3 de abril de 2012

Sessenta obsessivos

Não me tinha ainda apercebido que seria tão difícil saber alguma coisa acerca de Deus. Para além das histórias mais ou menos flutuantes que a humanidade criou, durante milénios, acerca dEle, sempre achei que um dia alguém me pudesse contar, com contornos de verdade e de rigor, sobre quem é Deus, onde vive, qual o seu estado civil e quem Lhe passou a carteira profissional de construtor das esferas.

Aos sessenta anos de idade, saber sobre Deus não é mais um acto académico de pura especulação intelectual. Aos sessenta anos, saber da existência e da identidade de quem nos criou torna-se tão urgente como, aos dezoito, saber quem é, e para onde fugiu, o nosso pai biológico. Se este conhecimento é tão importante para a nossa vida, aquele é importante demais para a nossa morte. O nosso papá biológico é útil para o colocarmos entre nós e o perigo. O nosso Pai do Céu passa a ser imprescindível para nos agarrarmos às suas calças quando cometermos o mais fatal e idiota dos deslizes….

Tornou-se, pois, uma quase obsessão acreditar em alguma verdade absoluta sobre Deus, mesmo que essa verdade absoluta seja a mentira mais refinada. Conhecer esta verdade deixar-nos-á imensamente mais tranquilos, reduzindo o sono final a uma condição de sono quotidiano, com uma madrugada no dia seguinte, com sol e chuva e flores e mulheres e almoços.

Na Internet não há nada de novo sobre Deus. Apenas se diz por lá aquilo que já toda a gente sabe: que eu era nada e Deus fez de mim o que eu agora sou. E o mais intrigante é que Ele fez isso sem sequer ter sido enquadrado judicialmente. Este facto é o único que me demonstra todo o poder que Ele, de facto, tem. Qualquer trabalhador indiferenciado teria apanhado uns bons anos de cadeia se tivesse produzido, mesmo sem querer, uma peça igual a mim.

Não se explica na Internet a razão por que Deus me recolhe de novo no fim, quando eu voltar a ser o que era antes de ele me transformar, ou seja - nada. Provavelmente, é nessa perspectiva de reciclagem que Ele reutilizará o meu nada para fazer, a partir dele, outro falhado qualquer, na esperança de um dia acabar por acertar.

Aos sessenta anos, saber tudo sobre Deus tornou-se obsessivamente primordial. Por isso, deixo aqui um avisado aviso às pessoas normais e escorreitas, ainda portadoras de algum equilíbrio neurológico: não visitem o Trala nos próximos dias, pois voltarei a este assunto. Obsessão pega-se!  

(Imagem daqui)           Post 826  

1 comentário:

Anónimo disse...

está engraçado, sim senhor... :)
edu salgado