23 de agosto de 2007

Terra quanta avistes...

Estou cada vez mais rural. Já passo dois terços do meu tempo a ver crescer as árvores, a relva, as hortas. Sem nenhuma poesia. Nem a febre telúrica de Torga, para quem a terra tinha sempre a vontade indómita e o sofrimento genuíno de homens, nem o olhar contemplativo e comodamente inebriado dos bucólicos. Só terra, e a ruralidade que não exige mais nada de mim: nem inteligência, nem cultura, nem sabedoria, nem engenho, nem arte, nem competências, nem depressões. Sou da terra, todo dela, mas epidérmico. Temo nela o abismo da víscera. Acobardo-me diante dos seus fragores tectónicos. Mas à superfície dela, alongado sobre a sua pele, gostaria de permanecer para sempre, desfrutando da sua penugem ondulante sob as brisas das tardes mornas, sob a minha mão de campónio compassivo, multiplicando bosques e jardins.
Mais que isto em relação à terra é ser doentiamente ganancioso.
Menos que isto é ser distraído.

2 comentários:

Bino disse...

Sim senhor, um jardim todo catita.

Anónimo disse...

Texto muito bom, João!
Amirgã