Aurélio era um empregado tranquilo e ordeiro. Estava à beira da reforma havia vários anos. Quanto mais se aproximava dela mais ela lhe fugia. Ah, a reforma era como aquelas moças esquivas e recatadas de antanho, na sua aldeia, que sempre reagiam com cauteloso recuo aos mais afoitos avanços da rapaziada mais tola. Entre a ansiada (mas assustadora) reforma e as quimeras que teimavam povoar-lhe o fim de cada dia breve, assim se derramava a vida pouca de Aurélio.
Alheara-se das mulheres, descrera dos homens, perdera-se dos deuses.
Aos domingos, via passar as gentes para a missa das onze e sentia desejo de voltar a acarneirar com elas, diante dos níveos altares que lhe perseguiam a memória. Por pura e ameaçadora solidão. Mas nunca o fez, acometido de um pudor delicado ou de algum resto de orgulho que lhe sobrasse de tempos mais briosos.
Ficava, pois, Aurélio, em casa, bocejando monitores, acariciando o gato, estremecendo o futuro breve. Ficava. Passava. Era. (Há-de continuar…)
Post 697 (Imagem daqui)
2 comentários:
Muito bom texto, mas esta frase é genial:
"Alheara-se das mulheres, descrera dos homens, perdera-se dos deuses."
Apetece-me escrever sobre a missa das onze.
Imagina duas memórias, uma de Mira, outra de Trás-os-Montes!
Um dia destes sai.
Amirga
Escreve. Só pode ser maravilhoso. Eu comungarei. Prometo.
jmm
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