21 de novembro de 2011

Em verdade vos digo…

escano
(Escano)

Um prato de sabedoria

Fui com ele, um pouco a medo, porque nessa altura ainda não tinha consolidado o meu conhecimento sobre esta teoria

Se te convidarem para almoçar, coisa que pode ser mais provável do que imaginas, visto que tempos de crise são propícios a milagres, procura indagar primeiro se o teu providencial host é pobre ou rico. Se for rico, declina o convite. Só se come bem em casa de pobre. Pobre nunca tem nada pronto, mas “arranja-se sempre qualquer coisa”. Acreditem no que digo, que esta sabedoria de sessenta anos foi adquirida ao longo de trinta e cinco, nas mais remotas paragens onde, em troca dos mais inesperados cardápios, fui debitando toda a minha cultura anglo-saxónica.

Estava completamente settled que todo o grupo de Inglês iria, naquela tarde, gastar os últimos tostões do mês num restaurante chique, digo, fashion, que abrira portas recentemente lá na cidade de Bragança. Quis o destino que o pai de um aluno meu me raptasse para sua casa, às últimas badaladas do meio-dia. Como sempre, “não havia nada pronto, a casa era pobre, mas sempre se arranjava alguma coisa”. Fui com ele, um pouco a medo, porque nessa altura ainda não tinha consolidado o meu conhecimento sobre esta teoria, aliás, posteriormente comprovada “à saciedade” (também no sentido culinário, é claro) por outros docentes tão esfomeados quanto eu e, como eu, tão desejosos de aprender. É esta teoria simples que agora aqui vos deixo,

suculenta e graciosamente.

De facto não havia nada que se comesse, nem onde sentar sequer… Mas uma valente panela de ferro, hanging from a wire, já rescendia a sopa de feijão seco, vapor e lembranças de antanho explodindo pelas bordas do pesadíssimo testo. E claro, vem-nos Eça, o danado de fino, à cabeça. Também ele sabia muito bem que só se come bem em casa de pobre, ele que andou pelas estranjas, sempre a tentar achar iguaria melhor do que aquela que devorou, com Jacinto, em Tormes, chegando á conclusão, no fim da vida e do capítulo, que foi gorada a sua busca.

Não havia nada, era casa de pobre. Mas logo caiu, como por enquanto, um casalinho de chouriços sobre o brasido, logo se abriu o escano de pinho e uma toalha limpa, cheirosa de sabão, esvoaçou e se aquietou sobre a mesa. – “A sopa é feita com água da mina, não tenha receio”. (Pobre sempre tem uma mina algures e sempre receia a água da torneira). Vindo não sei de onde, logo estrepitou sobre a mesa uma boa canada de carrascão, daquele que vem às postas para o copo. Vinha acompanhada de um casqueiro fresco, oloroso. Pobre nunca tem nada, mas sempre se arranja alguma coisa…

Os outros não sei o que almoçaram. Nem eles, segundo vim depois a saber.

Comeram em casa de rico… Querem o quê?

Post 796 (Imagem daqui)

2 comentários:

odete ferreira disse...

Concordo inteiramente contigo. Gostei da verdade veementemente afirmada e, particularmente, de o facto ter acontecido "lá na cidade de Bragança". A hospitalidade dos pobres soa, a maior parte das vezes,a sinceridade. A dos ricos, a maior parte das vezes, a hipocrisia.

AEfetivamente disse...

Si, sou tentada a concordar convosco:) Isso nota-se particularmente nos países pobres/sub-desenvolvidos, onde as pessoas são realmente hospitaleiras, acolhedoras e quase servis, por vezes.