“Sim, Senhor Ministro, eu sei que o seu plano tecnológico deve, certamente, colocar o seu país na linha da frente. Mas isso será no seu país. O seu país não é o mesmo que o meu. Eu não sei de planos tecnológicos, não sei de computadores nem de Internet, nem de quadros interactivos, nem de finanças, nem de ofechores. E sabe por que eu não sei de nada disso? Simplesmente porque sou apenas um agricultor, quarta classe bem feita em 1963, e moro num país diferente do seu, embora tenha nascido e vivido sempre aqui no Lombo.
Sei quando é necessário sachar o milho, semear as batatas, colher as favas, fazer as vindimas. Sei mondar e regar e sei tratar bem a terra, mãe de todos nós, e do Senhor também, seu filho pródigo do caralho. Sei trabalhar de sol a sol, porque a agricultura não tem horas, nem sapatinho de verniz, nem reuniões importantes. Sei viver com o que a terra dá, sem automóveis negros, nem pontes, nem tegevês, nem aeroportos, nem o raio que o parta. Sei fazer isso tudo, mas perdi o meu biscate e não tenho terra.
Será que o Senhor Ministro, tão sabedor dessa coisa dos planos tecnológicos, tão amigo dos pobres e oprimidos, me poderia arranjar um pouco de terra, ou um patrão com terra, de onde eu possa retirar o meu sustento e o dos meus? Ficar-lhe-ia eternamente grato. (Eu cedo à terra o meu corpo, em breve, prometo. Ela sabe lavar-se, com os diabos). Depois, pode até meter a minha reforma no cu, se V. Exª preferir, para ajudar a resolver o seu caso com a balança de pagamentos e mais o seu deficit das contas públicas.
Fique V.Exª com os seus problemas, os seus computadores, o seu poder e que Deus lhe dê muita saúde.”
José Serrano, agricultor de primeira classe, M. de Cavaleiros
(Imagem tirada daqui)