28 de março de 2011

repescando tralices

02-relogioA proposta de repescagem incide hoje sobre uma rubrica então recorrente no Tralapraki, a “Prateleira Anacrónica”, neste caso a do dia 28 de Abril de 2007. Folheava então a Crítica do Programa de Gotha, lido pela primeira vez aos 19 anos de idade, num tempo em que ainda nos era fácil acreditar num mundo melhor…

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25 de março de 2011

dos outros não sei…

jovemDos outros não sei. Mas sei de mim. E não assumo nem migalha de culpa na construção da chamada geração à rasca. Não pactuei com esta geração, quando a vi tratar alarvemente os seus pais e professores. Não embarquei no seu frívolo optimismo, na sua espantosa arrogância. Não a iludi com perspectivas douradas sobre o futuro, não lhe alimentei as boçais sobrancerias. Não lhe acariciei o já desmesurado ego.

Ensinei-lhe o sacrifício meritório e o oportuno sentido da renúncia. Reprovei-lhe sempre o hedonismo exacerbado em que se ia paulatinamente construindo (destruindo?). Vociferei sempre contra as teorias da escola lúdica que, necessariamente, desaguariam numa juventude asinina. Lamento que a geração à rasca não me tivesse escutado.

Agora, eis aí os jovens que o sistema educou. O sistema, que não eu. Ei-los aí, prateleiras cheias de diplomas atestando saberes escassos, poucas aptidões e menos princípios.

Mas não os invectivo. Tenho pena deles, que vogam sem barco nem bússola, num sistema que os traiu vergonhosamente. Tenho pena deles que finalmente praguejam cheios de razão e, contudo, poucos parecem dar-lha...

(E tenho também pena de mim que não posso usufruir, na minha velhice, do que me seria de direito: o consolo de ver uma juventude feliz e bem formada, idónea, responsável e meritória, poderosa, activa e complacente.)

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20 de março de 2011

Chegou a primavera (2)

mimosa

As mimosas recordam-nos que temos que voltar a viver…

chegou a primavera…

PRIMAVERA POST

Um botão de esperança impoluta renasce hoje…

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Pedir desculpa

desculpaOs alunos que apanhei depois de 1985 já apresentavam alguma forma de desconforto quando precisavam de pedir desculpa. Vinte anos depois da revolução dos cravos já todos pareciam ter apenas direitos e nenhuns deveres. Trinta anos passados e ei-los privilegiados detentores de toda a verdade do universo.

Muitos desses nossos alunos estão hoje a ensinar aos seus filhos, adolescentes de um só sentido, de um monolitismo confrangedor, que o acto de pedir desculpa é uma exibição de fraqueza que não pode fazer senão mal aos espaçosos egos dos seus graciosos e louváveis rebentos.

Muitos políticos que hoje atafulham os partidos, que dormitam na assembleia e se refastelam nos governos ainda apanharam a escola de 85, se não no médio, pelo menos no ensino superior.

Deve ser então por isso que rejeitam tão frequente e veementemente o acto nobre e humano de pedir desculpa, mesmo quando tudo parece indicar que, em determinadas circunstâncias, seria essa a única saída airosa e a mais nobre das atitudes.

Qual será a razão que impede um governo de dizer coisas deste género: “Só sabemos fazer assim, não conseguimos fazer melhor. Se alguém souber, venha cá ensinar e colha os louros. Quanto a nós, ficaremos atentos, disponíveis para aprender e ajudar, se o novo projecto for, realmente, melhor que o nosso.” ?

Quanto a mim, palavras como estas representariam uma enorme vitória de quem tivesse a audácia e o denodo de as dizer sem afectação. E seriam também um passo de gigante na linha evolutiva do menos burro dos primatas. Mas tenho, de facto, dúvidas se significariam o mesmo para a grande maioria dos labregos que atravancam esta jeira…

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19 de março de 2011

Não sei o que isto significa. Foi-me ditado pelo meu gato, à meia noite de hoje.

Nada é hoje demasiado sério. Pouco existe sobre a terra ou nas nossas mentes que não tenda para o grotesco. Não é suficientemente sério o imposto, o salário, o rumo, a vida, a fome, a morte. Não o é o futuro e a inquietação, não o foi o dia de hoje, não o será o que há de vir. Não é austera a dor, venerando o sofrimento, nem o Céu é respeitável, nem o Inferno é grave.

Nossa vida colectiva bamboleia, bêbada, do fútil ao inútil, sem passar pelo sensato, sem atender ao óbvio.

Mas eis que vem um tempo que não se compadece com decadentes frivolidades. Vem talvez um tempo em que o discurso amadurece e a atitude se apruma. Deve vir aí um tempo que imporá rigor nas palavras e limites no gesto. Vem um tempo em que alguém dirá, circunspecto, o essencial.

E nos calaremos todos, porque as palavras que nos eram brandas morderam os nossos lábios…

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18 de março de 2011

Quinze mil Hertz

HertzRecentemente, tive oportunidade de, talvez pela primeira vez, conversar com alguns dos meus alunos numa aula. A turma tinha-se armado em grupo excursionista (há sempre um Portugal desconhecido que espera por si, ou simplesmente uma dormida fora com discoteca ou farra, enfim, coisas apetecidas por alunos e muitas das nossas professorinhas) e ficaram apenas três jovens na minha aula que alegaram não terem tido autorização dos pais para a tal rambóia excursionística.

Sem substrato para dar a aula, o que acham que fiz? Bom, não se pede muito à imaginação hoje em dia. Uma sala linda, bem aquecida e equipada com as mais modernas tecnologias (computadores com Internet, um deles ligado ao já ubíquo quadro interactivo) o que seria provável esperar desta aula? Isso mesmo: estivemos a ouver música (a música hoje vê-se e até parece que, se não se vir, também ninguém a consegue ouvir. Não sei que fenómeno é este, mas adianto que o ouvido está a perder pontos para a visão. É preciso que haja onde prender o olhar para que o ouvido possa cumprir a sua função).

Primeiro propus eu: Clássica (há umas rádios Web excelentes. destinadas a este género). Sonolência dos três alunos. Continuei a propor: Jazz. Foleirice! Continuei ainda: Blues, Swing, Chiça!, de mal a pior. Bossa-nova, Tango, Fado. O tipo é maluco, ouvia-se nos seus pensamentos…

A seguir propuseram eles: Guinchos! Apenas guinchos.

A provar o que disse antes sobre o ascendente da visão sobre a audição, não houve, de facto, por parte dos responsáveis educativos, muito investimento no equipamento de som. As frequências audio naquele equipamento, vacilavam, quando muito, entre os 14000 e os 15000 Hertz. Mas aquilo sim, aquilo era uma maravilha. E eu só ouvia guinchos de 15000 Hz. E aquilo era música, garantiram-me os três, sem reservas!

Que diabo estará a acontecer com a nossa juventude? (Que diabo estará a acontecer comigo?)

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16 de março de 2011

Do amor e outros olvidos (4)

breca

Abraços e embaraços

Há um sem-número de incidentes mais ou menos embaraçosos que podem ocorrer durante o acto sexual. Na verdade, tudo o que não seja o natural e expectável desenvolvimento do processo é embaraçoso. Trata-se de um trabalho meticuloso, exigentíssimo em termos de concentração, que não admite falhas, interrupções ou adiamentos. Ninguém pode, a meio do processo, dizer algo como isto: bom, acho que vou fazer um intervalo para apanhar um bocado de sol.

Todos os órgãos têm que estar meticulosamente afinados, mesmo os que não tenham intervenção directa no acto, como são os casos do baço, do pâncreas ou da bexiga. Estes órgãos, apesar de nunca serem convidados para o sexo, apesar mesmo de o sexo se tornar improvável se um dos parceiros os mencionar ainda que de passagem, têm que estar de boa feição para permitir, em silêncio, que tudo se passe conforme a natureza ditou. E olhem que não é tarefa fácil estar ali a assistir a tudo, sem poder tomar parte… Por uma questão de justiça, devemos agradecer a esses órgãos a sua complacente paciência e solidariedade, sempre que o acto seja coroado de êxito. (Há homens que só agradecem a Deus e se esquecem sistematicamente deles.)

Porém, o maior inimigo de um bom desempenho é a breca. A historiografia sexual está cheia de desastres provocados pela breca. Nenhuma mulher entende isso e, no entanto, a breca é muito mais frequente do que se imagina. Tu levantas-te de repente com uma perna no ar, ganindo de dor, não tens posição conciliatória, nem te ocorre sequer alinhavar uma justificação. Ficas ali apavorado e já nem te preocupas com a tua imagem arruinada. E a tua parceira a achar que não passas de um palhaço e que teria feito melhor se aceitasse o convite do marido para ir visitar a tia Leopoldina. Um nome a riscar do seu cardápio é o que para ela passarás a ser em definitivo. A breca destruiu-te a noite e a auto-estima. Encolheu-te, num só dia, uns bons dois ou três centímetros.

A breca provoca a auto comiseração e o arrependimento. É o primeiro passo para a salvação da alma. Por isso, Paulo, nas tuas próximas conquistas, não peças a deus a presença majestosa da erecção. Pede-lhe antes a ausência da breca…

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13 de março de 2011

O catálogo das economias, por favor…

economiaJá desconfiava. Afinal, os economistas não estudam todos pela mesma cartilha. Creio até que se aninham junto das opções políticas mais da sua feição ideológica, deixando de fora um manancial de conjecturas marginais que nunca serão suficientemente analisadas. Quererá isto dizer que há uma solução para este nosso viver, para este nosso país, só que a solução não consta das sebentas dos economistas consuetudinários. Ela deverá certamente estar em outros paradigmas, muito estranhos à matéria de que é feita a maioria desses dedicados encantadores de serpentes a que chamamos, respeitosamente, economistas.

A economia não é, portanto, uma ciência monolítica, universalmente aceite. Há, decerto, uma economia que me esfrangalha os dias e outra que me garante sobrevivência digna. Há, certamente, uma economia que eu entendo e outra que me ultrapassa. Há, decerto, uma economia liberal, outra social-democrata, outra socialista, outra comunista, outra anarquista, outra feudal, outra pequeno-burguesa. Há, decerto, uma economia dos ricos e outra dos pobres, uma ecológica e outra cega, uma mainstream e outra marginal, uma decente e outra ajavardada.

Devem estar todas aí, disponíveis, no catálogo, à nossa espera. Só não sei porque temos sempre escolhido tão mal…

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12 de março de 2011

este fica sem título…

capitalismoChamemos-lhe capitalismo, por uma questão de simplificação de conceitos, mas poderíamos também chamar-lhe socialismo ou comunismo, embora destes últimos nunca tenhamos conhecido mais do que promessas, vislumbres, na melhor das hipóteses. O certo é que se este é o mundo projectado e construído por qualquer um dos sistemas conhecidos (ou apenas sonhados), não lhes valerá a pena embandeirar em arco. O capitalismo parece, de facto, ter-nos trazido apenas competitividade extrema e ganância a rodos.

Sejamos, no entanto justos! O capitalismo (ou outro modelo que tivesse ganho as boas graças dos cidadãos) não nos trouxe apenas isto. Trouxe também desigualdades vergonhosas, hordas de parasitas coçando escrotos (aqui só posso ser sexista, porque não sei o que mulheres parasitas coçam), bandos de tarados projectando guerras, legiões de desempregados de olhos quietos, povos inteiros condenados à mais aviltante miséria social e humana.

E, sobretudo, o capitalismo (ou possivelmente outro, mesmo de entre os que sonhámos mais perfeitos) condenou muitos de nós, à frouxidão dos ideais, à venalidade da arte, à falsificação da ética, à degradação do pensamento. A necessidade de simplesmente sobrevivermos vem primeiro e é avassaladora. Ameaça despudoradamente aquilo que no homem parece ser essencial: dispor livremente de si próprio, dos seus ideais e dos seus projectos mais nobres, na senda de uma evolução serena, a caminho da felicidade.

Tão arredio nos ficou este cenário, que parece já não fazer falta a uma imensa maioria de nós. Hoje conquistámos o bife e esperamos conquistar outro amanhã.

Na visão de Marx, já estariam hoje institucionalizadas as doze horas de trabalho semanal. Há muito teríamos extirpado dele a odiosa componente esclavagista. Há muito teríamos tempo para a inocência, a experiencia e a imaginação. Ou não.

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11 de março de 2011

Do amor e outros olvidos (3)

SEXO E AMORTemos, no entanto, que decidir entre o amor e o sexo, já que é quase um abismo aquilo que os separa. Na verdade, estes dois conceitos, e mesmo as respectivas substâncias, estão, sobretudo, separados pelo riso. Podes rir-te quando amas, mas não te fica bem fazê-lo quando f___ piiiiiiii (é o apito dos bons costumes).

Aliás, nem dá muito jeito, ou seja, não é necessário, percebes? Sexo é a única diversão que não envolve, necessariamente, gargalhadas. É um excelente divertimento mas a chalaça não é, definitivamente, o seu forte. Há quem diga que as pessoas ficam indefesas, desprotegidas, fragilizadas, mas eu acho que ficam, na verdade, burras. Sustento que as pessoas que praticam muito sexo têm menos sentido de humor, porém muito mais sentido de oportunidade. (E têm também um bocado de sorte, é claro)

Não sei ao certo se foi a Igreja ou o Daniel Sampaio quem tentou fundir os conceitos de amor e de sexo. A verdade é que, em alguns quadrantes, o fundiram até demais, confundindo as limitadíssimas cabeças dos homens. Alguns ficaram sem saber exactamente o que era uma e outra coisa e qual delas seria mais recomendável ou vantajosa, em determinados contextos sociofamiliares. A título de exemplo, a sua confusão foi levada a extremos tais que amaram as filhas com sexo e as esposas sem ele…  (Culpa do Eduardo Sá, da Isabel Stilwell ou do papa... )

E é por isso, Paulo, que muitos acham que o sexo não é lícito sem amor. Mas olha, no dia em que o sexo for lícito não é sexo, é seca, é serviço litúrgico, sei lá…

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9 de março de 2011

É possível almoçar com um erudito?

lunchSou leitor modesto. Possuo em média 60 a 80 livros roubados da Web e armazenados em dois ebook readers. Normalmente dão-me para dois ou três anos. Como possuo os readers há apenas um ano, ainda não esgotei os livros que lá tenho.

Leio devagar. Perco-me nas frases. Volto atrás. Recomeço. Perco-me outra vez. Quando finalmente entendo, descanso. Uma imagem pode dar-me para uma tarde inteira. Refresco-a à noite e sonho com ela. Leio pouco, de facto, muito pouco.

Tenho literal pavor de livros grossos ou demasiado densos. Evito-os acintosamente. Jamais li Guerra e Paz, o Capital, a Crítica da Razão Pura, o Ensaio de Ontologia Fenomenológica ou mesmo Cem Anos de Solidão. (Há autores assim: “não têm capacidade de síntese, prontos” – como diz uma das minhas alunas)

Mas encontrei pessoas que me garantiram ter lido aqueles livros todos, e muitos outros, embora não sejam capazes de me falar deles, ou sequer de deixar escapar uma reflexão ou um conceito que tivessem casualmente retido. É claro que essa mudez que, por vezes, me parece ignorância (sou um pérfido) pode não passar de uma sóbria reserva para proteger o meu pobre e desapetrechado intelecto de um manancial de verbo e conceito que ele, na sua trôpega mediocridade, não teria condições de suportar.

Há pessoas que leram tudo e muito mais. E não nos explicam nada… E eu, que leio tão pouco, estou, imaginem, sentado com elas a almoçar exactamente o mesmo prato, no mesmo exacto restaurante, exactamente na mesma mesa, tecendo, irmanados, os mesmos comentários torpes à zurrapa que nos serviram hoje…

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8 de março de 2011

Do amor e outros olvidos (2)

amorOra aqui me tens, caro Paulo. Quando me pediste para falar de amor, tens a certeza de que era mesmo isso que querias? Não, é que eu achei a coisa um bocado descabida. Nunca na minha vida tinha visto um jovem de dezoito anos a querer ouvir um cota a falar de amor. Sinceramente, a coisa até me soou um bocado maricas. Não te conhecesse eu tão bem, não tivesse eu acompanhado os teus frementes, estrepitosos e ígneos casos com algumas das mais apetecíveis jovens das redondezas (e outras, porém, nem tanto assim, facto que não desbota, antes enaltece, a tua virilidade, pois que é comendo maus pratos que melhor evidenciamos o nosso apetite) e acharia estar perante um atadinho. Sim, uma espécie de professora de catequese dos anos 30, ou um seminarista que tivesse pela primeira vez catrapiscado a garota da lavandaria e trocado por ela todos os prometidos prazeres do clero e todas as bem-aventuranças do paraíso.

Vá, diz lá a verdade, pois só com a verdade me entendo. O que queres saber não é do amor, mas sim do sexo. Acertei? Chamaste-lhe eufemisticamente assim porque tiveste em conta a minha suposta hipersensibilidade a palavras mais ásperas e intensas. Foi isso, não foi?

Mas afinal é amor ou sexo? Decide lá. Para mim é absolutamente indiferente. Esqueci-me dos dois…

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7 de março de 2011

obsessões do meu ipod (28)

rua saudadeHoje não me apetece incorporar vídeos. Terão que lá ir vê-los, se acharem que vale a pena. Por mim, achei. Trata-se de uma pequena homenagem aos 25 anos da morte de José Carlos Ary dos Santos, sob a designação de Rua da Saudade. Goste-se ou não se goste do poeta, foi aqui reconstruída, num ambiente muito intimista e com rara qualidade de som, alguma da melhor música nacional. Gostaria de acrescentar que as interpretações não desmerecem do original. Pelo contrário, alguns arranjos são absolutamente conseguidos, a ponto de o ultrapassarem. Assim vale a pena repescar clássicos: respeitando-os, melhorando-os, se possível.

Eis alguns títulos: canção do tempo   retalhos   canção de madrugar   café

rock chock     estrela da tarde      dizer que sim à vida       cavalo à solta    

Se preferir, basta pousar o rato sobre o link e tocar o vídeo a partir do snapshot, logo que este abra. Deve desligar, obviamente, o rádio do blog. Boa música!

Post 713   Imagem YouTube

6 de março de 2011

Surge, no entanto, alguma preocupação…

mariafonteÉ complexo, assintomático e assíncrono o que se vai engendrando na sociedade portuguesa. Estou a falar da altíssima possibilidade de virmos a ter várias formas de mobilização na rua, aparentemente direccionadas, confluentes, unívocas, mas na verdade descaracterizadas, divergentes, desorganizadas, centrífugas. Os partidos políticos terão pouco a dizer a essas iminentes movimentações “populares”, mais ou menos controladas, mais ou menos espontâneas.

Mas é, de facto, muito complexa a situação que se nos oferece. Os dois partidos grandes tentarão, obviamente, colher dividendos dos vários amontoados que calcorrearão as estradas e os caminhos. Afigura-se-me no entanto que, desajeitados no ambiente hostil que para eles é a rua, pouca empatia provocarão nas massas, que se manifestarão com algum fragor e pouca ou nenhuma complacência pela ordem.

Sendo assintomática como me parece ser, a insurreição poderá surgir completa e pronta, sem que ninguém a tenha visto entrar. Sendo, porém, assíncrona, visto que forjada nas redes sociais, levará tempo a amadurecer e adiará repetidamente a sua eventual eclosão. Neste caso, não será presumível que aconteça uma sublevação nacional decente antes do Carnaval (do próximo ano bissexto).

Tenhamos, no entanto, por garantido que ela surgirá um dia desses. Como disse, não nascerá nas massas uma profunda simpatia pelos dois grandes partidos, mas também não nascerá nelas um rumo definido, consistente, inequívoco, em relação ao que julgam desejar.

Teremos de tudo nas ruas: velhos salazaristas resmungando um rancor de mais de trinta anos, pequenos empresários descapitalizados, agricultores falidos, pescadores desesperados, professores desalentados, desempregados enraivecidos. Jovens facebookeiros e deolindados surgirão também, assoberbados e rebarbativos na sua primeira revolução panteísta. Um pequeno grupo de velhos revolucionários marxistas e outro de anarco-sindicalistas vesgos juntar-se-ão ao motim, embora não se lembrando mais o que fazer com ele...

Um saco de gatos rolará, então, ladeira abaixo e cairá ao rio, acalmando a irritação colectiva e terminando ali a festa, arranhados, arrependidos e… molhados.

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5 de março de 2011

lupaLupa:  Foram corrigidos hoje erros e gralhas de vários tipos (sobretudo relacionados com virgulação e construção frásica) detectados nos últimos 15 posts. Muitos outros terão, certamente, escapado à lupa…   :(

Já fica avisado: não leia este.

(Aborda temática eventualmente desconfortável)

cruzNão digo que seja bom, que não é. Morrer é sempre algo muito desagradável, até mesmo um pouco incómodo. Mas morrer e ser logo enfiado dentro de um caixote, ainda morno, (“morno” qualifica o morto e não o caixote, evidentemente) é francamente mais claustrofóbico do que deixar as pessoas em paz, nas suas salas de estar, habituando-se, paulatinamente, à ideia do inevitável caixote. Além disso, já viram quantos de nós se voltam ao contrário, durante os dois dias que se seguem ao enterramento? É só reabrir o caixote, et voilà, o tipo pôs-se de lado.

Cá por mim, podendo escolher o modo de deixar de fumar, preferia que me acontecesse como tem vindo a acontecer ultimamente a alguns sortudos: a pessoa morre em casa e ninguém a chateia. Fica ali, na sua casinha, no seu sofazinho, televisão ligada e pezinhos quentes (bem, quentes é um modo de dizer, mas qual o problema se não estiverem?), sem uma preocupação, ainda que se tenha esquecido de pagar o meo. Repito: por mim, quero que me deixem ficar sentado no sofá de couro castanho, junto ao candeeiro, com a televisão ligada na sic dez horas, e um gato pachorrento ao colo, pelo menos enquanto ele aguentar.

Já não falo, evidentemente, em ficar oito ou nove anos ali, com os diabos, isso seria incompreensível exagero e poderia até revelar-se inútil. (Se isto, eventualmente, acontecer comigo, mudem-me o canal ao fim de dois ou três anos, está bem?). Está certo, nove anos será demais, mas deveriam dar-nos, ao menos, umas férias post mortem de uma ou duas semanas, para garantir que estamos mesmo mortos. É o mínimo de consideração que merece um tipo que já pagou a renda. Depois, alguém colocaria uma máscara e removeria o morto para um local que ele não conhecesse, o que lhe barraria definitivamente a hipótese de regressar para atazanar os vivos. (Aqui sou absolutamente a favor do apartheid: bares e bordéis diferenciados para mortos e vivos).

Estou quase a acabar, tenham mais um pouco de paciência. Falta só abordar a questão do cheiro. Deve ser uma inconfessável felicidade poder poluir um pouco o ar dos outros, quando definitivamente já não precisamos dele. Deve ser a nossa ultimate vingança contra o mundo. (O meu primo costumava fazer isso quando abusava de feijoada à trasmontana. E divertia-se que nem um tarado, embora todos o deixassem logo sozinho na sala, no mais absoluto isolamento. Sozinho, mas sempre a rir muito… lembro-me muito bem.)

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4 de março de 2011

Do amor e outros olvidos… (1)

amorTenho um afilhado de dezoito anos que, por vezes, lê as minhas lucubrações tralísticas. Diz que é o seu santo sacrifício semanal, visto que, como o padrinho, deixou de ir à missa aos quinze. Como, obviamente, sente falta de admoestações, penitências e castigos (desde que não doam nem traumatizem, toda a gente os considera absolutamente fashion), o meu afilhado lá se senta uma vez por semana em frente do computador, autopunindo-se com o trala, nem ele mesmo sabe bem de quê. O certo é que, no outro dia, entre um golo de cerveja e outro do Benfica, me atirou à queima-roupa, com esta: “o padrinho devia era falar do amor lá no seu blogue.”

Ora, a dificuldade que um homem da minha idade sente em falar do amor não reside só na ignorância, mas no facto de, nesta matéria, se ter sido sábio um dia e se ter, depois, tudo esquecido.

Nada saber de um assunto nunca foi impeditivo de falar arrogantemente sobre ele. Isso acontece todos os dias e não parece provocar nenhum embaraço, quer a quem fala, quer a quem escuta. Porém, ter consciência de que um dia se dominou profundamente um assunto e sentir que agora pouco sobrou desse conhecimento está a ser para mim um empecilho intransponível. Esse impedimento habita mesmo no facto de essa consciência me avisar de quão parco ficou, com o tempo, o meu saber sobre matéria que sei tão densa, tão inominável.

Mesmo assim, concordei com o desafio. O meu inefável afilhado vai ter aqui um tratado sobre o amor, como nunca ninguém alguma vez escreveu. Mas não agora. Não hoje. Outro dia. Preciso de ganhar tempo, que diacho.

Entretanto, vai continuar a dar contas à sua consciência desportivo-licenciosa, sentando-se, à hora da missa, frente ao computador funesto, lendo contrariado o infame tralapraki…

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2 de março de 2011

Filosofia de betesga - Uma tese potencial

filosofia Gosto das coisas em potência. Muito mais do que em acto. O que me agrada nas coisas é o que poderão vir a ser e não o que já são. Gosto do sábado por vir a ser domingo e do trabalho por me trazer as férias. Gosto do limão por prometer limonada e do Inverno por se tornar Primavera. É melhor viver em crise sonhando com o seu fim do que sabermos que o bom em que estamos hoje apresenta altíssima probabilidade de ficar muito mau amanhã.

E há mais gente que pensa e sente como eu. Ir para a festa é melhor que estar na festa, já que o futuro de estar na festa é sair dela, ao passo que a festa é o futuro do antes dela.

Tenho ainda mais argumentos, para o caso de o meu leitor ainda estar aí:

Quando algo muito bom tem tendência a resvalar para o muito mau (o que, convenhamos, acontece muito mais vezes do que gostaríamos), esse muito bom já se tornou muito mau em si mesmo, visto que, mesmo sendo muito bom, já traz potencialmente consigo o muito mau em que se tornará em breve. O pânico do muito mau que virá a seguir já contaminou de angústias o muito bom de agora, ou, por outras palavras (tão estúpidas como as anteriores, ou, se possível, ainda mais), os momentos muito bons que estamos a viver agora já são, de facto, muito maus, mesmo antes de se tornarem no muito mau em que fatalmente se tornarão.

Não há nenhuma vida bela que não seja medonha, visto que desaguará, impreterivelmente, na morte que, como todos sabemos, é o mais estúpido deslize que um homem pode cometer em vida. E nada de conjecturas sedutoras. A morte é dos poucos exemplos sem potência designada. É um estado em acto que não contém nenhum potencial porvir, nem o seu contrário, a vida, nem mesmo algo semelhante a ela como, por exemplo, a crise, o inverno, o sono ou a aula que dei ontem ao último tempo…

Post 709  (Imagem daqui)