13 de abril de 2012

Bifes e apartamentos ou o romance da grafonola (parte 2)

Capturar grafonola

 

Agora, para descrever o Acácio Rebelo com a mestria que merece, seria necessária mão mais firme e olhar mais penetrante do que o meu

(continuado de 24 de Março de 2012)

 

 

   Post 828   (Imagem daqui)

Pois, descrever um rádio é fácil: dois botões, um altifalante, uma caixa de baquelite, um olho mágico, um sortilégio. Mas, e descrever o Acácio Rebelo, nado e criado na aldeia de Izeda, a uns quantos quilómetros do centro populacional e civilizacional mais próximo – Macedo de Cavaleiros? Acácio tinha muito mais botões, falava muito mais alto,  usava uma samarra de gola de raposa em vez de baquelite, tinha dois olhinhos mágicos prazenteiros, envidraçados por cangalhas fora de moda e tê-lo conhecido foi sortilégio maior do que qualquer aparelho de rádio.

Como ficou dito, o Acácio não era pobre. Recuperava casotas em Vila Flor e em Macedo e, com o dinheiro proveniente deste trabalho, empilhava andares incaracterísticos em todo e qualquer espaço que lhe parecesse habitável. Tinha um Jeep luminoso, sempre estacionado em frente do seu estaminé de electrónica, um par de suspensórios medonhos que lhe arrepanhavam as calças no traseiro, uma barriga despudorada e uns permanentes chinelos de camurça esverdeada.

Porém, a característica mais proeminente da minha personagem não era física. Era a sua incessante, quase demente, busca da felicidade quotidiana. Mas não a procurava no dinheiro, nem na família, nem no negócio,  nem na amistosa flatulência que ostentava em praticamente todas as ocasiões sociais, sobretudo as mais delicadas e festivas. A felicidade suprema encontrava-a ele apenas numa coisa: uma boa piada, várias boas piadas, de preferência. Uma piada, ainda que não fosse um modelo de humor incondicional, sempre lhe arrancava fundas e sadias gargalhadas, cheias de alegria e anidrido carbónico. Dir-se-ia que Acácio Rebelo passava a vida à procura de humor, como outros a passam à procura de chatices…

Ah, sei bem que não consegui descrever o Acácio. E sei que muitos de vós, meus caros leitores, vos sentistes defraudados perante a minha descrição, a ponto de pensardes em abandonar definitivamente os escrevinhados deste vosso cervo servo. (Ainda se usa a segunda pessoa do plural?). Mas foi o que se pôde arranjar com as poucas palavras que me restaram dos recentes cortes lexicais…

                    (Cuidado, isto vai continuar)

2 comentários:

Anónimo disse...

Que técnica descritiva tão apurada! Acácio foi uma escolha feliz numa região onde abundam nomes um pouco sui generis, como Assédio (também de Macedo). Fico a aguardar os próximos episódios! Marla

odete ferreira disse...

Não conheço Izeda de vista. Só de coração. A minha mãe passava férias lá, junto do meu bisavô. Um dia destes vou lá. Para além da boneca (aqui é mesmo singular)da Isildinha (minha mãe), vou procurar um gigante barrigudo, galhofeiro. Levo comigo um GPS, que também se orienta pelos cheiros. A primeira cheira a menina.
Quanto ao texto, João, mete-se-nos (ainda se usam tantos hífens?)pelos poros todos!