29 de junho de 2012

instituto das novas profissões

erin-wasson-roupas-femininas-e1335456047260Martim tem uma profissão nova: abre buracos em calças de ganga. Depois de um moroso e competentíssimo curso de formação, estabeleceu-se por conta própria ali à Rua de Trás. Todos os dias recebe oito pares de calças, produzindo por dia, com minúcia e arte, outros tantos buracos em cada par. São, portanto, sessenta e quatro buracos que o Martim abre entre as 9 da manhã e as seis da tarde. O preço ajustado com a Maconde é de 50 cêntimos por buraco médio, podendo ir até 80, nos casos de buracos que ultrapassem metade da largura da perneira da calça. Martim, foge, no entanto, deste tipo de buraco, como o Diabo da Cruz, pois, no seu esmerado dizer, torna-se complicado controlar um buraco tão grande. Parecendo que não, alguns buracos adquirem praticamente vida própria, impõem-se com violência à restante perneira e nunca se pode adivinhar que desaire ou calamidade daí possa resultar.

Esquecendo, então, os buracos demasiado esbarrumbados, o Martim ganha por dia uma média de trinta e dois euros, totalmente isentos de impostos. Abrir buracos é, ao contrário de tapá-los, uma actividade ainda não reconhecida. Trata-se, por enquanto, de uma não profissão, dado que o resultado do trabalho não é um produto, mas um não-produto, dotado de uma certa não-existência. Se trabalhar 22 dias por mês, o Martim recebe setecentos e quatro euros, de onde retira apenas trezentos, destinados a rúcula e a cedês raríssimos dos Village People. Martim é um exemplo de inventiva, arrojo e espírito empresarial para todos os jovens desempregados.

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20 de junho de 2012

Montgolfier, Montgonflier, mon Dieu…

Quando éramos schoolburros* do quinto ano, actual nono ano, éramos bons alunos e estudávamos um bocado. Não porque gostássemos de estudar (éramos garotos normais, que diabo), mas simplesmente porque todos ansiávamos ver reduzido o número de varadas que, de ordinário, nos caía pelas orelhas abaixo, especialmente nas aulas de Física.

Ora, os irmãos Montgolfier tinham construído no século XVIII um diacho de um balão que se elevou no ar sozinho, perante a admiração de todos, faz agora uns 230 anos e o Sequeira sabia isto tudo, com pormenores que nem o professor conhecia. Apesar disso, nunca se livrou das vergastadas nas orelhas, simplesmente porque dizia Montgonflier em vez de Montgolfier. E o Sequeira nunca se queixou do professor de Física, mas sim do cientista do balão, que tinha um nome impronunciável.

(Em se tratando de um blogue sobre educação, o Tralapraki está amplamente justificado por ter trazido a lume este modesto incidente que, obviamente, esclarece à saciedade o tipo de relação que os professores mantinham com os alunos nos idos de sessenta, ou seja, uma relação confortavelmente estável.)

Mas, que fique claro, não foi esta a razão por que me lembrei disto hoje. A razão é que, vejam lá, encontrei ontem o Sequeira, vindo de França para um mês de férias aqui na praia de Mira (onde é que eu já li isto?). E não sei se foi da cerveja ou de alguma reminiscência que o seu rosto me tivesse sugerido, lembrei-me claramente do professor de Física e do balão admirável de Joseph e Jaques e, claro, das bordoadas.

- Já sabes como se chamam os irmãos que lançaram um balão em 1783? – perguntei-lhe eu, quarenta e sete anos depois das varadas, na espectativa de uma resposta que nos remetesse, sem brumas nem omissões, à nossa esplendorosa adolescência.

- Agora sei.– disse o Sequeira. - Eram os irmãos Montgonflier… Calma, eu disse Montgonflier para me vingar desses franceses ridículos, amiguinhos da Merkel, que não me dão a reforma por inteiro. E também porque não vi nenhuma vara nas redondezas, é claro. Mas é Montgolfier o nome atoleimado desses dois irmãos imprestáveis, que nem sequer inventaram o balão. Quem o inventou foi um português de nome escorreito, o padre Bartolomeu de Gusmão. Ainda bem que vim a tempo de ver os quartos de final aqui na minha terra!

 

*Schoolburros – termo inventado pelo João Luís que tinha dificuldade em dizer schoolfellows.

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16 de junho de 2012

Espectáculo!!!...

Dois dos meus alunos do 10º ano pegaram-se ontem numa interessante cena de pancadaria.

Ao contrário da habitual reacção que desencadeio quando a pancada se dirige a mim próprio e que é, no mínimo, instantânea, desta vez demorei o tempo que achei necessário para perceber o facto e, obviamente, para tentar prolongar o mais possível o íntimo prazer que me estava a dar ver outros, que não eu, apanhar uma valente coça

De modo que deixei, calmamente, as mesas estatelarem-se ao longo da sala, os sopapos estalarem de ambos os lados, os olhos matizarem-se alegremente de roxo e os narizes esborracharem-se sob o impacto de murros e cotoveladas. (Um espectáculo gratuito, de tão elevada qualidade, não acontece todos os dias. A sua estranheza fazia dele um momento histórico digno de um post, uma crónica, um compêndio de civilidade e etiqueta).

Não sei que pensamentos ou sentimentos a restante turma desenvolveu mediante o inusitado espectáculo. Quanto a mim, tive tempo de sobra para a íntima e, obviamente, reprovável alegria de verificar que dois alunos da pior espécie representavam ali, diante dos meus olhos alegremente atónitos, a cena que tantas vezes eu próprio tinha sonhado.

Introduzamos aqui um pouco mais de precisão: a cena recorrentemente sonhada não era exactamente esta. Ela envolvia, de facto, três actores e não apenas dois. Havia um primeiro actor, único protagonista digno deste nome, eu, esmurrando aqueles dois, ou quaisquer outros dois, já que a turma é generosamente rica em espécimes deste jaez.

Sonhos são sonhos e, seja pelo estatuto do aluno, seja pela arrogância e voracidade dos pais, ou seja pela minha notória decrepitude, a cena, do modo como tantas vezes foi desenhada, nunca aconteceu de facto, graças a Deus e aos obstáculos com que sempre atravanco a distância que separa o sonho/desejo da realidade/facto.

Mas não me queixo. A cena foi diferente, eu não estava nela, mas foi igualmente enternecedora e totalmente satisfatória.

Ao fim de vários segundos de divertidíssima violência, um pouco antes de os primeiros pingos vermelhos aflorarem ao trombil dos contendores, acabei finalmente por intervir em nome do regulamento geral dos espectáculos, expulsando-os da sala, marcando faltas disciplinares e tomando algumas notas para uma futura participação de ocorrência.

Aconteceu ontem, na última aula do curso, facto que impossibilita o acesso a qualquer hipótese de repetição da cena, pelo menos neste ano lectivo. Enfim, antes pouco que nada!

Tudo terminado, havia em alguns rostos o desânimo do fim do circo. Quanto ao meu rosto, nada posso garantir sobre o que nele havia... (Não possuo feedback autónomo sobre as minhas expressões faciais).

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15 de junho de 2012

Escola tecnológica é outro luxo…

imageNa sequência de várias fraudes que ocorreram em anos anteriores, em período de exames, e que se prendiam com erros de identificação dos candidatos (nomes demasiado semelhantes, gémeos que se fizeram passar pelos irmãos, etc.), a escola pública portuguesa, num louvável esforço de exigência, rectidão e amor pela honestidade de processos (como tem sido, aliás, seu apanágio), introduziu recentemente o eye-scanning que,  em português nortenho, se pode e deve traduzir por digitalização do olho. Trata-se de um aparelho que lê as características do olho, únicas em cada indivíduo, e que provou ser mais certeiro que a tradicional identificação por fotografia, impressão digital, ou mesmo a presença de um compadre ou de um vizinho do aluno em causa. Além de tudo, num momento em que o tempo é absolutamente precioso, como é o caso dos exames, o sistema apresenta uma rapidez de processos absolutamente estonteante. É tudo simples e intuitivo. Os scanners estão instalados nos assentos das cadeiras. O candidato a exame senta-se e fica automaticamente identificado, seja qual for o tipo de cuecas que use, ou mesmo que tenha optado por calças ou saias decentes, em vez das tradicionais calças descidas ou de mini-saias transparentes…

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14 de junho de 2012

Obriguei Patxi Andion a explicar-me…

filhso de politico escola publicaNo te he dicho grandes cosas
Porque no me habrian salido

Não é por falta de assunto que estou calado, mas por ter assunto demais. Um blog em contratempo seria suposto ter (passe o anglicismo), nos dias que correm, pasto suculento e farto para descomunal manada. Tudo o que se tem passado recentemente à nossa volta, desde as várias e ordinárias jogatinas políticas, passando pela mentira globalizante que nos imbeciliza, passando por uma escola prostituída aos relatórios circunstanciais, passando por uma sociedade tola que se implodiu e terminando na eurofutebolização dos costumes e dos cerebelos lusitanos, tudo seria manancial inesgotável para críticos de costumes, analistas políticos, opinadores sociológicos, vaticinadores temerários, maledicentes sem limites e, enfim, para este vosso criado que, não sendo nenhum destes, é de todos eles um pouco. Assim, eu, como um fulaninho que oscila entre a casmurrice gerontológica, o ajuizado encolher de ombros, o asinino abanar de rabo e orelhas do arguto burro de Orwell, a amena e melancólica galhofice e o tonitruante murro na mesa, não deveria ter-me votado, por tanto tempo, a tão insólita e insípida mudez, diante de tanta estultícia, infâmia e malvadez como a que a actualidade despudoradamente nos oferece dia após dia.

Que hellada esta casa…

Não deveria, mas fiquei calado. E quando imaginei que, na sequência de tamanha irritação comprimida, de tanta contenção forçada, do acúmulo de raiva engolida a seco, acabaria por explodir agora em apoteose destruidora, em demolidor discurso, em arrebatado e explosivo estertor, não mais que este acanhado e ridículo textículo fui eu capaz de parir. É bem certo que é no paroxismo da indignação, na mais destrutiva inflamação anímica que nos encolhemos inexplicavelmente e, inexplicavelmente, parimos ratos.

Fica aí isso. Que alguém mais sábio do que eu dê forma, consistência e sentido ao que fica dito. Pois eu sinto que solo palabras sobre notas me han salido…

  Post 838      (Imagem daqui)