4 de março de 2011

Do amor e outros olvidos… (1)

amorTenho um afilhado de dezoito anos que, por vezes, lê as minhas lucubrações tralísticas. Diz que é o seu santo sacrifício semanal, visto que, como o padrinho, deixou de ir à missa aos quinze. Como, obviamente, sente falta de admoestações, penitências e castigos (desde que não doam nem traumatizem, toda a gente os considera absolutamente fashion), o meu afilhado lá se senta uma vez por semana em frente do computador, autopunindo-se com o trala, nem ele mesmo sabe bem de quê. O certo é que, no outro dia, entre um golo de cerveja e outro do Benfica, me atirou à queima-roupa, com esta: “o padrinho devia era falar do amor lá no seu blogue.”

Ora, a dificuldade que um homem da minha idade sente em falar do amor não reside só na ignorância, mas no facto de, nesta matéria, se ter sido sábio um dia e se ter, depois, tudo esquecido.

Nada saber de um assunto nunca foi impeditivo de falar arrogantemente sobre ele. Isso acontece todos os dias e não parece provocar nenhum embaraço, quer a quem fala, quer a quem escuta. Porém, ter consciência de que um dia se dominou profundamente um assunto e sentir que agora pouco sobrou desse conhecimento está a ser para mim um empecilho intransponível. Esse impedimento habita mesmo no facto de essa consciência me avisar de quão parco ficou, com o tempo, o meu saber sobre matéria que sei tão densa, tão inominável.

Mesmo assim, concordei com o desafio. O meu inefável afilhado vai ter aqui um tratado sobre o amor, como nunca ninguém alguma vez escreveu. Mas não agora. Não hoje. Outro dia. Preciso de ganhar tempo, que diacho.

Entretanto, vai continuar a dar contas à sua consciência desportivo-licenciosa, sentando-se, à hora da missa, frente ao computador funesto, lendo contrariado o infame tralapraki…

Post 710   (Imagem daqui)

3 comentários:

Anónimo disse...

Brilhante... hehehehe. Que grande afilhado e que grande tio. Viva o Trala.
Faty

Anónimo disse...

Que delícia de afilhado! Fico a aguardar ansiosamente esse tratado sobre o amor! Marla

Anónimo disse...

Gostei muito da diferença entre a ignorância inata e aquela que se adquiriu pelo esquecimento do saber... São de facto, diferentes, embora o efeito pareça ser semelhante. Muito interessante.
Pedro Lins