12 de maio de 2012

Bifes e apartamentos ou o romance da grafonola (parte 3)

fusca

 

 

 

Inesperadamente, Acácio despejou-me em cima uma violenta gargalhada

 

 

 

 

Palito já muito mordido, seguro entre dois enormes incisivos e as velhas chanatas cor de erva seca na outra ponta do seu robusto corpanzil, Acácio parecia esperar-me. Mesmo atrás do seu sempre resplandecente jeep, havia um lugar onde encostei o meu humorístico carocha amarelo torrado, quase tão velho como eu, comprado em 74, em quarta ou quinta mão, com o dinheiro de um subsídio de diligência que recebi na tropa, graças à revolução dos cravos.

O Acácio cuspiu o palito: “O professor está a precisar de comprar um carrinho novo”, “sim, e um rádio velho”, “deixe-se disso, você precisa mesmo é de investir o seu dinheiro num apartamento”, “ora, o meu dinheiro invisto-o todo em bifes”.

O diálogo poderia ter ficado por aqui, ou ter seguido indefinidamente, nauseante e marasmático, sob o sol da tarde, diante do estaminé de electrónica, comigo em aquiescências arredondadas e sempre espreitando o rádio da montra. Mas, com Acácio Rebelo, isso não podia desenrolar-se assim. E não foi assim que se desenrolou, de facto. Inesperadamente, Acácio despejou-me em cima uma violenta gargalhada e afirmou-me, com olhos de água, que era a sua primeira gargalhada do dia. Acto contínuo, mandou-me ir buscar o rádio e pô-lo no carocha.

Acácio tinha-me vendido o rádio por uma gargalhada sadia. Disse que o rádio não valia nada, que nem percebia a minha fixação por aquele mamarracho e que, se a minha piada tivesse sido um pouco melhor, eu poderia ter conseguido um andar esmeradíssimo que acabara de construir num brejo ali para os lados da barragem do Azibo.

Em casa, finalmente terminada a fase do namoro e agora já cônjuge de direito daquela belíssima peça de madeira e válvulas termoiónicas, eu pensava qual teria sido realmente a piada de que o meu majestoso amigo tanto riu e como riria se, de facto, tivesse havido alguma piada no que eu disse. Seja como for, permaneceu até hoje o desejo de ir à loja do Acácio buscar a grafonola, logo que tivesse uma piada realmente boa para lhe contar…

Soube há dias que a grafonola ainda lá está. O Acácio não. O humor também não…

      Post 835      (Imagem daqui)

1 comentário:

Anónimo disse...

O Acácio esteve à tua altura! Hilariante, generoso e apreciador de uma boa piada. Um bom taco a taco entre um transmontano tosco e um beirão (do mar) refinado, entre um fazedor de pilim e um professor poeta.
Pena que ele não leia este texto.
Ainda (muito) bem que o lemos nós.
Uma transmontana mais para o refinado e com pendor quase poético.
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