Formiga Bossa Nova
Já no tempo do Tilo’s Combo este país tinha mais cigarras que formigas. Quase tenho, sobre o assunto, duas certezas mais ou menos pacificadas: a primeira é que este tema, (gravado em 1945 por Tilo’s Combo e mais tarde por Amália, de Alain Oulman sobre poema de Alexandre O’Neil) deve ter sido uma das mais importantes bandeiras da recuperação salazarista do cagaço da segunda guerra. De facto, passados que eram os anos da calamidade europeia, Salazar precisava de um hino popular para escravizar o povo com vista ao urgente enchimento dos cofres do estado; a segunda quase certeza é que este tema recorrente terá chegado aos ouvidos dos novos escravizadores do povo. A história ditou-lhes que o tema terá, ao tempo, surtido efeitos maravilhosos na tarefa de escravização dos portugueses obscenamente perdulários. Obviamente, a referência ao tema, magestosamente pronunciada pelo senhor primeiro-ministro e por um monte de banqueiros poupadinhos, traria de volta a apologia da afadigada formiga e a condenação da devassamente dissipadora cigarra que, como sabemos, somos todos nós, os devassos cantadores da coceira generalizada, arranhando os tomates bem acima das nossas possibilidades. (Bem sei que esta última alusão é escandalosamente sexista, já que mulher não pode, de facto, entregar-se a tal actividade, a menos que, como companheiras dedicadas e solidárias, ajudem os homens nessa árdua tarefa, até à total pacificação de todos os pruridos…). Fica aí, portanto, o hino ao trabalhinho mal remunerado e ao silêncio respeitoso dos escravos.
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