Quando a minha vida de estroina do ensino me fez ir até Izeda, quis o destino que lá encontrasse duas coisas que preencheriam a minha vida até hoje: um rádio de 1958 e o seu vendedor, Acácio Rebelo.
Passo a apresentar estas duas relevantes personagens do meu conto e da minha vida: o rádio de 1958 aconchegava-se numa montra de electrodomésticos e era alvo da minha quase concupiscente paixão. O meu pai tinha-me dado um exactamente igual quando eu fiz, em simultâneo, oito anos e a segunda classe, ambos com distinção; o Acácio era um velhote, da idade que eu tenho agora, mais ou menos acomodado na vida, empoleirado num negócio de apartamentos mal acabados e, claro, na loja de electrodomésticos que já fica referida. Com o tempo, lá por meados do segundo período, já ele me conhecia e cumprimentava, a mim e à minha desusada penúria, já eu não lhe escondia o verdadeiro amor que nutria pelo rádio que ele tão descaradamente me atirava aos olhos, todos os dias da minha ortorrômbica vidinha de professor de Inglês.
Num desses acalentados momentos de embevecido platonismo em que olhava o rádio sob tantas perspectivas quantas me permitia o vidro embaciado, reparei que, mais ao fundo do armazém, havia uma grafonola lindíssima, toda esfuziante na sua corneta de ramagens, soerguendo-se, altiva, de uma base da mais lustrosa madeira que já alguma vez tinha visto nas grafonolas. Fiquei sem fôlego! Mas, como sou um tipo fiel, de um amor de cada vez, voltei a concentrar-me no objecto que se encontrava mais próximo e, apesar de caro para o meu desventrado bolso, imensamente mais acessível que a estonteante grafonola.
Agora, para descrever o Acácio Rebelo com a mestria que merece, seria necessária mão mais firme e olhar mais penetrante do que o meu. Para isso, terei que ganhar algum balanço. Assim sendo, termino por aqui a primeira parte deste romance que continuará no próximo post com a descrição que conseguir fazer do meu eterno amigo Acácio. (continua)
Post 825 (Imagem minha, rádio meu… :)