A minha geração foi a Woodstock dormir ao relento e fumar LSD. Levava flores no cabelo e Marx debaixo do braço. Leu Ferlinghetti e Gregory Corso. Olhou de soslaio para a família burguesa e fugiu de casa. A minha geração teve visões apocalípticas e sonhos dourados. Ouviu Coltrane à noite e Judy Collins nas alvoradas. Apaixonou-se por Bardot e amou Heleno Herrera. Cantou com Pete Seeger e Zeca Afonso. Voou a meia altura entre céu e terra, vacilou entre paz e guerra, não aprendeu quase nada. No dia de assentar praça, navegou para o sul sem um lamento. Mas levou a viola junto com a G3. A minha geração exigiu o impossível, assoberbou-se de sonhos, pintou o caneco e as paredes, enriqueceu de quimeras e aceitou resignada uma pensão de sobrevivência. A minha geração foi socialista, comunista, burguesa, liberal, anarquista e demente. Não aprendeu quase nada. Embebedou-se de luzes na boite e de Portinari nos olhos. Inquietou-se com Abel Manta e Paula Rego. Não entendeu Gramsci nem Trotsky. A minha geração quis tudo e tudo destruiu. Achou que tudo sabia e atolou na ignorância. A minha geração não aprendeu quase nada.
(Teve filhos inesperados e deu-lhes um mundo melhor – este que aí se desmorona.)
Post 692 (Imagem daqui)
A seguir: amigo meu é defeituoso…
3 comentários:
Que síntese, João!Eu só acrescentaria um detalhe. À minha geração doía o camuflado das fardas, na despedida. À minha geração quase morreram os olhos com as letras miúdas dos aerogramas. Na minha geração, mães, irmãs, mulheres, souberam de cor a África estropiada, moribunda. Na minha geração,muitas mulheres amadrinharam afilhados que explodiram na picada. Na minha geração, muitas mulheres foram o barco em que os seus homens regressaram.
OF
não me diga que também embarca na tese da geração rapina, aquela que se amanhou bem, rapinou o que pôde e desbaratou o futuro das gerações mais jovens...
Pedro Paes
Não, caro Pedro. Nessa não embarco eu... :)
Abraço.
O autor
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