É complexo, assintomático e assíncrono o que se vai engendrando na sociedade portuguesa. Estou a falar da altíssima possibilidade de virmos a ter várias formas de mobilização na rua, aparentemente direccionadas, confluentes, unívocas, mas na verdade descaracterizadas, divergentes, desorganizadas, centrífugas. Os partidos políticos terão pouco a dizer a essas iminentes movimentações “populares”, mais ou menos controladas, mais ou menos espontâneas.
Mas é, de facto, muito complexa a situação que se nos oferece. Os dois partidos grandes tentarão, obviamente, colher dividendos dos vários amontoados que calcorrearão as estradas e os caminhos. Afigura-se-me no entanto que, desajeitados no ambiente hostil que para eles é a rua, pouca empatia provocarão nas massas, que se manifestarão com algum fragor e pouca ou nenhuma complacência pela ordem.
Sendo assintomática como me parece ser, a insurreição poderá surgir completa e pronta, sem que ninguém a tenha visto entrar. Sendo, porém, assíncrona, visto que forjada nas redes sociais, levará tempo a amadurecer e adiará repetidamente a sua eventual eclosão. Neste caso, não será presumível que aconteça uma sublevação nacional decente antes do Carnaval (do próximo ano bissexto).
Tenhamos, no entanto, por garantido que ela surgirá um dia desses. Como disse, não nascerá nas massas uma profunda simpatia pelos dois grandes partidos, mas também não nascerá nelas um rumo definido, consistente, inequívoco, em relação ao que julgam desejar.
Teremos de tudo nas ruas: velhos salazaristas resmungando um rancor de mais de trinta anos, pequenos empresários descapitalizados, agricultores falidos, pescadores desesperados, professores desalentados, desempregados enraivecidos. Jovens facebookeiros e deolindados surgirão também, assoberbados e rebarbativos na sua primeira revolução panteísta. Um pequeno grupo de velhos revolucionários marxistas e outro de anarco-sindicalistas vesgos juntar-se-ão ao motim, embora não se lembrando mais o que fazer com ele...
Um saco de gatos rolará, então, ladeira abaixo e cairá ao rio, acalmando a irritação colectiva e terminando ali a festa, arranhados, arrependidos e… molhados.
Post 712 (Imagem daqui)
2 comentários:
A tua análise está perfeita. Profética. Assustadora.
Ontem, mesmo, ouvi um desses velhos anti-revolucionários afirmarem, olhos em alvo, afirmarem com toda a veemência:
"Um rais ma parta se o isto não precisa duns líbios!"
Só não creio neste fermento aglutinador de raivas tão contraditórias!
Aquele abraço!
Nem eu creio nisso... Abração.
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