2 de agosto de 2010

Parlamentário

ramalho Ha um mez inteiro que os srs. deputados, sob o pretexto de accordarem na collocação de um adverbio ou no significado de um adjectivo para a confecção de um periodo banal, se discutem a si proprios; chamam-se reciprocamente desordeiros, calumniadores e ineptos; e documentam e provam entre uns e outros, de partido para partido, que são effectivamente desordeiros, conspiradores, calumniadores e ineptos.

As Farpas Janeiro de 1873

eça Os portugueses ainda votam. E elegem. E adoram ter um parlamento, simplesmente para ouvir falar os deputados. Todo o labrego é sensível a um discurso de pompa e circunstância. A expressão popular “aquele fulano fala muito bem” significa que o som que saiu da sua boca é agradável, bem articulado e erudito qb, isto é, é tão bom o seu discurso que está muito para além do entendimento do laparda que sou eu. Se é demasiado inteligível, é apenas vulgar. Se não entendi nada, é sublime. É a palavra pela palavra. A palavra na sua essência mais pura que é a pura destituição da sua essência.

O único senão é que o parlamento actual não nos brinda com a qualidade discursiva do parlamento do tempo de Eça e Ramalho. Se se assemelha àquele na inépcia e na calúnia, já dele se afasta um pouco nas componentes cultista e conceptista que tanto seduzem o ouvido popular. Apesar de tudo, o parlamento de hoje ainda é dos poucos lugares onde se arremedam discursos virtuosos, se experimentam prosódias, se ostentam formalíssimas retóricas, na boa e esmerada tradição basbaque. Claro, a coisa raramente sai bem. E quanto maior pretende ser o voo da eloquência, maior é o tombo da oratória.

Mesmo assim, eu compro. Quero dois parlamentos pelo preço de um.

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