12 de abril de 2011

A alegre pedagogice ou o calembour de Eduardo

escola

… E depois calou-se, ou seja, o curtíssimo programa terminou, como sempre, em modestíssima apoteose psicoterapêutica…

Eduardo Sá conversava há dias com Isabel Stillwell, nos Dias do Avesso, sobre a escola e o ensino em Portugal. Eduardo referia-se a uma estranha incongruência no nosso sistema de ensino, segundo ele, abusivamente reprodutor e verdadeiramente falho de criatividade. “Não se entende a razão pela qual o mesmo sistema premeia os alunos por saberem repetir e os castiga por saberem copiar, que é exactamente a mesma coisa. De facto, o sistema de ensino tem duas respostas antagónicas para duas situações rigorosamente idênticas”.

E depois calou-se, ou seja, o curtíssimo programa terminou, como sempre, em modestíssima apoteose psicoterapêutica.

Não nego que o conceito de Eduardo Sá tenha a sua beleza literária, o seu fulgor espirituoso, a sua perfeição parnasiana. Não posso mesmo negar que ficaria orgulhoso se tivesse sido eu a dizê-lo ou a escrevê-lo aqui. Mas, na verdade, não passa de um calembour.

Eduardo passou voluntaria e abusivamente ao lado de duas concepções fundamentais.

A primeira remete-nos para o facto incontestado de que, antes de qualquer criatividade, imaginação, sentido crítico, vem a memorização e reprodução de saberes, sem os quais nenhuma criação do espírito se apresenta minimamente sustentada. Respeitemos e conheçamos primeiro o que outros disseram antes de nós e acrescentemos depois, se formos capazes, a nossa contribuição criativa ao espólio civilizacional.  Quando a criatividade precede o conhecimento não conseguimos mais que um burro escoiceando o ar.

A segunda concepção remete-nos para a questão da honestidade. (Sei que essa coisa da honestidade não é hoje considerada um produto muito fashion, mas é ela que, em última análise, constrói sociedades justas). Copiar, usurpando o trabalho de outros ou escapulindo grosseiramente ao esforço individual não é, de facto, o mesmo que reproduzir criteriosamente os melhores saberes que civilizações milenares nos legaram. Esses é preciso estudá-los, paulatina e reprodutivamente, muito antes de podermos reciclá-los com a capacidade criativa, filha dilecta da nossa alegre pedagogice…                             

(Imagem daqui)        Post 735

2 comentários:

Anónimo disse...

Tens absoluta razão no que dizes. Mas tb compreendo a visão do Eduardo Sá - ainda ontem falámos nisso ao almoço, algs profs - a de que marrar e repetir é o mesmo que copiar, por assim dizer. O que se nota é uma ausência acéfala de espirito crítico por parte dos alunos, porque a isso estão muitas vezes habituados. Não sabem emitir opiniões próprias, e algs profs promovem isso, sinceramente. Conhecer o legado sim, primeiro, mas não necessariamente empiná-lo e despejá-lo sem perceber patavina. Tem de haver uma reconstrução (criativa) somehow do que foi aprendido... Faty

joao de miranda m. disse...

Sim, são aquisições que devem ser simultâneas, obviamente. O que aqui se refere é a questão da absoluta secundarização dos conteúdos formais, baseada na filosofia da prevalência absoluta do espírito crítico sem sequer haver objecto sobre o qual se exerça... "Não é preciso saber. Importante é ter o telefone de quem sabe..." :).
Grande abraço!