No blogue “Sou da Gândara”, de autor anónimo, encontrei um pitoresco relato de vidas consuetudinárias, previsíveis. Apoderei-me dele pelo linguajar das areias, da civilização roubada ao mar e estrumada a moliço que também me percorre veias e memórias. Modifiquei-o à minha maneira, sem contudo lhe beliscar a identidade. Ficou assim:
(...) “O homem tinha ido a salto para a França, logo depois de apanhar as batatas, por alturas do S. João e deixou-a com o filho na primeira classe e com o verão todo por fazer. Mas a necessidade assim os obrigava. Para levantar cabelo, tinham que sofrer e saber fazê-lo! Valeu-lhe alguma coisa o pai com a sua junta que sempre lhe fez uns carregos de milho para casa e lhe gradou uns bocados. Agora havia de bastar-se com a sua vaquita, com o rapaz e com os seus braços, saúde e graça de Deus.
É certinha a carta do Manel todas as quintas feiras! Diz-lhe que tudo está a correr bem, que arranjou trabalho na construção e que, embora com muito esforço, está a botar uns cobres de lado. Que conta, dentro em pouco, mandar um cheque para ela fazer o seu governo, pô-lo no banco a render. São cartas trocadas que tanto eles como ela escrevem ao domingo à tarde! Ele depois de ir ao mercado comprar sustento para toda a semana e ela, depois de cumpridos os preceitos dominicais: assistir á missa e ao terço. Põe o rapaz a fazer os trabalhos da escola, pega no bloco de papel de carta e na pena de molhar e, maravilha tecnológica, fala com o seu Manel, colocando no papel tudo o que gostava de dizer-lhe pessoalmente, o que lhe vai na alma! Quer lá saber se alguém lhe apanha a carta e a lê! Não diz mentiras nem fala da vida alheia! Fala de si, do filho, do tempo e da novidade, que é um benzodeus. Expressa as suas preocupações, os seus anseios, o porte do filho, o gado, a perca que teve que pagar por morte do bezerro do Laurindo. Começa as cartas sempre da mesma forma, aliás, também ele assim faz: “Cabeças Verdes, 13 de Outubro de 1961. Meu querido Manel, muito estimo que ao receberes estas minhas poucas e mal trilhadas letras te encontres de saúde que eu cá mais o nosso filho ficamos bem Graças a Deus, embora com saudades infinitas. Recebi a tua carta na passada quinta feira e nela li que…” Enchiam-lhe a alma estas palavras aprendidas do coração e davam-lhe a coragem necessária para enfrentar mais uma semana de trabalho. Trabalho duro que a fazia mulher e homem, ao mesmo tempo. Trabalho permanente! Que nunca está feito, nem por fazer! Rotineiro! Mas tinham saúde! Ela, o homem e o filho! E, três meses depois de ter saído, já ele lhe dizia que lhe iria mandar um cheque dentro de pouco tempo, se Deus for servido! Há lá vida mais alegre?”
Post 728 (Imagem daqui)
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