Martim tem uma profissão nova: abre buracos em calças de ganga. Depois de um moroso e competentíssimo curso de formação, estabeleceu-se por conta própria ali à Rua de Trás. Todos os dias recebe oito pares de calças, produzindo por dia, com minúcia e arte, outros tantos buracos em cada par. São, portanto, sessenta e quatro buracos que o Martim abre entre as 9 da manhã e as seis da tarde. O preço ajustado com a Maconde é de 50 cêntimos por buraco médio, podendo ir até 80, nos casos de buracos que ultrapassem metade da largura da perneira da calça. Martim, foge, no entanto, deste tipo de buraco, como o Diabo da Cruz, pois, no seu esmerado dizer, torna-se complicado controlar um buraco tão grande. Parecendo que não, alguns buracos adquirem praticamente vida própria, impõem-se com violência à restante perneira e nunca se pode adivinhar que desaire ou calamidade daí possa resultar.
Esquecendo, então, os buracos demasiado esbarrumbados, o Martim ganha por dia uma média de trinta e dois euros, totalmente isentos de impostos. Abrir buracos é, ao contrário de tapá-los, uma actividade ainda não reconhecida. Trata-se, por enquanto, de uma não profissão, dado que o resultado do trabalho não é um produto, mas um não-produto, dotado de uma certa não-existência. Se trabalhar 22 dias por mês, o Martim recebe setecentos e quatro euros, de onde retira apenas trezentos, destinados a rúcula e a cedês raríssimos dos Village People. Martim é um exemplo de inventiva, arrojo e espírito empresarial para todos os jovens desempregados.
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