18 de dezembro de 2011

Da (in)disciplina (2)

carneiro (…) E o carneiro, apesar das ameaças do Afonso, continuava a amar, ou a odiar (que também entre os carneiros o amor anda sempre próximo do ódio) aquela triste porta…

(Uma história de carneiros)

E foi então que o Dr. Teotónio falou, expondo ao foco principal da sala a sua careca luzidia. A sua voz estava fluida, melada, mas grave. Não havia um leve traço de sorriso na sua boca, não havia nela um fugidio apontamento de ironia ou de sarcasmo.

-“O pai de um amigo meu, homem calmo e pacato, lá de cima do Caramulo, conviveu durante vários anos com um carneiro marrão que lhe destroçava sistematicamente, a marradas de aríete, a porta da cozinha. Nunca o Afonso (chamemos assim ao dono do carneiro) soubera a razão da sua (do carneiro) predilecção por aquela porta. Imaginando que se tratava da cor, foi repintando a porta até esgotar todo o leque de cores da drogaria do Machado. E o carneiro, apesar das ameaças do Afonso, continuava a amar, ou a odiar (que também entre os carneiros o amor anda sempre próximo do ódio) aquela triste porta que, da sua configuração original já só possuía o Z das duas travessas e da oblíqua que as unia. As tábuas foram sendo substituídas e pintadas mês após mês, na sequência

 

das eternas investidas do aríete.

Vendo o triste pastor que com enganos, perdão, vendo o triste pastor que não ganhava para portas, resolveu pendurar naquela um pequeno conjunto de avisos, escritos sobre papel almaço, com carvão do borralho, na mais fina caligrafia escolar, numa linguagem doce e envolvente:  ‘Senhor Carneiro, por favor, tente evitar marrar na porta’, ‘Senhor Carneiro, por caridade, abstenha-se de me partir a porta’ e mais dois ou três do mesmo teor… Como reforço positivo, o Afonso pregou, de dentro para fora, cinco ou seis dezenas de pregos, por forma a que os seus bicos ficassem ligeiramente proeminentes do lado exterior, mais ou menos isto (aqui o Dr Teotónio apontou com a unha do seu indicador uma curta porção do seu polegar).

Para abreviar, o certo é que o marrão foi espaçando as suas marradas e, em menos de uma semana, perdeu totalmente o hábito. É por isso que eu continuo convencido de que a disciplina se constrói com alguns cartazes carinhosos e delicados, espalhados com amor por toda a escola.”                                            

    Post 802       (Imagem daqui)

(Contado por Eleutério Santos)

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