Noventa por cento dos jovens da minha idade (sessenta anos) com quem me cruzo sofrem de filhodependência. Em noventa por cento das conversas que com eles entabulo há, pelo menos, dez ou vinte referências beatíficas aos filhotes. Estes parecem, de facto, viver num mundo de alegrias e oportunidades: já tiraram os seus cursos com distinção; chegaram ontem de um périplo diplomaticoturístico pelas ilhas do mundo; casaram muito bem; possuem piscinas e jardins a perder de vista. Na área intelectual e cultural são todos o supra-sumo do que de melhor se fabricou até hoje: clarividência, rapidez no raciocínio, lucidez. Para desenfastiar (e tornar a composição mais crível aos meus ouvidos), tentam inventar-lhes um ou dois defeitos (que para mim continuam a ser virtudes encapotadas) mas são traídos pela momice ditosíssima que ostentam. Noventa por cento dos jovens da minha idade (sessenta anos) vivem as suas vidas em absoluta dependência da progénie.
Eu, que só me drogo de pão-de-ló, que não entendo nada de crianças nem de adolescentes nem de jovens adultos, que não imagino o que passa pelas suas cabeças, que, na verdade, já desisti de compreender o que dizem e sentem, acabei por me restringir ao diálogo com os velhos da minha idade, na esperança de, com eles, poder ter uma conversa de jeito, ao fim da tarde, diante de um copo de cerveja.
Mas, nestas condições, eu, que só me drogo de escrita, que só sou dependente das ideias, faço o quê?
1 comentário:
Poxa, é mesmo. Sabe que nem tinha pansado nisso? Fazer o que né?
Curitibataí
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