14 de março de 2012

Desta vez é o décimo primeiro ano…

jeováTenho um aluno no décimo primeiro ano que é Testemunha do Jeová. (Sou testemunha disso, posso garantir-vos). Esforço-me por lhe ensinar uma língua profana, leiga, quase obscena, que se chama Inglês. Ele esforça-se por me ensinar um código ascético, inumerável, divino, flatulento que se chama Tetragrama YHVH, ou seja, o tal Jeová.

Tendo-me certamente sinalizado como uma criatura em iminente risco de se perder nas profundezas do Inferno, chamou a si a generosa e ciclópica tarefa de me reorientar o estafado percurso, enfileirando-me no rebanho dos escolhidos para as delícias do paraíso. Paulatinamente, pedagogicamente, tem vindo a fornecer-me materiais indispensáveis para a minha progressão segura a caminho da manada dos bem-aventurados.

Todas as semanas me presenteia com livrinhos escritos de modo simples e directo, construção frásica primária, adequada ao meu nível cognitivo, profusamente ilustrados com desenhos meticulosos, Cristos de cabelo curto e barba preta aparada ao gosto dos baladeiros de 60, paisagens idílicas de rios passando serenos por debaixo de pontes curvas de madeira e profetas de gravata laminada e fatos de merino, famílias felicíssimas em volta de uma mesa de toalha aos quadradinhos, jovenzinhas assexuadas e raios de luz azul vindos de uma nuvem (?) onde se inscreve a palavra Jeová.

A minha intenção para com este meu aluno é muito menos luminosa. Adoraria que ele se dedicasse aos pronomes pessoais formas de complemento e ao passado do verbo to be. E inundo-o de fichas de gramática, nem eu mesmo sei já se com isso pretendo ensiná-lo ou se se trata de uma pequena vingança como represália aos materiais didácticos com que ele me inunda semanalmente.

E é neste pé que temos estado, até que ele fez ontem o teste final do módulo 3. E tirou 10. Quanto a mim, ainda não fiz o teste final da doutrina de Jeová. Sei que ele não me dispensará dele, até porque Jeová que se preze é muito mais chato que qualquer professor de Inglês. E tremo só de pensar que poderei confundir Armageddon com manjedoura ou Sentinela Alerta com Serenella Andrade. (Ele também confundiu him com his e witch com watch…)

   Post 822      (Imagem daqui)

4 comentários:

Anónimo disse...

Adorei! Adorei!
Quem converte quem?
O teu sentido de humor é simplesmente divinal! Parti o coco a rir!
bom weekend & um abraço Marla

Anónimo disse...

...simplesmente "divinal", ehehehehe. Eu é que adorei este teu comentário. Abraço.
joao de miranda m.

Unknown disse...

Não sei se terá coragem de deixar este comentário meu exposto, porém se apenas lê-lo já me darei por satisfeito. Independente de que convicções o professor tenha, respeitar o aluno é uma obrigação. E, em um estado laico, respeitar as convicções religiosas de qualquer pessoa também. Como uma pessoa estudada, e como diz o termo popular 'educada', poderia expor seu ponto de vista usando uma 'educação', além da secular, com palavras premeditadamente escolhidas, demonstrando um pouco de humildade que deveria ser característica permanente de qualquer profissional da educação. Entretanto é de se esperar que alguns venham a confundir conhecimento com sabedoria. Um alto nível de conhecimento é notório que o senhor tem, mas tenho certeza de que seu aluno tem muito a lhe ensinar sobre humildade e usar o conhecimento com sabedoria.
Grande abraço.

Anónimo disse...

Caro Leandro. Agradeço o seu comentário. Com o meu texto apenas pretendi arrancar um ou dois sorrisos aos meus leitores. Aqueles que tiveram a amabilidade de sorrir sabem muito bem que não existiu nesse texto qualquer ameaça à paz mundial. O aluno foi respeitado, os leitores também e o mesmo aconteceu consigo, a quem agradeço o incómodo de ter que me puxar as orelhas pelo meu abominável descuido. Grande abraço.

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