28 de fevereiro de 2010

prateleira anacrónica

livro da segunda classeNo acampamento”

“A noite, muito suave e cheia de luar, passou-se no acampamento; e os rapazes da Mocidade nem queriam acreditar que estavam em Lisboa, porque o ar puro e fresco daquela manhã de Maio tinha o perfume das flores do campo.

Os lusitos, os infantes e os vanguardistas, vindos de todas s províncias, dormiam e sonhavam ainda, quando um toque vibrante de clarim os despertou: Tatá… Tatatá!…

- Eh! rapazes! – gritaram os comandantes de castelo.- É o toque de alvorada. Levantar! Levantar!

O sol não tardou a erguer-se também para tornar mais lindo aquele dia 28 de Maio – dia de festa da Mocidade Portuguesa.

Todos se aprontam. Das tendas de lona do acampamento saem centenas e centenas de rapazes, desembaraçados e alegres, para assistirem à missa campal.

Batem as dez horas. Vai ser saudada a Bandeira. Todos os castelos estão formados em quadrado. Ao centro vêem-se os guiões azuis e amarelos e as bandeiras brancas e vermelhas. Toca a sentido. Logo a seguir, ouve-se o toque de continência. Os rapazes, direitos e firmes como estátuas, estendem o braço.

Está a ser içada a bandeira nacional.”

(In O LIvro da Segunda Classe – Ed. 1958)

A minha geração tinha sete anos quando leu e interiorizou isto para sempre.

(Imagem daqui)

Nota: Santa Nostalgia é um blogue que, seja qual for a sua orientação política, tem o mérito de nos restituir um tempo que passou.

chave inglesaRevisão

Foram hoje corrigidos todos os erros gralhas e incorrecções cometidos ao longo do mês de Fevereiro.

obsessões do meu ipod (7)

india

J. A. Flores / M. O. Guerreiros / José Fortuna

Índia” - Gal Costa

A beleza da simplicidade.

As duas vozes de Gal.

(Imagem daqui)

27 de fevereiro de 2010

Haiti, Madeira, Chile…

ira Que dívida é esta, Mãe Natureza, que nos estás cobrando? Será porque te temos tratado tão mal? És então antropomórfica? Tens uma consciência? Iras? Amuos? Vinganças?

Não te imaginei tão mesquinha. És, na verdade, igual a mim.

 

(Imagem daqui)

24 de fevereiro de 2010

Solidariedade sim, mas nem tanto…

reforma Em meu entender, a solidariedade, como a amizade e o amor, deve ter sempre um caminho de volta. Damos solidariedade hoje para a recebermos amanhã. Eu sei que a verdadeira solidariedade é dar sem esperar receber. Mas esta é a solidariedade dos cristãos, dos mártires e dos otários.

As nossas reformas estão cada vez mais longe. Correm mais que nós. Hoje atingi a idade da reforma de há dez anos atrás. Mas ela fugiu-me hoje para 2017. Se chegar a 2017, ela terá chispado para 2025. Entretanto, continuarei a trabalhar e a descontar para a segurança social. Peraí! Segurança social de quem? Quando e onde diabo pretendem dar-me algum do dinheiro que venho descontando há 32 anos? Lá em cima (ou lá em baixo, ou mesmo ao lado de alguma coisa) não creio que vá precisar de dinheiro, a menos que as minhas dívidas me persigam até lá onde não há mais cartões de crédito…

Creio que faria algum sentido pedir hoje um pequeno adiantamento à Previdência (ou à Providência), por conta da remotíssima reforma, a descontar no período de férias… (as graaaaaaaaandes, claro está).

(Imagem daqui)

22 de fevereiro de 2010

Pesquisar é na Net, pois claro…

pesquisa Fabinca aborda aqui o problema dos direitos de autor ou, se quisermos, da atribuição errónea de autorias. A blogosfera sofre, de facto, da síndrome do ladrão de vasos  que a autora divertidamente recria no texto que hoje vos recomendo.

 … e viva a internética pesquisa…

A avó de Fabinca, pelos vistos, sabia bem que não se pode acreditar em tudo o que se vê na TV. E na Internet? Pode? Bem, os meus alunos acham que sim. Instados a fazer uma pesquisa sobre o trocadilho, foram ter a um blog rasca em que o assunto se espraiava em inúmeros exemplos elucidativos, porém cada um deles mais ordinário e grosseiro que os outros. E apresentaram o trabalho assim mesmo, com pompa e circunstância. Eram miúdas de doze anos, presumivelmente inocentes, que assim apresentavam a um professor sexagenário um trabalho hediondamente pornográfico. O professor desconfiou. Não acreditou que elas tivessem consciência do que tinham feito. E não tinham mesmo. Nem sequer leram o trabalho, depois de impresso. Fizeram copy/paste e pronto.

( Viva a boa pesquisa. Preservada a virginal inocência, por enquanto!… )

(Imagem daqui)

21 de fevereiro de 2010

obsessões do meu ipod (6)

copacabana

A voz feminina do Brasil não é Elis, nem Maria Rita Mariano. Nem Marisa Monte, nem Bethânia e muito menos Adriana Partimpim. A voz feminina do Brasil é Gal, indubitavel- e inconfundivelemte. Tal como a masculina é Chico e não Roberto ou Caetano. Tanto quanto o Brasil é o Rio e a praia do Mundo inteiro se chama Copacabana. É uma canção de Dorival Caymmi e Jorge Guinle. “Fim de Semana Em Copacabana”. Era ainda um tempo marcado a Vinicius. Se repararmos bem, ele está nessa foto. Não se vê, mas só pode estar…

Depois de trabalhar toda a semana Gal_Costa_1969
Meu sábado não vou desperdiçar
Já fiz o meu programa pra esta noite
E sei por onde começar

Um bom lugar para encontrar
Copacabana
Prá passear à beira-mar
Copacabana
Depois num bar à meia-luz
Copacabana
Eu esperei por essa noite uma semana
Um bom jantar depois dançar
Copacabana
Pra se amar um só lugar
Copacabana
A noite passa tão depressa
Mas vou voltar lá pra semana
Se eu encontrar um novo amor
Copacabana

(Imagens daqui e daqui)

20 de fevereiro de 2010

a palavra dos outros

etica da ética…

Luís Novaes Tito (A  Barbearia do Senhor Luís) tece aqui algumas considerações interessantes sobre a questão da ética e remete o assunto para outros autores, como Tomás Vasques, Eduardo Pitta, Pedro Adão e Silva, José Reis Santos, Porfírio Silva, Sofia Loureiro dos Santos, Francisco Clamote, Miguel Abrantes e André Couto. Post muito comentado.

…e da liberdade

liberdadeAqui é a vez do Dragoscópio que, num texto de arquitectura admirável, como sempre, traça linhas fluidas sobre a liberdade de expressão, contrapondo-a à liberdade intrínseca:   Ao homem intrinsecamente livre a última coisa que lhe ocorre é reclamar pela liberdade de expressão. Exerce-a e arca com as consequências, sabendo de antemão que, hoje como ontem e se calhar sempre, a liberdade será tudo menos inconsequente. Na verdade, reivindica ou reclama algo quem o não tem. Ora, se o não tem, o mais que alcançará será a prótese, o postiço, o faz de conta. Ou, na maior parte dos casos, a simples maquilhagem.”

Deixo-vos vários links para o texto integral e, desta vez, sem comentários a não ser este: à medida que a palavra adquire cada vez mais a presteza inconsequente da do papagaio, deixa de fazer sentido palrarmos pela liberdade de expressão. O papagaio tem liberdade de expressão, mas não tem senão essa...

(Imagens daqui e daqui)

balanço

balanca-roberval os menos maus do mês:

1. o meu médico  2. “another step” 3. sobre esta nossa coisa íntima  4. minudências minhas

(Imagem daqui)

19 de fevereiro de 2010

Minudências minhas

euros O dinheiro

Eu e o dinheiro temos uma relação platónica: amo-o muito mas nunca lhe toquei. Somos, apesar de tudo, fiéis um ao outro, tanto quanto o permite esse ascetismo que nos envolve: ele anda por outras mãos, pensando em mim, no que eu lhe faria se um dia o tivesse… Por meu lado, nunca lhe imaginei um substituto mais vantajoso.

Como acontece com todos os amores platónicos que um dia deixam de o ser, acredito que, uma vez tendo-o, perderia por ele o apetite. Os que o têm todos os dias vejo-os eu inconformados e ansiosos, insatisfeitos de corpo e alma, tentando sempre conquistar outro e outro e outro. Tarefa inglória, repetitiva, monocórdica, anorgástica…

Mas eu não. Eu divinizo-o, como divinizo o tempo, as hóstias e as próprias deidades. Sublimo-o. Adoro-lhe de longe as transcendentes moradas (CGD, BPN, BES, e outras catedrais) e mordo o lencinho de donzela recatada…

Tem vezes que babo…

(Imagem daqui)

repescando tralices

Há três anos no tralapraki

repescandoConjurações contra João Efémero

(João Efémero era o autor e ainda nem suspeitava até que ponto era realmente efémero)

17 de fevereiro de 2010

sobre esta nossa coisa íntima…

… de querermos sempre manipular a opinião dos outros

barbatanaO esforço recorrente de tentarmos virar a opinião pública a nosso favor é mais velho que o mundo. Mesmo nós, que do poder só temos a barbatana, gostamos quando alguém diz bem do que fizemos ou enaltece as nossas posições e argumentos. Amigo meu chama-me inteligente e talentoso e di-lo aos outros completamente à borla. Essa história de que os amigos são quem nos fala a verdade é pura léria. Para que quero um verdadeiro amigo que olha de lado para o que faço, que está sempre pronto a aporrinhar-me com moralismos, que só sabe é chamar-me a atenção para as minhas burrices e infracções? Quero é amigos que me lisonjeiem, que acenem cordatos e respeitosos quando falo, que riam alvares das minhas piadas tontas. Quero lá saber do que eles pensam lá por dentro! O que me interessa realmente é que todos acreditem que eles são sinceros, ainda que nunca o tenham sido, nem façam planos para o ser.

E só tento agarrar-me à barbatana do poder… a caudal…

(Imagem daqui)

8 de fevereiro de 2010

a ver se me entendo…

babel Acabei por duplicar o “tralapraki”, com medo de o perder. Meu único filho, sabem…  Bom, mas baptizei-o de “opacidades”, porque sim. Igual até agora mas, a partir daqui, acho que me proponho divergi-los no que for possível. O trala continuaria a ser um repositório de assuntos da área da educação e da sociedade. O babel teria um destino mais triste, mais sombrio, talvez mais aprimorado, sei lá. Já o "ligeiríssimo" ficar-se-ia pelas trivialidades. O ligeiríssimo nasceu para ser o puto irrequieto do trala, enfim, uma tentativa de participar na comunicação mais juvenil. Falhou no intento, é claro. Falharam todos. E afinal, para que serve um blogue senão para falhar, em vez de nós? É isso, façam um blogue e vejam-no aparvalhar-se todo. E vocês seguros e intocados por detrás dele…

(Imagem daqui)

6 de fevereiro de 2010

coisas giras por email

atrapalha Apesar de não ser o que mais atrapalha nas escolas, atrapalha mesmo. E não é o que mais atrapalha, realmente, pois o que, na escola pública, mais atrapalha são todos aqueles que providenciam, defendem e sustentam a existência de todas estas (e muitas outras) atrapalhações. É que as atrapalhações atrapalham, mas não atrapalham sozinhas, não atrapalham sem os atrapalhadores de serviço…  Para eliminar as primeiras, há que apear os segundos. Assim, tout court.

Segue um texto de Ramiro Marques, enviado por Ana Bela Canotilho

A tralha que atrapalha

Por que será que a opinião pública tem sido pouco alertada para a tralha que atrapalha? Por que será que o processo negocial, que se arrasta há quase dois meses, não inclui a questão da tralha que atrapalha?

Não há um único professor no país que não saiba qual é a tralha que atrapalha.

Até os inspectores - guardiões da tralha que atrapalha - sabem qual é a tralha que atrapalha.

Até os burocratas que trocaram a sala de aula pelas equipas de "apoio" às escolas sabem qual é a tralha que atrapalha.

E até mesmos os aposentados que integram o CCAP sabem qual é a tralha que atrapalha. Não porque conheçam a realidade das escolas - já que fugiram delas em bom tempo - mas porque ouviram falar da tralha que atrapalha.

Mas, admitindo que haja algumas almas bem intencionadas, embora ignorantes, nas equipas de avaliação externa das escolas, no CCAP, nas equipas de "apoio" às escolas, na DGRHE ou nas DRE, deixo aqui a lista da tralha que atrapalha:

Os projectos curriculares de escola. Não servem para nada: só atrapalham sobretudo porque há quem os altere todos os anos. Já contaram as milhares de horas perdidas pelas equipas e comissões permanentes de revisão dos projectos curriculares de escola e dos projectos educativos de escola?

Os projectos curriculares de turma. Servem para alguma coisa? Sim: para perder tempo.

Os planos de recuperação. Servem para quê? Socializar os prejuízos e privatizar os benefícios. Desculpabilizar e construir sucesso educativo de forma fraudulenta.

Os planos de acompanhamento. Idem.

Os planos de "melhoramento". Idem.

Os relatórios sobre os planos de recuperação e de "melhoramento" (sic). Idem. Monumentos à novilíngua e à trafulhice pedagógica.

Acabem com a tralha que atrapalha. A opinião pública compreenderá que a tralha que atrapalha é nociva ao ensino.

Gostava de ouvir os responsáveis do ME a falar na redução ou eliminação da tralha que atrapalha. Não ouço. A tralha que atrapalha obedece ao plano.

Ramiro Marques

(Enviado por Ana Bela Canotilho)

(Imagem daqui)

obsessões do meu ipod (5)

chico_buarque

O samba em Chico Buarque – “Ela faz cinema”.

(Desligue o rádio do blogue à direita e ouça, clicando no play acima.)

Quando ela chora
Não sei se é dos olhos para fora
Não sei do que ri
Eu não sei se ela agora
Está fora de si
Ou se é o estilo de uma grande dama
Quando me encara e desata os cabelos
Não sei se ela está mesmo aqui
Quando se joga na minha cama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é a tal
Sei que ela pode ser mil
Mas não existe outra igual
Quando ela mente
Não sei se ela deveras sente
O que mente para mim
Serei eu meramente
Mais um personagem efêmero
Da sua trama
Quando vestida de preto
Dá-me um beijo seco
Prevejo meu fim

E a cada vez que o perdão
Me clama

Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é demais
Talvez nem me queira bem
Porém faz um bem que ninguém
Me faz
Eu não sei
Se ela sabe o que fez
Quando fez o meu peito
Cantar outra vez
Quando ela jura
Não sei por que Deus ela jura
Que tem coração
e quando o meu coração
Se inflama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é assim
Nunca será de ninguém
Porém eu não sei viver sem
E fim.

(Imagem daqui)

Nota: Nesta rubrica. tenho vindo a publicar alguns ficheiros de audio. Assumo como legal esta actividade, mais por razões de natureza consuetudinária do que por verdadeiro conhecimento da lei de autores. Qualquer entidade que vislumbre um quadro de ilegalidade neste acto deverá fazer-me saber e a rubrica será de imediato cancelada.

5 de fevereiro de 2010

A mais genial solidão

solidao Alguns de nós sofremos de profundidade crónica. A velhice afundou-nos o pensamento a níveis onde os jovens já não alcançam. Qual poço de engenho nos estios mais longos, as nossas águas caem, como a nossa força, num vislumbre mais real que desejado da nossa inquietante e irremediável solidão. No fundo do poço, ébrios das nossas soberbas inteligências que ninguém mais pressente ou deseja, vegetamos por dentro de nós, mexendo e remexendo memórias magras, no estertor do entendimento universal, no paroxismo de todas as dores…

(E, silentes, arrefecemos.)

(Imagem daqui)

Não sei se vá se fique, não sei se fique se vá.

indecisao “Está decidido. Vou pedir a reforma antecipada”

“Mas, se pedes agora, vais ter um corte maior que o corte inglês”.

“Está decidido. Não peço”.

“E quando pedes?”

“Mais tarde”

“Mais tarde, com o aumento do tempo da reforma, o desconto tenderá a ser maior”.

“Está decidido, vou pedir a reforma antecipada.”

“Com apenas 31 anos de serviço, dão-te à volta de 50 por cento. A menos que ganhes muito bem…”

“Está decidido. Não peço.”

“O FMI diz que o país está à beira da bancarrota, como a Grécia. Se cairmos mesmo na tal bancarrota…”

“Está decidido. Vou pedir a reforma antecipada.”

“Em qualquer caso, serão sempre os reformados e os pensionistas a pagar a crise.”

“Está decidido. Decido amanhã.”

a palavra dos outros

viegas Aqui, Cavaleiros do Norte, de Viegas, um repositório pitoresco de histórias de guerra em Angola, nos idos de 74.

não leiam isto

vampiro Fui maltratado hoje. Como ontem e anteontem. É como se de repente a vida fosse só o lado mau da vida, o gémeo travesso dela, um menino que fere com a inocência, um garoto da rua que mata distraído.

Há tempos que é assim. Dificilmente atravesso ileso as multidões do quotidiano. Não me exponho um dia sequer sem, pelo menos, um bom arranhão. Mas hoje fui mais zurzido. Voraz, a vampirina vida mordiscou a minha tranquilidade. Na jugular.

(Calma. Eu disse só “mordiscou”. Ainda me terão amanhã para me queixar de novo…)

(Imagem daqui)