19 de março de 2012

Hoje lembrei…

A Praia de Mira era um rendilhado de rios, lagos e lagoas que atormentaram a minha meninice…

clip_image002Q

Quando eu era criança, minha mãe fazia-me atravessar uma infinidade de cursos de água, alguns deles rudes e violentos demais para a minha compleição de menino frágil. Ela me segurava então pelo cachaço, enquanto caminhávamos lentos, eu à frente e ela atrás, sobre estreitas e oscilantes comportas de madeira que tentavam reter alguma água para a direccionar aos moinhos da Canhota. Eu, tonto de medo, olhava para baixo, lá onde a água, contrariada pela barragem, se debatia com estrepitoso fragor.

clip_image004Naquele tempo a praia de Mira era demasiado húmida para o meu gosto de garoto de terra seca, criado sobre batatais a perder de vista, ou perdido entre milharais sombrios, cheirando a guano e pó.

Meus avós maternos eram da praia e viviam num palheiro encantado, de madeira listrada verticalmente em castanho e branco. Um dia, morreram. Não tive escola nesse dia, e nunca mais fui obrigado a atravessar os rios borbulhantes do meu pavor…

    Post  824      (Imagens minhas)

3 comentários:

Anónimo disse...

Os milharais e os batatais também fazem parte das minhas memórias de infância! A minha aldeia tinha muitos campos de milho e a minha avó sempre plantou batatas, ainda hoje o faz...
Os palheiros listrados são uma das muitas relíquias da nossa bela Gândara litoral. Na minha zona (referindo-me agora à "terra seca"), havia mulheres que apanhavam bosta seca com um balde. Alusiva a esta atividade, ainda hoje há quem mande alguém "ir à merda com um cesto"... Marla

Anónimo disse...

...Sim, para servir de adubo nas sementeiras. Desfazia-se com as mãos na água corrente das regadeiras, as mesmas mãos que à noite faziam a seia e acariciavam a família...
Abraço, Marla.
joao de miranda m.

odete ferreira disse...

Na minha infância, os "rios borbulhantes do meu pavor" eram caminhos de terra batida, onde morava a minha escola e onde, dizia-se, apareciam lobos que assustavam meninas.
Belíssimo e exorcizante o teu texto!