Nas aldeias há homens espantosos. Vivi muito tempo na Beira Interior e conheci lá, numa das suas aldeias paradas no tempo, um carpinteiro sábio, homem que em 1985, devia girar já pelos seus 70 anos. Passava tardes a conversar com esse homem. Fotografei-o de vários ângulos, quer no sentido próprio, quer no sentido figurativo, sempre escorado na sua banca carcomida, rodeado das suas plainas, plainetes e garlopas, como se fossem troféus de uma glória improvável.
“Quem trabalha no meu ofício não entende as mudanças do tempo. Nem do tempo que faz nem do tempo da História. Sinto que hoje está mais frio que ontem, e sei que houve uma revolução em Lisboa há dez anos, mas nunca entendi por que essas coisas acontecem. Sempre trabalhei aqui no torno e tudo o que ouço dizer não tem para mim nenhum sentido: nem o fascismo, nem a democracia, nem o 25 de Abril, nem o 11 de Março, nem o 25 de Novembro, nem a ditadura, nem o liberalismo, nem a realeza, nem a república, nem o comunismo, nem o capitalismo. Não sei que coisas são a intriga política, o terrorismo, ou a corrupção. Passo as tábuas no torno, desenho-as a lápis e produzo as minhas obras de arte, mesas e bancos, que me dão o que comer. Sempre foi assim. Mesmo que quisesse entender isso tudo de que me fala, já estou plainado demais para que alguma coisa se me agarre ao cerne.”
Aí está um verdadeiro sábio que não sabe absolutamente nada...
(Imagem tirada daqui)
1 comentário:
É o lado negativo da especialização: aplaina as restantes capacidades de um individuo. ;)
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