21 de setembro de 2012

O elevador (2)

clip_image001No estabelecimento de ensino por onde há quarenta anos arrasto o resto da docentíssima carcaça que o tempo me outorgou, há um elevador surpreendente.

Na verdade, aquele ditoso cubículo de lata não é um elevador, encarregado da simples e prosaica tarefa de levar aos pisos de cima todos os trôpegos e cambaios que atravancam as salas e os corredores da educação em Portugal. Aquele admirável cubículo supera essa basilar função e guinda-se (embora de modo inconsciente, como suponho que se guindam todos os objectos materiais) à categoria de uma válvula despressurizadora de tensões acumuladas na indigestão das aulas, um gabinete de massagens à alma, uma caixa de música do romantismo tardio, uma healthy booth redentora da humanidade sofrida.

Deixei as escadas que o médico me prescreveu o ano passado, com o inocente intuito de subtrair alguns centímetros à minha barriga, e passei a utilizar o milagroso ascensor em todas as minhas deslocações verticais. Nem a barriga me é assim tão insustentável (raramente penetra no espaço de manobra destinado às barrigas dos outros), nem o exercício do degrau ma alisou de modo observável. Por isso, e desde que descobri as propriedades medicinais daquele miraculoso elevador, acalento deveras a hipótese de que o director me promova de professor a ascensorista.

Os meus estimados leitores, perspicazes, tanto quanto curiosos, estarão certamente a perguntar-se o que tem de tão especial um vulgaríssimo elevador de alumínio que passa a sua vida útil a subir e descer por um fosso escuro, preso a uma corda de aço. E eu lhes respondo, de modo mais sucinto que o tempo que o dito leva a ir de um piso ao seguinte: é o espelho. Sim, um encantatório espelho que nos devolve uma imagem lindíssima. Não sei como isso é feito, que truques vítreos, que técnicas ópticas foram experimentadas neste enorme espelho que transforma um abatido e desclassificado professor de sessenta anos num jovem de 50 anos ou menos, de boas cores, penteado frondoso, figura esbelta e um olhar de simpática e ternurenta afabilidade, apesar da vida decepcionantemente parva que fora deste elevador se semeia todos os dias… E, posta de lado a possibilidade real de este elevador estar impregnado de alguma substância psicotrópica que nos aliene, não restam dúvidas de que possui alguma fórmula mágica que nos robustece a alma e nos desanuvia as horas.

Miúdas de todas as idades debatem-se por um lugar no elevador, e não deve ser pelo despoetizado dever de ir parar ao andar de cima sem se cansarem. Enquanto o elevador as transporta, devolve-lhes imagens que as seduzem e as envolvem no deleite de sonhos lindos, de desejos realizáveis. Passam dedos longos por cabelos sobejos e piscam felizes os olhos ao espelho reparador.

E eu fico a pensar que quero mesmo ser ascensorista, ainda que para isso tenha que fazer um doutoramento qualquer que me permita passar o resto dos meus dias neste elevador-colírio, retemperador e salubre. É que a vida, ladeira acima, diante daquele jovial espelho, profusamente ilustrada de jovens narcísicas, tem decerto outra dimensão…

     Post 854         (Imagem daqui)

4 comentários:

OLima disse...

Ao contrário deste elevador, que tanta qualidade tem, o que foi instalado na nova, requalificadíssima manuel gomes de almeida, nem sequer funciona. E está ali mesmo nas ventas da porta de vidro que dá acesso à pitonisa da direção.

Anónimo disse...

Amigo, sou utilizador assíduo do dito cujo mas nunca vislumbrei tão vistoso e apetecível espécime no elevador. Será que a idade já me tolhe a vista ou o espelho não reflete nada a mim?

PG

Anónimo disse...

No Brasil ser ascensorista é uma profissão de sucesso. É o ofício ideal para qualquer malandro, pois passa-se o dia sentado e só é preciso carregar no botão. :)
Agora não há dúvida que esse ascensor dotado de um espelho com propriedades mágicas fará melhor à saúde do que subir as escadas, sobretudo ao ego... Marla

Anónimo disse...

:)
joao de miranda m.