18 de julho de 2007

Portomar, 1942 – um post descabido (1ª parte)

Portomar, 1942.
Guerra e depressão, candonga e fome. Manhã de Março, invernia das antigas, com vento sibilante e caramelo nas fontes. Na sacristia do largo, o padre enfia os paramentos de linho, protocolarmente, sem nenhuma convicção. Na nave da pequena capela, mulheres de preto, com lenços atados e chapéu gandarês* afinam os primeiros acordes à Senhora do Carmo.
“Imaculada, rainha dos céus,
Com o teu manto tecido de luz,
Faz com que a guerra se acabe na Terra,
E dá aos Homens a paz de Jesus”.
Só as mulheres cantam, com as suas vozes ganidas. Homem que cantasse, mesmo que fosse para tecer loas às divindades, era logo alcunhado de mariconço.
“Esta parte cantam os homens”- pedia o padre.
“Cantar, senhor Prior? Com o coração danado?”


[Bom, menti. Havia um homem que cantava. E bem alto. Era o mariconço do Ti Malino da loja. Mas cantava uma letra diferente: “Faz com que a guerra se alastre na terra…”, de cujo verbo ninguém parecia conhecer o sentido, pensando tratar-se de uma forma bizarra de dizer “acabar”, que os novos-ricos tivessem inventado.
Ele, porém, conhecia-lho. É que aquela abençoada guerra estava a encher-lhe o armazém de açúcar proibido (que vinha ninguém sabia de onde) e as algibeiras de contos de réis, tantos que as suas poucas letras já não explicavam e as suas poucas contas já não podiam calcular.]

(Fonte: o meu pai)

*Não encontrei na www nenhum chapéu gandarês. Tive, portanto, que o desenhar.

O mais próximo é o chapéu jamaicano que também vos mostro aqui.





chapéu jamaicano


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