Estou muito preocupado. Há dias fui tirar o cartão único. Apanhei no caminho um bocado de chuva e uma ventania de furacão, de forma que cheguei lá com os cabelos eriçados que nem gato assanhado. Tudo digital, pois claro. Assinatura, dedadas, fotografia. Não deu tempo para passar os dedos pelas melenas desgrenhadas e a máquina apanhou-me mesmo assim. Sem contemplações, sem apelo. Ainda percebi algum desassossego que a foto provocou na menina do registo civil, mas nenhum de nós moveu uma palha para substituir a inominável fotografia. Erro fatal.
Nada disto teria importância se estes novos cartões não percorressem o mundo inteiro, até irem parar algures nos EEUU, onde um dedicado funcionário analisa os trombis, as fronhas, enfim, os rostos de tudo quanto é cidadão mundial, a fim de detectar possíveis facínoras e prever eventuais ataques terroristas. Ora se, tanto quanto fui informado, o aspecto físico dos cidadãos é elemento considerável, quase decisivo, para a sua classificação como suspeitos nos arquivos da acção anti-terrorista intercontinental, não sobra nenhuma dúvida de que devo estar, neste preciso momento, numa qualquer lista negra como provável bombista, ou coisa pior. Se juntarem à insana guedelhice da minha foto doze namoradas, dois divórcios e uma vida inteira sem fé nem sacristia, pouco fica que me possa furtar à conjectura final - elemento perigoso para a civilização ocidental. No mínimo.
(Imagem daqui)
2 comentários:
Olha lá, como sou tua amiga e fã da tua escrita (mais um texto magnífico!, também já devo estar na lista negra.
Quando formos dentro, escrevemos um romance a duas vozes.
Of
:) Se essa lista negra contemplasse quem melhor escreve tu serias dela o primeiro nome.
jmm
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