5 de março de 2011

Já fica avisado: não leia este.

(Aborda temática eventualmente desconfortável)

cruzNão digo que seja bom, que não é. Morrer é sempre algo muito desagradável, até mesmo um pouco incómodo. Mas morrer e ser logo enfiado dentro de um caixote, ainda morno, (“morno” qualifica o morto e não o caixote, evidentemente) é francamente mais claustrofóbico do que deixar as pessoas em paz, nas suas salas de estar, habituando-se, paulatinamente, à ideia do inevitável caixote. Além disso, já viram quantos de nós se voltam ao contrário, durante os dois dias que se seguem ao enterramento? É só reabrir o caixote, et voilà, o tipo pôs-se de lado.

Cá por mim, podendo escolher o modo de deixar de fumar, preferia que me acontecesse como tem vindo a acontecer ultimamente a alguns sortudos: a pessoa morre em casa e ninguém a chateia. Fica ali, na sua casinha, no seu sofazinho, televisão ligada e pezinhos quentes (bem, quentes é um modo de dizer, mas qual o problema se não estiverem?), sem uma preocupação, ainda que se tenha esquecido de pagar o meo. Repito: por mim, quero que me deixem ficar sentado no sofá de couro castanho, junto ao candeeiro, com a televisão ligada na sic dez horas, e um gato pachorrento ao colo, pelo menos enquanto ele aguentar.

Já não falo, evidentemente, em ficar oito ou nove anos ali, com os diabos, isso seria incompreensível exagero e poderia até revelar-se inútil. (Se isto, eventualmente, acontecer comigo, mudem-me o canal ao fim de dois ou três anos, está bem?). Está certo, nove anos será demais, mas deveriam dar-nos, ao menos, umas férias post mortem de uma ou duas semanas, para garantir que estamos mesmo mortos. É o mínimo de consideração que merece um tipo que já pagou a renda. Depois, alguém colocaria uma máscara e removeria o morto para um local que ele não conhecesse, o que lhe barraria definitivamente a hipótese de regressar para atazanar os vivos. (Aqui sou absolutamente a favor do apartheid: bares e bordéis diferenciados para mortos e vivos).

Estou quase a acabar, tenham mais um pouco de paciência. Falta só abordar a questão do cheiro. Deve ser uma inconfessável felicidade poder poluir um pouco o ar dos outros, quando definitivamente já não precisamos dele. Deve ser a nossa ultimate vingança contra o mundo. (O meu primo costumava fazer isso quando abusava de feijoada à trasmontana. E divertia-se que nem um tarado, embora todos o deixassem logo sozinho na sala, no mais absoluto isolamento. Sozinho, mas sempre a rir muito… lembro-me muito bem.)

Post 711   (Imagem daqui)

3 comentários:

Anónimo disse...

hilariante! E ainda bem que esse senhor não é meu primo!!! Marla

Anónimo disse...

Idem aspas. E já agora adorei essa da "epidemia" aqui ao lado. Ainda bem que vai passar. lol Faty

Anónimo disse...

Eu quando morrer quero ser cromado...hehehe. Gostei muito amigo. PG.