Era um homem que só fazia rituais: acendia velas, fumava cachimbo, ia à missa, passeava o cão, tomava café, lia o jornal, sentava-se no engraxate, dava corda ao velho relógio de parede, falava do tempo, cheirava a comida, decantava o vinho. Guardanapo, sempre de pano, sobre o joelho direito, pousava os cotovelos sobre a mesa e ficava duas ou três eternidades tamborilando, rodopiando, estalando os dedos grossos em frente das ventas dos comensais. Sorvia a sopa com estridência impositiva, encavalitava montões de espinhas na borda do prato. Pacientemente, construindo com elas hipotéticos puzzles.
Entrava em todo o lado com o pé direito. Se se enganasse, saía e entrava de novo. Muitas vezes esta fronteira entre o dentro e o fora eram só linhas imaginárias que ele teimava em fabricar. Usava papel mata-borrão desde 1954 e, quando no ano passado lhe foi impossível adquiri-lo na velha papelaria do Senhor Abreu, benzeu-se em desespero e marcou uma entrevista com Dona Marianita. Estas idas regulares à bruxa da Videira eram sempre marcadas pelo ritual da mola-de-roupa: a bicicleta reluzente, a calça boca-de-sino e o colocar metódico e um pouco histriónico da mola na dobra da perneira das calças. Assobiava Moonlight Shadow em todos os sítios e situações. Ele dizia que era Moonlight Shadow e, de facto, parecia-se muito com Moonlight Shadow, pelo menos nas pausas. Acabei de vos apresentar o Zé da Albina, mas já não me lembro a que propósito…
(Ah, lembrei: obrigou-me a mijar com ele ontem, atrás da capela...)
(Imagem daqui)
Sem comentários:
Enviar um comentário