Depois dos sessenta anos, o Sr. Ricardo Santiago, razoavelmente rico e sempiterno solteirão, começou a construir a ideia de que valeria mais investir no céu do que na terra, na alma do que no corpo. O corpo pendia-lhe para o sono e a terra estava ultimamente a presenteá-lo com mais desencantos e arrelias do que júbilos. Foi por isso que, no passado mês de Julho, resolveu deixar toda a sua fortuna a um desconhecido que lhe entrou pela casa dentro e lhe prometeu um lugar cativo no Paraíso, para toda a eternidade. Fez-se a prova do pleno uso das suas faculdades mentais e a escritura de doação, baseada no facto de não haver herdeiros directos e de que o desconhecido lhe salvara a vida. Foi esse profundo sentimento de gratidão que permitira a transferência para a conta do desconhecido de mais de duzentos e cinquenta mil euros.
Por alguma razão, porém, a Polícia veio a saber deste acto cartorial e, desconfiada, investigou e acabou por trancafiar a alma caridosa do burlão (a alma e o corpo ainda jovem) atrás das grades, devolvendo, na íntegra, a fortuna do Sr. Ricardo ao seu legítimo proprietário e aconselhando este a fazer, de preferência, uma transferência para o Estado, facto que certamente lhe daria sentido à vida e lhe devolveria a felicidade perdida, ainda cá neste mundo.
Seja porque não sabia quem era esse tal Estado, seja porque, sabendo-o, este beneficiário não lhe granjeou confiança, o Sr. Ricardo Santiago nada mais fez quanto à sua fortuna, continuando, assim, condenado à riqueza terrena e sem esperança numa cadeira ao lado de São Pedro…
(Imagem daqui)
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