30 de outubro de 2008

Teatro blogosférico

A grelha salvadora

grelha avaliaçao - O Senhor Director dá-me licença?

- Entre, mas olhe que só lhe posso conceder alguns minutos. E isto porque estou de dieta e posso roubá-los à minha hora de almoço.

- É rápido, é rápido. O Senhor Presidente, oh desculpe, o Senhor Director já conhece o nosso avaliador digital, o VerySign 2008 Released 2.06.008 XPTO?

- Já comprei. Custou uma pequena fortuna. Mas que remédio, é a unica maneira de me livrar disto da avaliação, antes de ir para a reforma…

- Perdão, não comprou. O que o Senhor Director deve ter comprado foi certamente o Incredible Evaluater 2008 XPTO, da concorrência. Sem Released, está a ver? E já verificou se o seu avaliador é legal?

- Mas legal em que sentido?

- Ora essa, no sentido de ser absolutamente fiel ao articulado e ao espírito do sistema de avaliação de professores envergonhados em fim de carreira, do Ministério da Educação.

- Sssim, acho que sim, pelo menos já anda tudo aí de pau feito, por tudo que é canto, a testar o tal XPTO.

- Mas já verificou se esse seu sistema está dotado de um anexo para avaliar Portfolios Reflexivos? Claro que não, quando muito avalia um dossier digital, ou coisa pior…

- Bem, ainda não me debrucei seriamente sobre o assunto, mas os meus colaboradores mais directos informam-me que o programa é muito bom: dá as cotas certinhas, cinco por cento, dez por cento, vinte por cento e depois os outros, e ainda os dez por cento de imprestáveis…

- Imprestáveis, disse muito bem. Ora aí está. O meu programa de avaliação não contempla imprestáveis, o que se manifesta muito favorável aos professores e lhes sobe desmesuradamente a auto-estima, um bem precioso em tempo de crise, como o Senhor Presidente, desculpe, o Senhor Director bem sabe. E a simplicidade? Qualquer avaliador, por mais burro que seja, sabe usar o nosso sistema.

- Bom, parece uma proposta muito interessante e salvadora. Vou pensar no seu caso. O seu tempo expirou, peço desculpas. Boa tarde. Dieta, mas nem tanto…

(Imagem daqui)

25 de outubro de 2008

da luta que vale...

A verdadeira luta dos professores passa também por uma urgente auto-responsabilização e uma rápida aquisição de inteligência, sabedoria, coragem e verticalidade (coisas que, de momento, lamento dizê-lo, lhes fenecem), de modo a serem dignos daquilo que um verdadeiro Professor e Homem – Santana Castilho - pensa e diz sobre eles:

santana castilho “(…) E a dissolução ideológica dos professores pela via populista tem procurado ainda, com êxito, identificar e premiar uma nova  vaga de servidores menores – tiranetes deslumbrados ou adesivos - que responderam ao apelo e massacram agora os colegas, inflados com os pequenos poderes que o novo modelo de gestão das escolas lhes proporciona.

A experiência mostrou-me que o problema do ensino é demasiado sério e vital para o abandonarmos ao livre arbítrio dos políticos. “Bolonha”, a que este governo aderiu, ou a flexibilização das formações que este governo promoveu através do escândalo das “novas oportunidades” não se afastam, nos objectivos, dos tempos da submissão ao evangelho marxista, ou seja, os interesses das crianças e dos jovens cedem ante a ideologia dominante, e o resto só conta na medida em que seja eleitoralmente gratificante. Assim, contra a instauração de santanaum regime de burocracia e terror, para salvaguardar a sanidade mental e intelectual dos professores, encaro o protesto e a resistência como um exercício a que ninguém tem, actualmente, o direito de se furtar.”                               Santana Castilho (Professor do Ensino Superior)

(Imagem daqui)

Sobremesa intragável aquela…

gato01 Sexta-feira foi o dia de me chatear. O almoço não tinha sido nenhuma maravilha. E depois aquilo… Já deveria saber que a Dra Maria Coisa de Andrade e Bosta me cai sempre mal depois do almoço. Sobremesa de lascar, amigos, de lascar… E lá estava ela, tresandando a uma pontualidade servil, especada na sala de professores, rodeada por velha cutelaria de aço pardo, colher e faca atentas, solícitas, aquiescentes, burras, burras. Lá estava ela, proeminente como um bolo de bolacha. E falava. Falava de como avaliar os colegas, de como ser rigorosa e séria nessa nobilíssima tarefa, e de bolachas...

Tive que a subtrair ao meu enfado, desmantelando-a, embrulhando-a logo ali num guardanapo de pura indiferença.

(Só não a atirei pela sanita porque iria entupir a única verdadeira evasão do lixo que este prédio acolhe…)

(Imagem daqui)

22 de outubro de 2008

ouvido aqui - E o colega? Fez teste diagnóstico?

- Hmmm… creio que não. Mas, se for preciso, fiz.

                  (contado por Rogério Cunha)

cabruuummmm

cabrum cabruuuuuummmm! ops, que foi aquilo? o onze de setembro? o pinto caiu das escadas? a ministra caiu da cadeira? o socras tropeçou no governo? cabruuuummmmm! ah, fui eu. nunca imaginei que pudesse ser tão visível, audível, ostensivo, patente, detonante, acre. mas sou. partes de mim suspensas do tecto, outras escorrendo bueiro afora, outras minudências minhas fabricando suas próprias deflagrações em cadeia. cabruuuum. cabruuuuuum. cabruuuuum. etc. etc.

(Imagem daqui)

18 de outubro de 2008

É um não docente que assim fala…

…e, no entanto, ou por isso mesmo, eu, que sou docente, não me importaria de ser avaliado por este homem. Nele confio. Em muitos dos meus colegas de profissão, nem tanto...

avaliacaodesempenho “(…) Ao contrário da convicção dos responsáveis pela área da Educação, considera-se que não é legítimo subordinar, mesmo que em parte, a avaliação do desempenho dos professores e a sua progressão na carreira, ao sucesso dos alunos e ao abandono escolar (Decreto Regulamentar nº 2/2008, Artigo 8º, ponto 1, alínea b), desprezando-se uma enormidade de variáveis e de condicionantes que escapam ao controlo e à responsabilidade do professor, tendo em conta a dificuldade fáctica em ponderar, objectivamente, a diversidade e a incomparabilidade de casos e situações. Desta forma, criam-se condições desiguais entre professores. (…)”

“(…) É, pois, perante todos estes argumentos que o Conselho Pedagógico toma a decisão de suspender a sua participação em toda e qualquer iniciativa relacionada com a avaliação do desempenho à luz do novo Modelo de Avaliação do Desempenho na defesa da qualidade do ensino e do prestígio da escola” (…)

Extracto de um texto de José Carlos Lopes  (Representante dos Não Docentes no Conselho Pedagógico do Agrupamento de Escolas de Ovar)

imagem para linkar texto

Clique para o texto integral

(Imagem daqui)

No encalço de Dermeval Saviani (2)

motivaçao Não é fácil motivar para a aprendizagem. Aliás, não existe isso de motivação, pelo menos na asserção de uma motivação extrínseca ao aluno, fabricada pelo professor, utilizando um sem número de enviesadíssimas técnicas para a obtenção de uma sedução artificial. Na perspectiva de muitos estudiosos do processo, a construção técnica de uma sedução pela escola e pelo conhecimento simplesmente não existe. A motivação para o saber tem de residir na escola e no aprendente desde o início, precedendo ambos. A escola e o saber ou são definitiva e intemporalmente sedutores ou dificilmente as nossas idiotas manobras de sedução conduzirão a algo que se pareça com o verdadeiro papel da escola e com uma séria, útil, honesta e credenciada intervenção dela na sociedade. E esta intervenção inclui a elevação de um aprendente do nível espontâneo e empírico ao nível elaborado, científico e filosófico capaz de permitir um percurso até ao entendimento…

(Imagem daqui)

repescando tralices

clock3Em vez de PC's, deem-nos bússolas...

26 10 07

Sobre a desorientação provocada pela indefinição de objectivos para o sistema. Hoje, parte dessa desorientação foi mitigada. Depois de muito penarem, os professores parecem ter finalmente entendido o que a equipa educacional deseja para o país. Ou seja, passou-se da meia verdade à verdade insofismável da mentira.

bilu bilu...

parabens Outubro 04, 2006

Foi quando nasceu o “Tralapraki”, ainda na maternidade http://tralapraki.blog.com. Pai desnaturado, que deixou, pela segunda vez,  passar desapercebido o aniversário do seu pobre rebento…

15 de outubro de 2008

Rituais

mijar Era um homem que só fazia rituais: acendia velas, fumava cachimbo, ia à missa, passeava o cão, tomava café, lia o jornal, sentava-se no engraxate, dava corda ao velho relógio de parede, falava do tempo, cheirava a comida, decantava o vinho. Guardanapo, sempre de pano, sobre o joelho direito, pousava os cotovelos sobre a mesa e ficava duas ou três eternidades tamborilando, rodopiando, estalando os dedos grossos em frente das ventas dos comensais. Sorvia a sopa com estridência impositiva, encavalitava montões de espinhas na borda do prato. Pacientemente, construindo com elas hipotéticos puzzles.

Entrava em todo o lado com o pé direito. Se se enganasse, saía e entrava de novo. Muitas vezes esta fronteira entre o dentro e o fora eram só linhas imaginárias que ele teimava em fabricar. Usava papel mata-borrão desde 1954 e, quando no ano passado lhe foi impossível adquiri-lo na velha papelaria do Senhor Abreu, benzeu-se em desespero e marcou uma entrevista com Dona Marianita. Estas idas regulares à bruxa da Videira eram sempre marcadas pelo ritual da mola-de-roupa: a bicicleta reluzente, a calça boca-de-sino e o colocar metódico e um pouco histriónico da mola na dobra da perneira das calças. Assobiava Moonlight Shadow em todos os sítios e situações. Ele dizia que era Moonlight Shadow e, de facto, parecia-se muito com Moonlight Shadow, pelo menos nas pausas. Acabei de vos apresentar o Zé da Albina, mas já não me lembro a que propósito…

(Ah, lembrei: obrigou-me a mijar com ele ontem, atrás da capela...)

(Imagem daqui)

No encalço de Dermeval Saviani (1)

demerval Reunião looonga, bocejo looongo, corredor looongo… Num dos extremos do velho corredor, uma jovem empregada passava a pano o vasto mosaico do chão. Aproximei-me e senti, revigorado, o perfume a lavado que o seu trabalho rescendia. Pela primeira vez em cinco horas nessa tarde, senti que alguém naquela escola fazia alguma coisa bela, conveniente, inadiável: lavava um corredor. E aqueles professores que nos retiveram cinco horas numa lengalenga institucional, tão medonha quanto impraticável, não mereceram, nessa tarde, a fruição do trabalho dessa jovem. E eu soube logo ali, de um saber certeiro e envolvente, que a escola deve reassumir, com urgência, o seu papel de ensinar alunos, deitando para o caixote mais próximo tudo o que a possa afastar deste propósito. E tudo o que eu ouvi naquela reunião a afasta, irremediavelmente, dele…

(Imagem do site de Dermeval Saviani)

12 de outubro de 2008

A palavra dos outros

É à política e não ao estado que devemos regressar            ("Abrupto", hoje)

crise Pacheco Pereira faz aqui uma análise inteligente sobre a questão da recente crise bolseira e as alegrias e eventuais dividendos políticos que esta actual mancada do sistema capitalista irá trazer a Sócrates e ao partido socialista. Em Pacheco, sempre admirei a coerência interna de um raciocínio limpo, embora não possa garantir que a sua clarividência seja capaz de me fabricar um mundo melhor.

O problema no seu raciocínio de hoje parece-me residir no facto de que nem a crise é capitalista, nem Sócrates é socialista, nem o partido socialista é o que quer que seja, nem mesmo o que Pacheco Pereira está convencido de que ele é. Enfim, nem o liberalismo se afundou, nem o socialismo será instaurado. Esta crise não tem, em termos de sistema económico, nem vencedores nem vencidos. Quem a pagará serão os mesmos de sempre, mas isso não representa nenhuma novidade revolucionária.

Quanto aos dividendos de Sócrates, a ubíqua estupidez lhe atribuirá, certamente, alguns, talvez muitos. Mas acredito que possa por aí haver uma pequena multidão semi-escondida que não votará em José Sócrates nem que a vaca tussa, embora não tenha ainda descoberto em quem votar, pelo simples facto de que não há.

(É que, por vezes, do meio de um monturo de camelices bastardas, podem nascer as flores inesperadas de uma vibrante e indómita inteligência…)

(Imagem tirada daqui)

10 de outubro de 2008

Nunca confie plenamente nos animais domésticos

jose gil José Gil, no Radar Ensaio (Visão, 2 de Outubro de 2008), fala assim da domesticação dos professores: “Assim começa a interiorização da obediência (e, um dia, do amor à servidão). (…) São técnicas terríveis de dominação, de castração e de esmagamento e de fabricação de subjectividades obedientes.”

José Gil tem toda a razão. Os professores foram domesticados. (Também o meu burro o foi. Mas foi no exacto momento em que o dei por irredutivelmente manso que levei dele o maior coice da minha vida. Inesperado e demolidor, tanto quanto o pode ser um coice colectivo de 200.000 patas domesticadas.)

9 de outubro de 2008

Aula de Ingreis

may i - Meia cabine?

- Sorry… What is that supposed to mean?

- Num entendo. Meia cabine, ou não?

- Mas o que é isso de “meia cabine”, ra-

  pariga de Deus?

- Estou a pedir para entrar, claro. Daaaa…

                        (Contado por Rogério Cunha)

(Imagem tirada daqui)

6 de outubro de 2008

A palavra dos outros

karla

Angu Dadá Australopitecus 

Quando se descobre uma grande escritora não se pode ficar, placidamente, sem um sobressalto, olhando o umbigo. Por isso vos trago hoje, vindo da outra margem do mar, este arrepio.

3 de outubro de 2008

Uma história verdadeira…

saudade 

- Mas olha lá, tu gostas dele ó não?

- Mas ele é muito criança pra mim.

- Não é rico. Tem terras… e o pai botou-o a estudar. E tu não dás prós estudos e também não tens grande fazenda. Eu acho que ele pode ser alguém.

- Mas é tão pequeno ainda…

- Ele crece

Assim que soube que mãe e filha falavam dele, esgueirou-se sorrateiro e esqueceu o diálogo. Quarenta anos depois lembrou-se disto e sentiu uma inóspita vontade de lhe contar. Mas agora ela era um esqueleto soterrado há trinta anos, desde que guinou o MG do pai ribanceira abaixo. E ele ia morrer em breve sem mesmo conseguir pagar o T0 dos seus estreitos sonhos.

Em que repartição se resolvem estes casos?

(Imagem tirada daqui)

2 de outubro de 2008

A minha cobardia reside nisto

cobardia Ao longo de alguns anos me agastei por aqui contra quem fez o mundo, os homens, o sistema capitalista e todas as demais encanzinações do universo. A minha falta de mira na detecção dos culpados de todo o mal que há no mundo não é só estupidez. É, sobretudo, cobardia. Quase sempre atribuo todas as culpas à Natureza, à potestade suprema, enfim, a Deus, porque sei que Ele não lê blogues, ou, pelo menos, este. (Há, ainda assim, um potencial perigo de eu vir a ser enquadrado judicialmente pelas minhas invectivas contra o Criador. É o facto de alguém mais perto da minha essência comezinha tomar as dores de Deus e disparar, em Seu nome, um anátema fodido contra mim.)

Quando aprenderei a dizer que os culpados da merda desta sociedade putrefacta estão muito mais perto de mim do que Ele, e lêem blogues, e sabem quem eu sou, bem mais do que eu poderia imaginar e, porventura, desejar?

(Imagem tirada daqui)