Encontrei ontem uma colher de sopa. No fundo de uma gaveta inexpugnável, de alquebrado armário no sótão soturno do esquecimento. Foco, João, foco. É um sótão mesmo, real, soalho rangente, clarabóia, telhas. Mas soturno, sim, convenhamos, e esquecido, time-capsule de um tempo que passou. Uma colher de sopa, de alumínio, ou de prata, ou de estanho. Qualquer coisa menos aço inox. Escurecida e perdida em pensamentos, lágrimas de saudade pendiam-lhe do cabo… Foco, João, foco. Uma colher velha, sem valor. Assim é que é. Uma mão de mulher, mão de trabalho, mão de jeira, mão de carinho, pegava nela nos dias de domingo. Depois da missa. Mexia o oloroso café de uma cafeteira mítica que procurei depois como um louco, mas não encontrei. “Está feito, para a mesa!”. “Vamos ,João?” “Vamo pai, vamo depersa”. Foco, João, foco. O cheiro do café e da segurança, do calor, do aconchego, do tudo que era então. A colher de alumínio, de prata, estanho, a mão de minha mãe, os meus 5 anos, a voz cava e meiga do meu pai, a esperança, o sonho, o futuro. Foco, João, foco.
(A colher velha – time-capsule da alma)
(Imagem daqui)
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