imprevisíveis: 98 por cento dos alunos optaram pela segunda hipótese. Os professores deitaram as mãos à cabeça, sem entenderem o que tinha acontecido. Eles não conseguiram entender a posição daqueles dois por cento que preferiram as aulas de apoio…

(Imagem daqui)

22 de junho de 2009

Eis que chegaram

cheiro Fresquinhos. Acabaram de chegar por mail a todos os professores as fichas e grelhas de avaliação do desempenho, bem como os documentos que a regulam. Cheirei aquilo tudo ao de leve. Cheirou-me a esturro e fui dormir. Boa noite a todos.

(Imagem daqui)

21 de junho de 2009

O ME sabe da poda

subornoMais melhorias na carreira docente

A abertura de um novo concurso para professor titular, a criação de mais um escalão nesta categoria, a diminuição dos tempos de permanência nos escalões e a atribuição de prémios de desempenho são algumas das propostas do ME.”

In Portal de Educação

A abertura de mais um concurso para titular vai permitir que mais professores ascendam àquele estatuto, comprando-lhes assim as consciências e calando-os definitivamente em relação a todas as injustiças passadas, presentes e futuras do sistema educativo. Todos temos a percepção de que professores inicialmente aguerridos e contestatários da avaliação e do estatuto, se bandearam alegremente para o lado da ministra ao lhes ser atribuído o estatuto de titular. Quando os não-titulares forem uma classe residual, serão, obviamente, isolados e até dispensados sem um esgar de hesitação.

A criação de mais um escalão na categoria dos titulares vai cavar mais fundo ainda o fosso já existente entre uns e outros. De notar que o aprofundamento das diferenças dentro da mesma classe profissional não trará nenhuma melhoria visível ao sistema. Apenas produzirá uma divisão de trabalho desnecessária, inoportuna e inconsistente. A História prová-lo-á.

A diminuição do tempo de permanência em cada escalão só favorecerá os titulares, visto que os outros marcarão passo, por tempo  indefinido, no escalão em que estão, até subirem a titulares, coisa que nunca farão se, por mero acaso, lhes sobrar uma réstia de escrúpulos e de dignidade.

A atribuição de prémios aos professores é a cereja no topo do bolo. O escândalo dos quinhentos paus aos melhores alunos tinha que alastrar aos docentes. Era inevitável. É exactamente o mesmo que colocar no prof, simultaneamente, uma venda e uma mordaça, só que de um modo mais eufemístico e muito mais vantajoso para ele.

Para terminar, pedirei apenas o seguinte: olhem com objectividade e clareza para a escola e respondam:

- Quem trabalha mais, quem mais se esforça para melhorar o rendimento escolar?

A- Os titulares.

B- Os não-titulares.

(Se respondeu A, é porque ainda não abriu os olhos suficientemente, ou já candidamente os fechou...)

(Imagem daqui)

20 de junho de 2009

A palavra dos outros

chico_buarque25011 Encontrei aqui um óptimo texto sobre o último romance de Chico Buarque, “Leite Derramado”. Também já li. De um fôlego só. Está recomendado contra todas as formas da estupidez omnipresente. Veja e ouça aqui o Chico a ler um excerto do seu livro.

17 de junho de 2009

Coisas giras por e.mail

eduques Podem sair  

“A herança que a actual equipa do Ministério da Educação vai deixar é bem pesada. Agora que o tempo de exames está a chegar, a pergunta "Para que servem os exames?" foi colocada pelo Guia do Estudante, distribuído com o Expresso de 29 de Maio, à dr.ª Leonor Santos, que é apelidada de "uma das maiores especialistas em avaliação das aprendizagens" e apresentada como coordenadora científica do Mestrado em Desenvolvimento Curricular na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Que resposta dá essa especialista à pergunta? Num estilo socrático (o do pensador grego, não haja confusões), responde com uma outra pergunta: "Os exames têm por função seriar. Mas até que ponto é que essa seriação permite ter alguma confiança?" Conforme o lead resume, a entrevistada "questiona, ponto por ponto, os pressupostos que sustentam a existência de exames, tal como os conhecemos actualmente". Um estudante que consulte o Guia para obter informações sobre os exames e a melhor maneira de os preparar ficará decerto confundido ao ser informado de que eles afinal não servem para nada, uma vez que não se pode confiar nos seus resultados. E, se pouca vontade tinha de estudar, fica logo sem nenhuma. Por seu lado, a política ministerial de desvalorizar os exames encontra, vinda de uma autoridade académica, uma sustentação teórica. Imagino que o referido mestrado seja frequentado por técnicos do Ministério da Educação... O leitor benévolo poderá pensar que, embora da autoria de uma académica, se trata de uma opinião frívola de fim-de-semana. Pois nem isso. O jornalista informa-nos que a entrevistada "sentiu necessidade de impor a si própria que jamais trabalharia ao domingo. E, ao sétimo dia, aproveita para jogar golfe e tentar melhorar o seu actual handicap de 22 pancadas". Para que serve o handicap? Serve para fornecer uma seriação dos jogadores conforme o seu desempenho. Essa seriação permite medir o desenvolvimento realizado e proporciona aos jogadores metas a atingir. Fiquei a pensar se o progresso desportivo que a referida professora justamente ambiciona não terá alguma semelhança com o progresso escolar que os alunos, em geral, perseguem. E também se o treino que é absolutamente necessário para melhorar no desporto,
salvaguardadas as devidas diferenças, não será comparável com o estudo que é indispensável para passar num exame.
O Ministério da Educação, com a maioria do seu pessoal formado por uma cartilha pseudopedagógica, dá a ideia de que não sabe para que servem os exames. Não existem verdadeiros exames nos primeiros nove anos de escolaridade uma vez que as chamadas provas de aferição não o são ("aferição" é eduquês puro!). Os exames finais do ensino básico, restritos a
duas disciplinas e "bué" de fáceis, podem, mesmo assim, ser substituídos pela via das Novas Oportunidades, com a avaliação limitada a uma "história de vida" e, portanto, de uma banalidade escandalosa. E também os exames no final do secundário podem ser substituídos por provas para maiores de 23 anos de acesso ao ensino superior, onde a fasquia é baixa porque algumas instituições, com a corda na garganta, escancaram as portas com provas que de exame só têm o nome. Que haja alunos que ainda estudem alguma coisa não
pode deixar de suscitar a nossa admiração. A herança que a actual equipa do Ministério da Educação vai deixar é bem
pesada. O pior de tudo não foi, porém, a continuada desvalorização do conhecimento, e do esforço que é preciso para o adquirir, na ilusão de disfarçar estatísticas que nos envergonham. Foi o apoucamento dos professores, que causou um dano grave na educação que vai levar anos a sarar. Para degradar o papel dos professores o ministério não se contentou
com a sr.ª D. Margarida Moreira, o Magalhães e a avaliação "simplex". Também criou o Manual do Aplicador das provas de aferição, que achincalha o corpo docente de uma maneira que ultrapassa o imaginável. Os professores têm de
ler aos alunos: "Podem sair." Como eu compreendo aqueles a quem apetece aplicar essa frase do Manual à equipa que escreveu e divulgou tal documento!

Carlos Fiolhais

(Imagem daqui)

flores Tinha 16 anos. Era um aluno educado, um estudante de sucesso. Enforcou-se ontem num galpão, no fundo da casa dos seus pais. A escola, os amigos, os professores não sabiam o que fazer com a notícia. Que perturbações podem atravessar a mente de jovens normais, saudáveis e aparentemente felizes?

(Imagem daqui)

10 de junho de 2009

Participação de Ocorrência

calças No dia 9 de Junho de 2009, 3ª-Feira, pelas 11H00, no decurso de uma aula de Inglês, receberam ordem para abandonar a sala os alunos número cinco, Carlos Manuel Braga e número oito, João Pinto das Neves, do 7ºA, por se terem envolvido numa espécie de luta, de que resultou a queda das calças de um deles, facto que terá provocado algum constrangimento na sala de aula e nas próprias calças do professor, anos 20, suspensorizadas, que nunca viram com bons olhos tanta devassidão.

Os alunos foram enviados ao gabinete de apoio, com tarefas prescritas: um deles foi incumbido de recolocar as calças o mais próximo possível da cintura; o outro foi incumbido de fazer um trabalho sobre a razão pela qual estas calças da moda não caem mais vezes. Nenhum dos alunos conseguiu completar a tarefa. O professor acabou por se esquecer de lhes marcar as respectivas faltas.

(Imagem daqui)

6 de junho de 2009

Avaliação de Alunos no grupo 330 (1)

Ora aí está ele. Já veio para ficar o e-Portfolio

eportfolio Lê-se, no blog de Domingos Oliveira, o seguinte: “O e-Portfolio é uma apresentação multimédia realizada pelo aluno e com materiais seleccionados por este e que mostra uma visão enriquecida e estruturada do processo de desenvolvimento e aprendizagem do aluno.”

A partir da mesma publicação, soubemos, entre outros disparates, que Jones & Shelton, 2006, 18-19, ainda se espreme mais para enaltecer o e-Portfolio: “Os e-Portfolios, como documentos personalizados do percurso de aprendizagem, são, logicamente, ricos e contextualizados. Contêm documentação organizada com propósito específico que claramente demonstra conhecimentos, capacidades, disposições e desempenhos específicos alcançados durante um período de tempo. Os Portfolios representam ligações estabelecidas entre acções e crenças, pensamento e acção, provas e critérios. São um meio de reflexão que possibilita a construção de sentido, torna o processo de aprendizagem transparente e a aprendizagem visível, cristaliza perspectivas e antecipa direcções futuras. (Os sublinhados e a correcção da pontuação são meus).

Não tenhamos dúvidas. A documentação de um e-Portfolio dos alunos dos 7º ou 8º anos (prescrevem e-Portfolios para todos) é organizadíssima e demonstra, claramente, (aliás, poucas coisas serão mais claras que um e-Portfolio, se exceptuarmos a governação socratina) conhecimentos e capacidades. Certamente, demonstrará, pelo menos, os conhecimentos e as capacidades que os alunos copiaram directamente da net, sem sequer terem lido a fonte original.

Ah. Mas eles representam ligações entre acções e crenças, isto é, os professores crêem que o portfolio é do aluno, e o aluno age como se ele fosse, realmente, seu.

Quanto às ligações que se estabelecem entre pensamento e acção e entre prova e critério, lamento desapontar os meus atentos leitores mas esqueci completamente o que isto poderia, eventualmente, significar.

Mas eles são, obviamente, um meio de reflexão que possibilita a construção de sentido, sim, de sentido único, o sentido da mediocridade medular.

A aprendizagem tornar-se-ia transparente, de facto, se ela, eventualmente, existisse…

O que é que esta gente pretende? Quem pretende esta gente enganar? Que prazer terá esta gente em se enganar a si própria?

(Os meus sinceros agradecimentos a todos os idiotas do ensino-aprendizagem que me permitem irritar-me todos os dias. Isto prolonga-me a vida, muito para além do meu edema…)

(Imagem daqui)

Religião e Ciência

religiao Entre a religião e a ciência, prefiro a religião. É muito mais fácil e agradável curar um cancro do fígado com um milagre do que com quimioterapia.

(Imagem daqui)

5 de junho de 2009

Concurso de poesia

Poesia Fui convidado para júri de um concurso de poesia adolescente. Passei o fim-de-semana a ler imagens romanticistas de pimbosíssimo lugar-comum, cheias de luares fúlgidos e de pétalas macias, de perfumes oníricos e de corações e de maresias. Uma náusea.

Escolhi um que dizia assim:

À minha gaija boa…

“A prof de Química

pôs-nos lá fora

por causa da química

de quem namora…”

Fui excomungado por todos os papás e mamãs e definitivamente escorraçado de todos os júris de concursos passados e futuros até à quinta geração…

(E o pior é que o poema que fiz ganhar nem sequer tinha concorrido. Tinha sido infiltrado abusivamente por um aluno doidivanas e valdevinos…)

(Imagem daqui)

1 de junho de 2009

Suicidário

suicidio A partir do próximo dia 6 de Junho, é muito provável que comece por aqui mais uma rubrica sobre avaliação de alunos no grupo 330. Àqueles que, como eu, têm alguma dificuldade em suportar este tipo de assuntos, aconselho que, prudentemente, se desviem quanto baste. Estratégia suicida esta, quando o Trala está a passar uma crise de leitores sem precedentes. Nem sei em nome de que devassa potestade teimo em os afugentar.

Um grande abraço… e desculpem.

(Imagem daqui)

27 de maio de 2009

Participo o meu particípio

tristezaDeus! Mais um Bloco Central e eu bloqueio de todo! E bloqueado me remeto ao medo. E calado me calo ao meio. Gelado me arrefeço inteiro.

Arqueado me retorno ao nada...

[Estou fosso! (particípio passo). Merda de poema, puta de vida! (particípia passada, passiva, fanada)]

(Imagem daqui)

26 de maio de 2009

Paralisação

parar Estive paralisado hoje, das 8.30 às 10.00. Senti-me como se, de repente, tivesse sido compulsivamente reformado. Não ficou ninguém comigo. Todos se foram dirigindo aos diversos sectores de trabalho, informando, por conveniência, que não podiam fazer greve, pois isso atrasaria todo o trabalho e reverteria, em última análise, contra si próprios. Compreendo. Foi sempre assim. Até o secretário-geral da CGTP, de ordinário tão confiante, foi adiantando que não esperava grande adesão à paralisação, exactamente devido às mesmas razões. É. As nossas paralisações não substituem o trabalho. Apenas o adiam.

(Imagem daqui)

24 de maio de 2009

repescando tralices

relogio contratempo3 arrepiantes sensações de quase muda perseguição

Em 20 11 07 ainda não se sabia ao certo que ameaça era esta que já pairava no ar. Passados dois anos, já sabemos todos, de um saber perverso e ultrajado. Foi a peçonhenta crise, a ignominiosa avaliação do desempenho, o vergonhoso estatuto da carreira docente e muitos outros descalabros de toda a ordem que arrasaram a vida dos Portugueses.

Para reler aqui, se tiverem paciência…

16 de maio de 2009

Minudências minhas (7)

encho A memória

Meu pai era lavrador, mas, nos primeiros frios do inverno, aquietada a faina das colheitas, fazia rodízios para azenhas. Foi num desses dias felizes de há 50 anos que, enquanto desbastava uma pena com a enchó, me contou uma história a que, com visível ar de mistério, chamou “coisas do diabo”.

“Estava um homem afiando um fueiro, tal como eu faço agora com esta pena, quando foi abordado por um estranho que lhe disse que tivesse muito cuidado, que podia cortar o nariz. O carpinteiro achou o conselho muito tolo e continuou o seu trabalho. Porém, o estranho reforçou o aviso: cuidado, que podes cortar o nariz.

- Mas como posso eu cortar o nariz, se estou a afiar um fueiro que está a meio metro de distância dele?!.

- Já ficas avisado: tu vais cortar o nariz!

- Irra que você é burro. Para eu cortar o nariz teria que fazer assim. (Aqui o carpinteiro aproxima a enchó do seu rosto e executa com ela um movimento para exemplificar o único modo como poderia cortar o nariz).

E cortou o nariz.”

É. A nossa memória ri-se de nós, da nossa cara cada vez mais evanescente, do nosso nariz cada vez mais inverosímil.

(Imagem daqui)

8 de maio de 2009

CDL e CII

cdl Os contratos de trabalho dos banqueiros e gestores bancários (enfim, de todos os que têm acesso fácil e privilegiado à massa com que se compram os melões) deveriam contemplar uma cláusula que justificasse a falta ao emprego quando aqueles profissionais acordassem de manhã com uma indomável vontade de fazer uma falcatrua financeira ou um desvio de capitais para as suas contitas pessoais. Chamar-se-ia Cláusula da Desonestidade Latente (CDL) e, no limite, evitaria a bancarrota do sistema capitalista. Não é que eu esteja particularmente empenhado em que o sistema capitalista não caia do cavalo ou não rebente pelas costuras. Por mim, pode até explodir, implodir, derreter, escoar-se, petrificar-se, que eu não estou nem aí. Mas custa-me por demais ser mais um dos pacóvios que andaram para aqui a ver navios, trabalhando decentemente, cheios de pruridos e de contenções éticas, enquanto uma falange de mafiosos se governou com o meu trabalho de asno e a minha inépcia financeira.

cii Cláusula semelhante deveria ser introduzida no ECD, permitindo aos professores ficarem em casa nos dias em que acordassem invulgarmente estúpidos. Neste caso a cláusula seria chamada CII (Cláusula da Idiotia Imprevisível). É que cachorrice e imbecilidade não são doenças genéticas. São adquiridas socialmente e mais contagiosas que sarna multissintomática.

Por que falo destes dois casos? Bem, do primeiro quem fala é a minha lamurienta e desprestigiada carteira. Quanto ao segundo, caí, desamparado e zonzo, numa reunião de professores contra encarregados de educação e vi quão benéfica teria sido uma quarentena. Chiça!

(Imagens daqui e daqui)

4 de maio de 2009

quarentena

mascara Tenho estado fechado. Por causa da gripe porcina ou mexicana ou lá como se chama essa nova coqueluche. (Ultimamente temos andado a sofrer de pandemonias várias: freeportite A, vitalmoreirite B, crisite C, desempreguite D, campanheleitoralite E, etc. Por isso estive fechado esse tempo todo. Mas agora vou regressar, visto que afinal só houve um caso em Portugal e ainda nem sequer foi caso que se visse. Portugal continua a ser um paraíso onde os vírus não se dão bem. (Nem os corruptos, que também são uma espécie de vírus mas maiores e com barba na cara, embora sem vergonha). Por isso vou regressar. De máscara clínica. Mas vou.

(Fica a ameaça.)

(Imagem daqui)

24 de abril de 2009

Não existe literatura do encómio, meu caro…

literatura1 Sempre que alguém escreveu panegíricos, arrependeu-se um dia. Músicos endereçaram odes triunfais a ditadores de esquerda e de direita e rasgaram as partituras. Grandes Poetas debitaram loas aos seus heróis e descreram de tudo na última página. Dramaturgos sublimes elevaram aos píncaros os seus heróis colectivos e nunca mais foram lidos.

A única literatura que perdura é a da mordacidade. O único texto decoroso e honesto corre contra a corrente. O único poema que nos arrebata é o do ressentimento cristalizado.

Tudo o mais fica aí a perpetuar a mediocridade de quem o fez, a limitação triste da triste humanidade…

(Imagem daqui)

Radio Days

radio antigo Lembraste-te, pois foi… Eu sei que ficaste apaixonado pelo Radio Days. A propósito dos Mass Media que leccionas em Inglês e, mais especificamente, a propósito da importância da rádio nos anos 40, ousaste levar o filme para a aula. Enquanto te deleitavas com tudo o que Allen te propunha, desde a música até os inteligentes diálogos de cena, passando pelos escultóricos receptores de madeira e a guerra dos mundos de Welles, os teus alunos adormeciam lenta e despudoradamente na semi-obscuridade da sala. E tu não entendeste que porra falhou ali.

Ou já previas tudo isso, mas ainda assim apostaste. E perdeste, já se vê.

(Imagem daqui)

Suicídio de nadar

truta Os certinhos que eu conheço (e cada vez conheço mais) nadam da nascente à foz. Eu nado da foz à nascente, como uma truta suicida. E caio directo na boca do urso…

(Imagem daqui)

18 de abril de 2009

Névoa, areia e suplemento salarial

nevoa É um nevoeiro pegado este processo de directorização das escolas públicas! Mal dá para ver a nossa própria estupefacção. Os labregos dos docentes, os pequenos, aqueles que realmente trabalham no sistema educativo, e mantêm, malgré tout, a máquina em movimento, olham para tudo isto com o seu mais recente ar de bovinidade compassiva. E, se alguém liga os faróis e tenta ver além da sua tromba, recebe logo uma mão-cheia de areia nos ditos, que logo o restitui à imbecilidade.

O novo senhor director vai receber um suplemento mensal de entre 600 e 750 euros, enquanto os docentes, estacionados há anos na mediocridade das suas carreiras, vêem multiplicar todos os dias o trabalho imprestável a que estão submetidos e os seus magros salários desaparecerem no dia 10 de cada mês.

Claro, é tempo de contenção. É a crise. E eu, que não vejo tanta crise assim, (pelo menos quando olho para as carteiras de alguns), fico imaginando como o nevoeiro cresce e alastra. areia

Não contem comigo, no entanto, para impugnar nada nem  ninguém. Apenas reclamo o direito de denunciar o escândalo que é um director de uma escola pública ganhar 3.000 euros mensais líquidos, enquanto os que se arranham na sua escola (nas aulas curriculares e nas aulas de apoio e de substituição, não pagas, e leccionadas em cubículos imundos, sem janela nem quadro; nos apoios conhecidos como salas de estudo a que nenhum aluno vai, mas que obrigam à permanência integral do professor; na planificação e preparação de aulas; na elaboração de materiais didácticos; na correcção, análise, avaliação e relatório de instrumentos; nas tarefas burocráticas que todos os dias recrudescem, como a elaboração de testes em conjunto, com critérios de correcção e grelhas de cotação homologadas, e actas e relatórios sobre cada treta que se faz ou deixa de fazer na escola) pouco passam dos 1.000.

Prefiro nevoeiro a areia. Dói muito menos nos olhos…

(Imagens daqui e daqui)