Estou cada vez mais rural. Já passo dois terços do meu tempo a ver crescer as árvores, a relva, as hortas. Sem nenhuma poesia. Nem a febre telúrica de Torga, para quem a terra tinha sempre a vontade indómita e o sofrimento genuíno de homens, nem o olhar contemplativo e comodamente inebriado dos bucólicos. Só terra, e a ruralidade que não exige mais nada de mim: nem inteligência, nem cultura, nem sabedoria, nem engenho, nem arte, nem competências, nem depressões. Sou da terra, todo dela, mas epidérmico. Temo nela o abismo da víscera. Acobardo-me diante dos seus fragores tectónicos. Mas à superfície dela, alongado sobre a sua pele, gostaria de permanecer para sempre, desfrutando da sua penugem ondulante sob as brisas das tardes mornas, sob a minha mão de campónio compassivo, multiplicando bosques e jardins.
Mais que isto em relação à terra é ser doentiamente ganancioso.
Menos que isto é ser distraído.
2 comentários:
Sim senhor, um jardim todo catita.
Texto muito bom, João!
Amirgã
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