Comentário ao comentário de Luís Grave Rodrigues, na caixa de "Honestidade Interior ou Abanar de Rabo?"
Estimado Luís Grave Rodrigues,
Certamente tem razão no que diz. É medo, sim, medo de se ser avaliado por um conjunto de avaliadores exactamente tão incompetentes como são os avaliados, de cuja competência o senhor tanto desconfia. Medo, sim, de que algum avaliador resolva seguir critérios referenciados pelas Ciências da Educação, as causadoras maiores do caos integral do sistema educativo e da sua actual inutilidade. Medo, sim, medo dos novos donos do sistema (arrebanhados à pressa num “concurso” vergonhoso). Medo, sim, da arrogante limitação que muitos ostentam e do seu eventual desejo de ajustar algumas contas recentes ou antigas. Porque ambos (o senhor e eu) desconfiamos que os possa haver no sistema educativo. O senhor não desconfia?
Por acaso acredita que ser avaliado por pares, e sob as intenções punitivas da actual tutela, pode traduzir, de facto, uma avaliação objectiva, rigorosa, útil e formativa? Acredita realmente que aquela avaliação cumpre os anseios de uma escola melhor, de professores melhores, de alunos melhores, de uma sociedade melhor? Por mim, fiquei pessimista demais para acreditar nessa hipótese.
O seu texto é muito bom, como lhe disse. Toca numa ferida até agora anestesiada. Foi por isso que o considerei perigoso. Um texto eivado de ardilosas falácias que parecem aos mais incautos verdades lógicas e irrepreensíveis pode tornar-se uma arma traiçoeiramente letal para o movimento de contestação ao processo de avaliação em curso.
Li muitos outros textos denegrindo a imagem dos professores, mas muito poucos o fizeram de modo tão astucioso. O seu é bom demais para que eu permaneça sossegado. Foi o medo, decerto, (e a desconfiança, certamente) que me obrigou a rosnar-lhe...
Obrigado por comentar. Desejo-lhe as maiores venturas. Continuarei a ser seu leitor atento e entusiasta.
(Imagem tirada daqui)
2 comentários:
Caro João de Miranda:
Obrigado, antes de mais, pelos seus elogios ao meu texto.
Só um comentário:
Diz-me que o meu texto «pode tornar-se uma arma traiçoeiramente letal para o movimento de contestação ao processo de avaliação em curso».
Estamos assim agora bem claros: os professores estão contra «o processo de avaliação em curso».
Mas isso já todos sabíamos, embora os professores persistam em insultar a inteligência dos portugueses dizendo que não são nada contra «o processo de avaliação em curso».
Pois bem:
Isto esclarecido, resta uma pergunta lógica:
- Os professores são só contra ESTE «processo de avaliação em curso», ou são contra TODOS os «os processos de avaliação»?
Esta é pois a pergunta que se impõe.
Avancemos então:
Se os professores só são contra ESTE «processo de avaliação em curso» e não são contra TODOS «os processos de avaliação», então é porque têm OUTRO «processo de avaliação» alternativo para contrapor ao do Ministério da Educação.
Mas então, onde está esse tal OUTRO «processo de avaliação» alternativo?
Pois é: não existe!
E sabe porquê?
Porque, de facto, os professores são contra TODOS «os processos de avaliação».
Faço então outra pergunta:
- PORQUÊ?
De que têm medo os professores que não querem ser avaliados?...
Nunca em nenhuma profissão vi um profissional competente ter medo de ser avaliado.
De que têm medo os professores???
Cumprimentos,
Luís Grave Rodrigues
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Caro Dr. Luis Grave Rodrigues,
O senhor é um conceituado advogado da nossa praça, possui uma retórica brilhante, sabe o que é, sabe o que representa, enfim, tem consciência de si. Os professores não têm identidade. Não existe uma consciência colectiva entre os professores. Dificilmente encontramos um deles igual ao outro. Não existe unidade entre eles, nem ao nível das suas substâncias, nem ao nível dos seus anseios, nem ao nível dos seus sistemas valorativos, nem das suas formações iniciais ou contínuas, nem das suas práticas pedagógicas, nem das suas áreas disciplinares. Poderíamos, quando muito, afirmar que existe alguma unidade entre dois professores da mesma idade, possuidores de uma mesma licenciatura em Filologia Germânica, pela mesma universidade, situados no mesmíssimo escalão, leccionando os mesmos curricula aos mesmos níveis de ensino e em turmas semelhantes. Para lá desta presumível equiparação, os professores são todos irremediavelmente diferentes.
Como pode então o Luís querer que os professores produzam UM (e só um) sistema de avaliação para opor ao que ora se nos oferece? Impossível. Os professores podem apresentar centenas de sistemas de avaliação que só encontrarão apoio numa porção reduzidíssima de todo o corpo docente nacional. A menos que um qualquer sindicato, de entre os inúmeros existentes na carreira docente (facto que só atesta a sua insolúvel dispersão e desunião),se sente junto do Ministério e apresente uma proposta alternativa, de natureza e autoria absolutamente individuais. Mas isso foi o que acabou de acontecer e já mais de metade dos professores veio contestar. Um professor de Educação Física ou de Moral, ou de TIC não proporá, certamente, o mesmo sistema avaliativo que um professor de Matemática, Física ou Línguas Estrangeiras. Há pouquíssimo em comum nestas práticas pedagógicas.
É possível, no entanto, detectar, entre os professores, um anseio comum, que, no entanto, de pouco servirá: os professores querem ser avaliados do mesmo modo que todos os restantes grupos profissionais. Se o método de avaliação da Ministra da Educação é assim tão bom, o Luís aceitaria aplicá-lo aos médicos, aos advogados, aos juízes, aos engenheiros, aos padres, aos jornalistas, aos escritores...? Experimente. Facilmente se depararia com a sociedade paranóica que tal avaliação produziria.
Só para terminar: nenhuma profissão foi alguma vez tão avaliada como a de professor. Há já vários anos que todo o professor está, sistematicamente sob suspeita: suspeita dos alunos, suspeita dos pais, suspeita dos colegas, suspeita dos seus naturais enquadradores (os Coordenadores de Departamento, os Conselhos Pedagógicos, os Directores de Turma, os Conselhos Executivos e o Pessoal Auxiliar). Ah, pois, não sabia?
Com toda a consideração.
joao
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